O tema da reforma agrária dividiu o país durante décadas. Desde os anos 1940 foi um dos assuntos dominantes do debate político e considerada indispensável para o desenvolvimento nacional. Diziam que a divisão das grandes propriedades era essencial para a industrialização, pois ampliaria, com base nas pequenas propriedades, o fornecimento de gêneros alimentícios para as cidades, diminuindo o custo de reprodução da força de trabalho e acabando com a carestia.
Por outro lado, o campo se transformaria em mercado consumidor das mercadorias industrializadas. Ou seja, o abastecimento dos centros urbanos, que estavam crescendo rapidamente, e o pleno desenvolvimento da indústria dependiam da reforma agrária. Sem ela não teríamos um forte setor industrial e a carestia seria permanente nos centros urbanos, além da manutenção da miséria nas áreas agrícolas. E, desenhando um retrato ainda mais apocalíptico, havia uma vertente política da tese: sem a efetivação da reforma agrária, o país nunca alcançaria a plena democracia, pois os grandes proprietários de terra dominavam a vida política nacional e impediam a surgimento de uma sociedade livre. Era repetido como um mantra: o Brasil estava fadado ao fracasso e não teria futuro, caso não houvesse uma reforma agrária.
Os anos se passaram e o caminho do país foi absolutamente distinto. A reforma agrária não ocorreu. O que houve foram distribuições homeopáticas de terra segundo o interesse político dos governos desde 1985, quando foi, inclusive, criado um ministério com este fim. Enquanto os olhos do país estavam voltados para a necessidade de partilhar as grandes propriedades - marca anticapitalista de um país que não admira o lucro e muito menos o sucesso - o Centro-Oeste foi sendo ocupado (e parte da Amazônia), além da revolução tecnológica ocorrida nas áreas já cultivadas do Sul-Sudeste.
O deslocamento de agricultores, capitais e experiência produtiva especialmente para o Centro-Oeste ocorreu sem ter o Estado como elemento propulsor. Foram agricultores com seus próprios recursos que migraram principalmente do Sul para a região. Como é sabido, falava-se desde os anos 30 em marcha para o Oeste, mas nada de prático foi feito. E, quando o Estado resolveu fazer algo, sempre acabou em desastre, como a batalha da borracha, nos anos 1940, ou, trinta anos depois, com as agrovilas, na Amazônia.
O épico deslocamento de agricultores do Sul para o Centro-Oeste até hoje não mereceu dos historiadores um estudo detalhado. De um lado, devido aos preconceitos ideológicos; de outro, pela escassez ou desconhecimento das fontes históricas. Como todo processo de desbravamento não ficou imune às contradições - e isto não ocorreu apenas no Brasil. Foram registrados sérios problemas em relação ao meio ambiente e aos direitos humanos, em grande parte devido à precariedade da presença das instituições estatais na região.
Com a falência do modelo econômico da ditadura, em 1979, e a falta de perspectiva segura para a economia, o que só ocorrerá uma década e meia depois, com o Plano Real, as atenções do debate político ficaram concentradas no tema da reforma agrária, mas de forma abstrata. O centro das discussões era o futuro dos setores secundário e terciário da economia. O campo só fazia parte do debate como o polo atrasado e que necessitava urgentemente de reformas. Contudo, a realidade era muito distinta: estava ocorrendo uma revolução, um fabuloso crescimento da produção, que iria mudar a realidade do país na década seguinte.
Entretanto, no Parlamento, os agricultores não tinham uma representação à altura da sua importância econômica. Alguns que falavam em seu nome ficaram notabilizados pela truculência, reforçando os estereótipos construídos pelos seus adversários. É o que Karl Marx chamou de classe em si e não para si. Os agricultores, na esfera política, não conseguiam (e isto se mantém até os dias atuais) ter uma presença de classe, com uma representação moderna, que defendesse seus interesses e estabelecendo alianças com outros setores da sociedade. Pelo contrário, sempre estiveram, politicamente falando, correndo atrás do prejuízo e buscando alguma solução menos ruim, quando de algum projeto governamental prejudicial à sua atividade.
Hoje, o Brasil é uma potência agrícola, boa parte do saldo positivo da balança comercial é devido à agricultura, a maior parte da população vive no meio urbano, a carestia é coisa do passado, a industrialização acabou (mesmo com percalços) sendo um sucesso, o país alcançou a plena democracia e não foi necessária a reforma agrária. A tese que engessou o debate político brasileiro durante décadas não passou de uma falácia. Marco Antonio Villa é historiador.
FONTE: O GLOBO
Por outro lado, o campo se transformaria em mercado consumidor das mercadorias industrializadas. Ou seja, o abastecimento dos centros urbanos, que estavam crescendo rapidamente, e o pleno desenvolvimento da indústria dependiam da reforma agrária. Sem ela não teríamos um forte setor industrial e a carestia seria permanente nos centros urbanos, além da manutenção da miséria nas áreas agrícolas. E, desenhando um retrato ainda mais apocalíptico, havia uma vertente política da tese: sem a efetivação da reforma agrária, o país nunca alcançaria a plena democracia, pois os grandes proprietários de terra dominavam a vida política nacional e impediam a surgimento de uma sociedade livre. Era repetido como um mantra: o Brasil estava fadado ao fracasso e não teria futuro, caso não houvesse uma reforma agrária.
Os anos se passaram e o caminho do país foi absolutamente distinto. A reforma agrária não ocorreu. O que houve foram distribuições homeopáticas de terra segundo o interesse político dos governos desde 1985, quando foi, inclusive, criado um ministério com este fim. Enquanto os olhos do país estavam voltados para a necessidade de partilhar as grandes propriedades - marca anticapitalista de um país que não admira o lucro e muito menos o sucesso - o Centro-Oeste foi sendo ocupado (e parte da Amazônia), além da revolução tecnológica ocorrida nas áreas já cultivadas do Sul-Sudeste.
O deslocamento de agricultores, capitais e experiência produtiva especialmente para o Centro-Oeste ocorreu sem ter o Estado como elemento propulsor. Foram agricultores com seus próprios recursos que migraram principalmente do Sul para a região. Como é sabido, falava-se desde os anos 30 em marcha para o Oeste, mas nada de prático foi feito. E, quando o Estado resolveu fazer algo, sempre acabou em desastre, como a batalha da borracha, nos anos 1940, ou, trinta anos depois, com as agrovilas, na Amazônia.
O épico deslocamento de agricultores do Sul para o Centro-Oeste até hoje não mereceu dos historiadores um estudo detalhado. De um lado, devido aos preconceitos ideológicos; de outro, pela escassez ou desconhecimento das fontes históricas. Como todo processo de desbravamento não ficou imune às contradições - e isto não ocorreu apenas no Brasil. Foram registrados sérios problemas em relação ao meio ambiente e aos direitos humanos, em grande parte devido à precariedade da presença das instituições estatais na região.
Com a falência do modelo econômico da ditadura, em 1979, e a falta de perspectiva segura para a economia, o que só ocorrerá uma década e meia depois, com o Plano Real, as atenções do debate político ficaram concentradas no tema da reforma agrária, mas de forma abstrata. O centro das discussões era o futuro dos setores secundário e terciário da economia. O campo só fazia parte do debate como o polo atrasado e que necessitava urgentemente de reformas. Contudo, a realidade era muito distinta: estava ocorrendo uma revolução, um fabuloso crescimento da produção, que iria mudar a realidade do país na década seguinte.
Entretanto, no Parlamento, os agricultores não tinham uma representação à altura da sua importância econômica. Alguns que falavam em seu nome ficaram notabilizados pela truculência, reforçando os estereótipos construídos pelos seus adversários. É o que Karl Marx chamou de classe em si e não para si. Os agricultores, na esfera política, não conseguiam (e isto se mantém até os dias atuais) ter uma presença de classe, com uma representação moderna, que defendesse seus interesses e estabelecendo alianças com outros setores da sociedade. Pelo contrário, sempre estiveram, politicamente falando, correndo atrás do prejuízo e buscando alguma solução menos ruim, quando de algum projeto governamental prejudicial à sua atividade.
Hoje, o Brasil é uma potência agrícola, boa parte do saldo positivo da balança comercial é devido à agricultura, a maior parte da população vive no meio urbano, a carestia é coisa do passado, a industrialização acabou (mesmo com percalços) sendo um sucesso, o país alcançou a plena democracia e não foi necessária a reforma agrária. A tese que engessou o debate político brasileiro durante décadas não passou de uma falácia. Marco Antonio Villa é historiador.
FONTE: O GLOBO
Um comentário:
"Hoje o Brasil é uma potência agrícola..." Potência essa que é repartida para grupos de oligárquicos que mandam e desmandam como bem quizerem no país. Ainda carregamos conosco a herança do colonialismo, que de qualquer forma precisa ser superada.
"... o país alcançou a plena democracia e não foi necessária a reforma agrária." Tudo bem que não é apenas com a reforma agrária que caminharemos para a democracia, mas esta implica um fator importante. A reforma agrária traz o fator de neutralização do patriarcalismo que existe em muito em nosso país, fator esse que precisa ser derrubado para um dia pensarmos em democracia plena. O patriarcalismo exclui a autonomia do ser, tornando-o subjulgado ao seu patrão, comprando coercitivamente sua ideologia. Acreditar que vivemos em uma democracia plena é a mesma coisa que acreditar em papai noel meu camarada. Um país no qual 70% do P.I.B é juros e lucro pertencente a classe bruguesa (mioritária em nosso país) e menos de 10% é investido em educação, etc, etc. Onde está a democracia? Se me lembro bem do conceito democratico, penso logo na soberania popular, no poder advindo do povo e em seu nome exercido. Não vejo a poupulação representada, apenas vejo a pequena (quantitativamente) burguesia explorando como bem quer toda a sociedade, impondo sua ideologia economicista.
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