É chocante ouvir que diminuiu o crédito do governo da maior e mais rica economia do mundo. Isto é, ouvir que a capacidade de pagamento do governo dos EUA virá a ser mais duvidosa, mesmo que na opinião duvidosa de uma agência de classificação de risco, no caso a S&P.
Foi o que se ouviu ontem. A nota de crédito dos Estados Unidos pode vir a ser menos que perfeita, menor que a máxima, o que seria inédito. Até essa expressão, "risco de calote americano", soa absurda.
As agências de classificação de risco de crédito, entre elas a S&P, estão mais desacreditadas do que sempre. Foram cúmplices da catástrofe de 2008, pois avalizaram o papelório podre que deu origem ao colapso financeiro. Ainda assim, têm relevância prática, pois governos ou firmas com nota de crédito baixa tomam crédito mais caro ou nem conseguem tomar dinheiro emprestado, a depender do possível credor.
Os comentários da S&P sobre a incapacidade dos EUA de apresentar um plano de redução de sua dívida até 2013 causaram certo tumulto em parte dos mercados financeiros, os de ações em particular.
Os credores da dívida pública dos EUA, porém, mal se mexeram. Onde mais se pode guardar o dinheiro do mundo? No Tesouro de Júpiter?
O tumulto foi surpreendente, pois demasiado. Além da desmoralização política, qual a consequência prática da avaliação da S&P? Alguém acredita em calote americano? Muito óbvio que não, pois houvesse tal crença coisas muitíssimo mais graves estariam ocorrendo.
É verdade que o dia de ontem era propício para paniquitos nos mercados. Houve más notícias sobre a negociação do empréstimo europeu para Portugal. Houve mais boatos sobre o quase inevitável calote grego ("reestruturação da dívida", que deve vir em 2012). Mas, ainda assim, ficou difícil de entender a marola.
Mas sabe-se que há motivos de preocupação para o médio prazo, ao menos. Depois que os países ricos voltaram a crescer, ainda que pouco e devagar, disseminou-se a impressão de que a crise de 2008 era história, objeto apenas de teses universitárias. Não é o caso, claro.
Os governos dos EUA, da União Europeia e do Japão, para ficar nos mais cotados, evitaram um colapso apocalíptico em 2008/2009. Isto é, um dominó de quebras e falências monstruosas, depressão econômica e, talvez, crises social e política ruinosas. Para tanto, salvaram bancos, assumiram dívidas de instituições financeiras, bancaram o valor de investimentos financeiros privados, fizeram deficit pantragruélicos a fim de animar a economia etc.
No fim das contas, na prática os governos "induziram" seus bancos centrais a imprimir dinheiro com o objetivo de financiar a finança privada e os próprios deficit, de modo indireto. A fim de evitar depressão e deflação, os BCs procuraram reflacionar as economias.
Enfim, restaram dívidas monstruosas e riscos de inflação. Parte dos efeitos da crise foi transportado para o futuro -empurraram a coisa com a barriga, enfim. Essas dívidas serão "pagas" com uma mistura de baixo crescimento e/ou inflação nos próximos anos. Em algum momento, os juros subirão no mundo rico (2012?). Não é improvável um cenário de baixo crescimento com inflação desagradável. Um tipo de es- tagflação. Essa, talvez, a ficha que tenha caído ontem nos mercados.
FOLHA DE S. PAULO
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