Todo grande evento que traga visibilidade ao país é bem vindo. Isso, evidentemente, se aplica à Copa do Mundo de 2014.
No entanto, o Mundial de futebol parece ter entrado no rol dos temas cujo debate é interditado, já que o evento se transformou numa panaceia para todos os males brasileiros.
É necessário que a Copa aconteça, mas não a qualquer custo -especialmente, não ao custo de leis brasileiras que se firmaram pelos bons resultados.
A Lei Geral da Copa cria situações de exceção criadas para permitir que o público visitante goze de serviços vetados aos brasileiros em todos os outros jogos de futebol realizados país afora.
Refiro-me especialmente à permissão para venda de bebidas alcoólicas nos nossos estádios durante o mundial.
Em vários estados da Federação, existem leis locais proibindo a comercialização de álcool dentro e no entorno das praças desportivas. Em São Paulo, a regra vale desde 1996.
Onde quer que tenha sido implantada, essa norma contribuiu de forma decisiva para a redução dos índices de violência dentro dos estádios de futebol.
Tanto é assim que, desde 2007, a Confederação Brasileira de Futebol resolveu instituir a prática em todos os jogos do Campeonato Brasileiro. Em 2010, o próprio Estatuto do Torcedor foi alterado para incluir a proibição ao porte de álcool nos locais de jogos.
Em São Paulo, graças à medida, o número de ocorrências policiais caiu 90% em dez anos. Em Minas, a redução foi de 75%, em um prazo ainda menor.
Os dados são do relatório apresentado pelo Ministério Público à Comissão Especial da Câmara dos Deputados que avaliou a Lei da Copa. Como era de se esperar, o MP requisitou que a proibição à venda de bebidas fosse mantida.
Há quem defenda que a proibição de bebida alcoólica seja suspensa argumentando que o público da Copa da Mundo é outro, formado por turistas estrangeiros e pessoas de maior poder aquisitivo.
É como afirmar que os ricos e os visitantes de outros países são imunes aos efeitos do álcool.
Quem defende essa posição parece esquecer que a violência nos estádios de futebol não é exclusividade brasileira -que o digam todo o histórico da Inglaterra com os hooligans e a morte, no mês passado, de 75 torcedores em um estádio do Egito.
No meio disso tudo, o governo federal se mostra inábil e ausente.
Primeiro, desconsiderou a autonomia dos Estados e assinou um acordo com a Fifa que garantia a venda de bebidas nos jogos, sem nenhum tipo de diálogo.
Agora, optou pela saída mais fácil e resolveu se omitir: deixou esse ponto em aberto no texto da Lei Geral e jogou no colo dos Estados e municípios o ônus de um embate desigual com a Fifa -embate que, na prática, já está definido a favor de tal federação.
Aos nossos Estados, restará pouco espaço para negociação, algo que é lamentável.
Andrea Matarazzo, 55, é secretário de Estado da Cultura. Foi secretário de Coordenação das Subprefeituras de São Paulo
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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