sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Não se deve provocar fera domada - Luiz Carlos Mendonça de Barros

Bastam algumas condições especiais para a volta ao estado selvagem; é o que ocorre hoje com o câmbio

O título desta última coluna do ano tomei emprestado de um velho pensamento chinês. Segundo os chineses, a natureza de uma fera sempre permanece, mesmo que escondida sob o manto da pacificação. Basta que ocorram algumas condições externas especiais para que a volta ao estado selvagem ocorra. É o que acontece hoje com a taxa de câmbio.

Minha geração conhece muito bem os riscos que traz para a economia uma taxa de câmbio sem credibilidade de longo prazo. Passei pela experiência de ser diretor do Banco Central em um momento de grande desconfiança na moeda brasileira. O dólar americano reinava absoluto como referência de valor entre os agentes econômicos.

Por isso, como se dizia antigamente, por ser cachorro já mordido por uma cobra, tenho medo até de linguiça. No momento, as declarações de membros do governo de que o real deveria perder valor nos mercados de câmbio é que me fazem perder o sono.

Alguns defensores dessa busca de uma moeda mais fraca falam de uma relação real/dólar americano na faixa de R$ 2,40, ou seja, uma desvalorização adicional da ordem de 25%. Somada à que ocorreu nos últimos meses, teríamos um total de 33% de perda de valor do real em poucos meses. Nessas condições, a imagem de uma fera domada, que volta ao seu estado selvagem, veio a minha mente imediatamente.

E por que a taxa de câmbio, em uma economia como a brasileira, não pode ser submetida a oscilações bruscas, como aconteceu nos últimos meses? A razão deriva do fato de que o câmbio é um macropreço, multifacetado por afetar vários outros preços na economia. Além disso, ele é um dos parâmetros mais importantes para a construção das expectativas de longo prazo, principalmente entre as empresas privadas e investidores.

Os defensores do dólar a R$ 2,40 olham a taxa de câmbio apenas como o preço que inibe importações e permite que a indústria nacional tenha maior poder de competição com seus concorrentes estrangeiros.

Nesse sentido, em um momento de crescimento medíocre, faria todo o sentido trabalhar por um real mais fraco. Mas, em razão dessa sua característica de preço multifacetado, uma moeda mais fraca gera uma inflação mais alta. Esse efeito é grave, principalmente em uma economia em que os produtos com preços vinculados à taxa de câmbio chegam a afetar, de maneira direta e indireta, quase 60% do índice de preços ao consumidor.

Por isso, desvalorizar a moeda de forma agressiva é algo parecido como cavar um buraco em areia mole. Uma desvalorização agressiva e antecipada acaba, ao longo do tempo, por reduzir os ganhos reais com a taxa de câmbio a uma proporção pequena do movimento inicial em razão dos aumentos dos custos de produção.

O custo em termos de inflação é particularmente perigoso no momento atual da economia brasileira. Estamos no limite da credibilidade do sistema de metas e, por consequência, do Banco Central.

Se, em 2013, com a esperada aceleração do crescimento econômico, adicionarmos uma nova rodada de desvalorização do câmbio, certamente a inflação vai atravessar a fronteira dos 6% anuais.

Outro aspecto deletério de uma desvalorização cambial no Brasil é seu efeito sobre o custo financeiro dos empréstimos externos, que representam parcela importante do endividamento de longo prazo das empresas brasileiras. Esse efeito, principalmente neste momento de pessimismo dos empresários em relação a novos investimentos por razões de expectativas, adiciona as incertezas com a taxa de câmbio aos receios com o futuro.

Sem segurança em relação ao valor futuro do dólar, o investidor internacional que tem investido recursos em títulos de longo prazo do governo e contribuído para uma curva de juros de longo prazo mais eficiente também pode resgatar suas aplicações.

Enquanto escrevo esta coluna, o BC continua a intervir no mercado para trazer de volta a taxa de câmbio para a proximidade dos R$ 2. Certamente foi autorizado a fazer o contrário do que o Ministério da Fazenda vinha defendendo, talvez para evitar que a expectativa de inflação para 2013 saia de vez do seu controle. Parabéns!

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 70, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Fonte:Folha de S. Paulo

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