O governo petista não desiste de suas ideias mirabolantes. Marcou, pela terceira vez, o leilão para implantação do trem-bala que ligará o Rio de Janeiro a Campinas. Trata-se de negócio bilionário em que o risco é todo do poder público. Só com muito dinheiro do contribuinte, o empreendimento para em pé. Quem embarca neste trem doido?
Pelas regras divulgadas ontem, a maior novidade é o aumento da participação estatal no negócio, por meio da Empresa de Planejamento e Logística (EPL). O percentual, que já era significativo, ficou elevadíssimo: agora, 45% da empreitada será bancada pelo governo, ante os 30% anteriormente previstos. É a socialização do prejuízo a todo vapor.
Segundo a gestão petista, a iniciativa foi necessária para mitigar riscos de demanda. Caso o projeto não dê retorno financeiro esperado - ou seja, se não houver passageiros suficientes para sustentar a operação - o governo federal assumirá, com recursos próprios, parcelas maiores do prejuízo.
Isso significa que, se o trem de alta velocidade (TAV) não acelerar como previsto e micar, o Estado brasileiro - ou seja, o meu, o seu, o nosso dinheiro - será chamado a bancar o rombo. Negócio bom... para chineses, coreanos, japoneses, alemães.
O modelo de contratação é rocambolesco, com a empreitada dividida em várias licitações para cada uma das diferentes fases da obra. Quanto ao custo, o céu é o limite. Apenas a primeira etapa está orçada em R$ 27 bilhões, a serem pagos a título de outorga, e cobre a contratação do operador e o fornecimento dos equipamentos e da tecnologia do trem.
Em 2014, virá um segundo edital para serviços de construção da infraestrutura da linha, considerada a etapa mais cara do projeto, com valor estimado em R$ 28,6 bilhões. Pode haver, ainda, uma terceira fase, para exploração imobiliária da linha. As viagens só começarão, na melhor das hipóteses, em 2019.
Tudo considerado, o trem-bala não sairá da garagem por menos de R$ 45 bilhões. Isso significa mais que o dobro dos R$ 19 bilhões previstosoriginalmente quando o governo petista começou a falar na obra, ainda no primeiro mandato de Lula. De lá para cá, os custos aceleraram, sem qualquer razão que pudesse justificá-los, exceto uma sucessão de fracassos.
O Ipea mostrou, em 2010, que esta montanha de dinheiro poderia ser muito melhor empregada: daria para expandir em um terço a malha ferroviária brasileira ou para construir 300 km de metrôs, beneficiando 15 milhões de pessoas por dia - ou mais que o TAV deve inicialmente transportar em um ano de operação.
A primeira tentativa de levar o trem-bala a leilão ocorreu em 2010, sem sucesso. A segunda descarrilhou em julho do ano passado. Agora, o governo prevê licitar a obra daqui a nove meses. Não dá para saber se desta gestação nascerá algo - pelo menos algo que seja, de fato, benéfico para a sociedade brasileira.
Com os seguidos fracassos, o governo foi assumindo riscos crescentes. Agora, já fala em também bancar a construção da infraestrutura do trem-bala. Isto significa que as construtoras seriam apenas prestadoras de serviços, como sonhavam desde o início do projeto. As empreiteiras simplesmente abominam a hipótese de serem sócias do TAV. Por que será?
Além de assumir maior participação nos consórcios, o governo vai franquear gordo dinheiro do BNDES para financiar o trem fantasma. A vencedora, em sociedade com a EPL, gastará R$ 7,7 bilhões na construção de estações e na compra de trens. Deste valor, até 70% será financiado pela instituição, com prazo de 40 anos, a partir da entrada em operação da linha, para pagamento.
O Valor Econômico fez as contas e concluiu que, com a participação expressiva do governo federal na obra (45%) e o financiamento que o BNDES concederá aos empreendedores privados, bastará que o investidor assuma o compromisso de desembolsar R$ 1,265 bilhão para ser dono de mais da metade (55%) de um negócio estimado em R$ 35 bilhões. Quem se habilita?
Se o negócio fosse realmente bom e viável, o trem-bala estaria cheio de interessados privados, sem que houvesse necessidade de tamanha participação estatal. Se vivêssemos num país em que as necessidades básicas da população estivessem resolvidas, sua existência poderia até ser plausível e desejável.
Mas, num país em que as principais metrópoles engarrafam numa crônica deficiência de transporte público e onde a participação federal na expansão das linhas suburbanas e dos metrôs é irrisória, falar em construir um trem de alta velocidade é querer brincar de trenzinho de ferro. Ou é coisa de doido.
Fonte: Instituto Teotônio Vilela
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