• Tanto Dilma quanto Aécio terão de encontrar um meio de desmanchar a aura quase mística que envolve Marina
- Folha de S. Paulo / Ilustrada
Como cidadão que sou, preocupado com o rumo que tomará o Brasil, tenho procurado acompanhar a campanha eleitoral para a Presidência da República. Indiscutivelmente, é nos debates com os principais candidatos, promovidos pela televisão, que melhor se pode conhecê-los, sacar quem na verdade são, o que dizem pensar e o que fariam à frente do governo.
De fato, dos onze, só três --Dilma, Marina e Aécio-- oferecem alguma consistência no que afirmam e prometem. Os outros, se algo representam, é uma parcela insignificante da opinião pública e a representam mal, ou porque mal sabem o que dizem ou porque apenas repetem atitudes políticas e ideológicas ultrapassadas.
Devem ter alguma razão especial para se candidatarem, pois sabem muito bem que pouquíssimos votos lhes serão dados pelos eleitores. É certo que só aparecer perante o país como candidato à Presidência da República, já é, por si só, uma distinção especial (ainda que, para muita gente, seja motivo de gozação).
Os outros três candidatos, pelo contrário, representam, de uma maneira ou de outra, parte considerável do eleitorado, conforme indicam as pesquisas de opinião.
Certamente, cada um deles ganhou significação e força eleitoral por razões diversas, relacionadas com suas respectivas atuações no plano político, suas ideias e atuações que, de modo ou outro, as distinguem no contexto social.
Durante os debates, as qualidades e defeitos se revelam, muito embora os três busquem mostrar-se à altura da função governamental a que aspiram.
Até onde consigo perceber, Aécio Neves é o candidato mais consistente no que afirma e no modo como o faz. Vale-se de um discurso bem articulado e da experiência administrativa de governador, que foi, do Estado de Minas Gerais.
Por outro lado, Dilma Rousseff não se expressa bem, chegando mesmo a gaguejar quando se aventura a improvisar em vez de ler o que trouxe escrito. Não obstante, argumenta consistentemente quando cita obras realizadas por Lula e por ela.
Já quando tenta responder às críticas a seu governo, afirma qualquer coisa, mesmo que contradiga a realidade: afirmou que a inflação está próxima de zero, que o país está crescendo, muito embora os próprios dados oficiais digam o contrário. Por isso mesmo, os adversários acusam-na de inventar um Brasil em tecnicolor, que só ela conhece. Apesar disso, deu sinal de recuperação nas últimas pesquisas.
Quanto a Marina Silva, pode-se dizer que é a própria figura de brasileira que comeu mal na infância, não ganhou carnes nem força nem voz. É uma sobrevivente. Não obstante, fala fluentemente, pensa claro e parece saber o que pretende fazer para mudar o Brasil.
Sua imagem é a de uma visionária que promete um milagre. Essa imagem ganhou maior expressão com a morte trágica (e absolutamente imprevisível) de Eduardo Campos, de quem ela se tornou a herdeira política.
Tudo isso emprestou à sua candidatura tal força que a emparelhou, inicialmente, com Aécio Neves, e a colocou à frente de Dilma Rousseff no segundo turno. Penso que nem ela, Marina, imaginava que isso fosse acontecer tão cedo. E isso se mantém até o momento em que escrevo esta crônica.
Mas muita água ainda vai rolar até o dia 5 de outubro.
Sem qualquer dúvida, tanto Dilma quanto Aécio terão de encontrar um meio de desmanchar essa aura quase mística que envolve a figura de Marina e a torna uma candidata acima da realidade objetiva, ou seja, para além das condições que normalmente regem a disputa eleitoral.
Era, portanto, inevitável que Dilma e Aécio tentassem desfazer essa aura, apontando as carências de Marina. Um dos argumentos, usados por ambos, é que não será possível a ela governar o país sem um partido político importante e sem uma base parlamentar.
E que ninguém nos ouça, mas o risco seria constituir uma base semelhante à montada por Lula e herdada por Dilma, às custas de inventar ministérios para cedê-los aos aliados. Tudo o que ela promete --dizem os oponentes-- não irá além de palavras.
Não acho possível e, fora isso, não deixaria de ser uma experiência fascinante ter no governo uma mulher visionária disposta a mudar o país. Mas ninguém sabe o que vai acontecer, depois da bomba da delação premiada, cujo pavio foi aceso.
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