• Para evitar que o partido e suas principais lideranças sejam arrastados ao epicentro do escândalo da Petrobras às vésperas da eleição, a legenda comprou o silêncio de um grupo de criminosos — e pagou em dólar
Revista Veja
Desde que estourou o escândalo da Petrobras, o PT é vítima de uma chantagem. De posse de um documento e informações que comprovam a participação dos principais líderes petistas num desfalque milionário nos cofres da estatal, chantagistas procuraram a direção do PT e ameaçaram contar o que sabiam sobre o golpe caso não fossem devidamente remunerados. Às vésperas da corrida presidencial, essas revelações levariam nomes importantes do partido para o epicentro do escândalo, entre eles o ex-presidente Lula e o ministro Gilberto Carvalho, um dos coordenadores da campanha de Dilma Rousseff, e ressuscitariam velhos fantasmas do mensalão. No cenário menos otimista, os segredos dos criminosos, se revelados, prenunciariam uma tragédia eleitoral. Tudo o que o PT quer evitar. Dirigentes do partido avaliaram os riscos e decidiram que o melhor era ceder aos chantagistas — e assim foi feito, com uma pilha de dólares.
O PT conhece como poucos o que o dinheiro sujo é capaz de comprar. Com ele, subornou parlamentares no primeiro mandato de Lula e, quando descoberto o mensalão, tentou comprar o silêncio do operador do esquema, Marcos Valério. Ao pressentir a sua condenação à prisão, o próprio Valério deu mais detalhes dessa relação de fidelidade entre o partido e os recursos surrupiados dos contribuintes. Em depoimento ao Ministério Público, ele afirmou que o PT usou a Petrobras para levantar 6 milhões de reais e pagar um empresário que ameaçava envolver Lula, Gilberto Carvalho e o mensaleiro preso José Dirceu na teia criminosa que resultou no assassinato, em 2001, do petista Celso Daniel, então prefeito de Santo André. A denúncia de Valério não prosperou. Faltavam provas a ela. Não faltam mais. Os dólares serviram para silenciar o chantagista Enivaldo Quadrado, ele próprio participante da engenharia financeira do golpe contra os cofres da maior estatal brasileira — e agora o personagem principal de mais uma trama que envolve poder e dinheiro.
Operador ligado ao governista PP, Quadrado é um conhecido personagem do mundo político e das páginas policiais. Há dois anos, foi condenado ocorreu justamente depois de ser liberado pela polícia no âmbito da Operação Lava-Jato. Solto, ele exigiu uma ajuda financeira da cúpula do PT para não incluí-la entre os alvos da investigação sobre a Petrobras. Para garantir que o partido não lhe virasse as costas, deu um ultimato ao tesoureiro do PT, João Vacari Neto: ou era devidamente remunerado ou daria à polícia os detalhes de documento apreendido no escritório do doleiro Alberto Youssef. O documento era um contrato de empréstimo entre a 2 S Participações, de Marcos Valério, e a Expresso Nova Santo André, de Ronan Maria Pinto. O valor desse contrato é de 6 milhões de reais, exatamente a quantia que Valério dissera ao MP que o PT levantara na Petrobras para abafar o escândalo em Santo André. É esse o contrato que prova a denúncia de Valério. É esse o contrato que, em posse de Quadrado, permitia ao chantagista deitar e rolar sobre os petistas.
Não foi preciso muito esforço entre os petistas para mensurar os prejuízos que a revelação causaria ao partido e à candidatura de Dilma Rousseff — sem contar que, dependendo da abrangência da investigação, gente importante ainda poderia terminar na cadeia. Não valia a pena arriscar. O documento era um contrato de empréstimo entre a 2S Participações, de Marcos Valério, e a Expresso Nova Santo André, de Ronan Maria Pinto. O valor desse contrato é de 6 milhões de reais, exatamente a quantia que Valério dissera ao MP que o PT levantara na Petrobras para abafar o escândalo em Santo André.
É esse o contrato que prova a denúncia de Valério. É esse o contrato que, em posse de Quadrado, permitia ao chantagista deitar e rolar sobre os petistas. Assinado em 2004, o contrato elucida o trajeto final do dinheiro. Um longo trajeto. Quando depôs ao Ministério Público em 2012, pouco antes de ser condenado a quarenta anos de prisão, Valério contou que, no primeiro mandato de Lula, foi procurado pelo então secretário do PT, Silvio Pereira, com um pedido de ajuda. Na época, o governo estava sendo chantageado por Ronan Maria Pinto, que ameaçava implicar Lula, Gilberto Carvalho e José Dirceu na morte de Celso Daniel.
Ronan Maria Pinto insinuava que deporia para reforçar a tese, jamais comprovada pela polícia, de que Celso Daniel foi assassinado ao tentar acabar com um esquema de cobrança de propina comandado pelo PT em Santo André, com a bênção da direção nacional. O empresário queria vender seu silêncio. Ao PT, não restava alternativa a não ser comprá-lo. Valério e amigos poderosos do governo foram convocados para organizar a engenharia financeira da operação. Como no mensalão, simularam uma série de contratos e serviços. Tudo para levantar na Petrobras os 6 milhões de reais exigidos pelo empresário. O caminho do dinheiro obedece à lógica intrincada dos criminosos para dificultar o rastreamento: segundo Valério, o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, contraiu um empréstimo no banco Schahin e, simultaneamente, usou sua influência para conseguir que a construtora Schahin, ligada ao mesmo grupo empresarial, ampliasse seus contratos com a Petrobras. O empréstimo bancário e os contratos tinham idêntico valor: os 6 milhões exigidos por Maria Pinto.
Ao Ministério Público, Valério disse que Bumlai articulou a tramóia diretamente com a direção da Petrobras, cujos cargos-chave eram comandados por petistas. Pelo lado da estatal, segundo Valério, o principal negociador foi Guilherme Estrella, outro amigo de Lula, então diretor da área de exploração e produção. Ele nega: "Esse depoimento é absolutamente inconsistente. Não tive contato com ninguém".
Depois de a Petrobras desembolsar o dinheiro, os recursos chegaram às mãos de Marcos Valério. Ele, como deixa claro o contrato, repassou-o a Ronan Maria Pinto. Quadrado ajudou nessa transação ao contratar a empresa que serviu de intermediária, a Remar Agenciamento e Assessoria. É isso que mostra o documento. Ou seja: Quadrado foi partícipe do assalto à Petrobras e, com a prova da roubalheira em mãos, passou a também chantagear o governo, mal que foi remediado com muitas notas de dólares e o compromisso de outras tantas. Ê isso que o PT quer esconder. Até a Operação Lava-Jato, Ronan Maria Pinto, o PT, o Grupo Schahin e Bumlai não tinham problemas para negar a história. A descoberta do documento pela Polícia Federal desmontou essa estratégia de defesa.
Para os agentes, o contrato entre Valério e Maria Pinto era a garantia de uma aposentadoria tranqüila para Enivaldo Quadrado. A polícia, porém, já reuniu uma série de evidências contra ele, inclusive registros digitais. Um inquérito deve ser aberto nos próximos dias. Procurado por VEJA, o tesoureiro João Vaccari Neto negou ter realizado pagamentos a Quadrado, mesmo que através de algum emissário: "As prestações de contas do PT são apresentadas ao TSE e estão à disposição das autoridades". O empresário Ronan Maria Pinto negou ter recebido qualquer tipo de repasse de Marcos Valério. Já Quadrado, o chantagista, não quis se manifestar.
Antes uma aposta do PT para derrotar os adversários nas eleições, a Petrobras se tornou um problema para o partido. Duas CPIs no Congresso investigam os contratos firmados pela empresa. Conforme VEJA revelou na semana passada, o ex-diretor Paulo Roberto Costa, em depoimentos à Polícia Federal e ao Ministério Público, admitiu integrar um esquema de coleta de propina na empresa cujos beneficiários finais eram políticos de ponta. VEJA apurou doze nomes citados pelo executivo como participantes no caso (veja a reportagem na pág. 72), entre eles João Vaccari Neto, o tesoureiro do PT.
A engrenagem clandestina de arrecadação teria começado no governo Lula e avançado no governo atual. A presidente Dilma alega que conteve eventuais "sangrias" na Petrobras ao trocar sua diretoria, em 2012. Ao se defender, ela só não explica por que levou mais de um ano, após tomar posse, para fazê-lo. A chantagem de Quadrado dá uma boa pista do motivo da demora. O PT ainda tinha muitas contas a acertar.
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