Henrique Gomes Batista – O Globo
Empréstimo para empreiteiras usa recursos do fundo do trabalhador
Operações pagam juros baixos. Banco de fomento afirma que projetos criam emprego e renda no Brasil
O BNDES emprestou, desde 2007, US$ 11,9 bilhões para obras de empreiteiras brasileiras no exterior. Mas estudo do instituto de pesquisas Insper mostra que, como essas operações são financiadas pelo FAT e cobram juros baixos, causaram perdas anuais de US$ 351,7 milhões, ou R$ 1,1 bilhão, em custos financeiros ao fundo do trabalhador, informa Henrique Gomes Batista. Além de apoiar o BNDES, o FAT é o fundo que paga o abono salarial e o seguro desemprego. Suas perdas são cobertas pelo Tesouro. O BNDES alega que o FAT tem função social e que os empréstimos geram emprego no Brasil.
Na conta do trabalhador
• FAT perde R$ 1,1 bi por ano com financiamento do BNDES a exportação de serviços, diz estudo
O BNDES emprestou, desde 2007, US$ 11,9 bilhões para obras de empreiteiras brasileiras no exterior. Mas estudo do instituto de pesquisas Insper mostra que, como essas operações são financiadas pelo FAT e cobram juros baixos, causaram perdas anuais de US$ 351,7 milhões, ou R$ 1,1 bilhão, em custos financeiros ao fundo do trabalhador, informa Henrique Gomes Batista .
Além de apoiar o BNDES, o FAT é o fundo que paga o abono salarial e o segurodesemprego. Suas perdas são cobertas pelo Tesouro. O BNDES alega que o FAT tem função social e que os empréstimos geram emprego no Brasil. O apoio do BNDES para a exportação de serviços de construtoras em obras de infraestrutura em países como Cuba, Venezuela e Angola gera um custo financeiro de US$ 351,7 milhões ( ou R$ 1,1 bilhão) por ano aos trabalhadores brasileiros. Estudo exclusivo do Insper ( Instituto de Ensino e Pesquisa) comprova uma intricada ligação de empréstimos que, no fim, são bancados pelo Tesouro Nacional. O problema é que o Tesouro capta recursos com juros muito mais salgados do que os fornecidos pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador ( FAT) ao BNDES.
Outro levantamento exclusivo, elaborado pela Faculdade de Economia da USP de Ribeirão Preto, mostra que, nessas operações, o FAT acaba desrespeitando a Constituição ao obter remuneração abaixo da inflação para os recursos dos trabalhadores.
Desde 2007, o BNDES destinou US$ 11,9 bilhões para a exportação de serviços em 11 países, ou cerca de R$ 37,2 bilhões na cotação atual — o que equivale a 17 meses do Bolsa Família. Apenas no começo do mês o banco liberou informações detalhadas destes empréstimos, com prazos, taxas e condições dos financiamentos — o banco empresta para um país que, em troca, contrata uma empresa nacional para a execução da obra. Foi esta abertura que permitiu os cálculos que mostram o impacto no fundo dos trabalhadores. Além de apoiar o BNDES, o FAT, formado por recursos do PIS/ Pasep, é o caixa do abono salarial e do seguro- desemprego, alvo de cortes no reequilíbrio das contas públicas.
Fundo tem juros inferiores a 1% ano
O BNDES nega que estas operações ocorreram com subsídios ou com custos financeiros, uma vez que os recursos para estes empréstimos são oriundos do FAT. O presidente do banco, Luciano Coutinho, chegou a dizer, em uma entrevista ao “Valor”, que vê “desonestidade intelectual” nas críticas a este apoio externo do banco. Ontem, em evento em São Paulo, Coutinho voltou a defender as operações, afirmando que são importantes para fortalecer as exportações de serviços do país.
O FAT tem, desde 1996, o FAT Cambial, que destina parte de seus recursos para o apoio de empresas brasileiras no exterior. Nestes casos, o fundo empresta ao BNDES com a Taxa Libor, uma das mais baixas do mundo, hoje menos de 1% ao ano. E essa é a base para os empréstimos do BNDES, que acrescenta à Libor o seu spread, ou seja, um percentual adicional que embute seus custos, o risco de inadimplência e o lucro. Do ponto de vista do BNDES, não há prejuízo.
Mas a conta fica para o FAT: o fundo tem registrado prejuízos há anos, principalmente pelos fortes aumentos dos gastos com seguro- desemprego. No ano passado, o buraco foi de R$ 12,9 bilhões. E o Tesouro Nacional acaba socorrendo o fundo. Só que o Tesouro não é superavitário, todo ano ele precisa captar recursos, inclusive no exterior, para o país fechar suas contas. Aí é que o custo financeiro da operação fica latente, segundo o estudo do Insper feito à pedido do GLOBO, assinado por Marcos Lisboa, Sérgio Lazzarini e Pedro Makhoul.
— A operação do FAT Cambial impacta no total do fundo que, por sua vez, tem prejuízo e é socorrido pelo Tesouro. Mas o Tesouro capta no mercado financeiro internacional em taxas muito mais salgadas que a Libor, oferecida pelo FAT ao BNDES. Ou seja, há custos que são repassados ao Tesouro Nacional — explica o professor Lazzarini.
O BNDES emprestou aos países com juros anuais que variaram de 2,79% a 8,61%. O Tesouro, por sua vez, capta recurso pagando de 4,68% ao ano a 9,47% ao ano. O cálculo do Insper levou em conta estas taxas e prazos, cruzando informações de 539 contratos de financiamento divulgados pelo BNDES e o spread do banco.
“Estimativas indicam que, no total, há um custo de US$ 351,7 milhões por ano com esses contratos de financiamento. Os maiores custos são dos contratos com a República Dominicana e com a Venezuela, totalizando US$ 82,6 milhões e US$ 60,8 milhões por ano, respectivamente”, afirma o estudo.
O Insper calculou o “custo de oportunidade” destes recursos. O exercício leva em conta quanto o FAT poderia ter recebido se tivesse aplicado em papéis que rendem a Taxa Selic ( atualmente em 13,75% ao ano). Assim, a conta vai a US$ 968,3 milhões por ano ( RS 3,028 bilhões).
O estudo, contudo, ressalva que é possível que esses custos sejam compensados com ganhos na economia local, como geração de emprego e renda, que precisam ser claramente demonstrados. “É preciso avaliar se os mesmos benefícios sociais não poderiam ser obtidos com outras atividades de maior impacto social que exijam menor custo financeiro para o Tesouro”.
— Recursos são escassos, e seu eventual uso para beneficiar alguma atividade implica restringir outras políticas públicas ou onerar a população com maiores tributos. Toda distribuição de recursos públicos deve avaliar custos e benefícios dos seus usos alternativos, de modo a permitir a deliberação democrática da escolha social — diz Marcos Lisboa, presidente do Insper.
Alberto Borges Matias, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP- Ribeirão Preto, alerta que a operação implica custo financeiro ao FAT. Ele lembra que o FAT Cambial está delimitado no artigo 239 da Constituição, que determina sua remuneração:
— O parágrafo primeiro é claro quando diz que “pelo menos 40% serão destinados a financiar programas de desenvolvimento econômico, através do BNDES, com critérios de remuneração que lhes preservem o valor”. Deduz- se que o termo “que lhes preservem o valor” refira- se ao mínimo equivalente à inflação. Isso não ocorre quando o FAT empresta ao BNDES com taxa Libor, muito inferior à inflação.
Presidente do Codefat admite prejuízo
O professor lembrou que todo o risco cambial do empréstimo do BNDES fica com o FAT, ou seja, com os trabalhadores. Caso o real se valorize, os empréstimos em dólar gerariam prejuízo ao FAT:
— Não há representatividade do FAT no Conselho de Administração do BNDES condizente com os recursos fornecidos.
O presidente do Conselho Deliberativo do FAT ( Codefat), Quintino Severo, que é representante da CUT, admite que o apoio a exportações gera prejuízo aos trabalhadores, mas minimiza o impacto.
— O trabalhador não sente, pois não há uma conta individualizada no FAT e seus direitos, como seguro- desemprego e abono, são garantidos pelo Tesouro — disse, lembrando que o FAT fica com o risco cambial dos empréstimos. — Podemos ter ganhos ou perdas com o câmbio. Mas como são investimentos de longo prazo, isso pode se diluir.
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