• MP que alterou regras deve causar corrida de empreiteiras por novos acordos com o governo
• Antes da aprovação da MP, cada uma das três empresas que firmou acordo confessou crimes em obras ou órgãos da administração pública
Renato Onofre, Thiago Herdy - O Globo
-SÃO PAULO- A mudança nas regras para a celebração de acordos de leniência na virada do ano acionou o gatilho para uma corrida nos bastidores da Operação Lava-Jato. Os advogados das empreiteiras envolvidas no esquema de corrupção iniciaram um movimento para negociar com órgãos de controle vinculados ao governo federal os termos dos acertos. O intuito é diminuir o risco de punições mais severas para as empresas, que, após os acordos, poderiam até voltar a firmar contratos com o poder público. Acordos que já estavam em fase avançada de negociação também poderão ter pontos rediscutidos, segundo defensores ouvidos pelo GLOBO.
Parte desses advogados teme um recuo do governo e mudanças em trechos da Medida Provisória 703, que alterou a lei e estão sob a mira de integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, que consideram as novas regras um estímulo à corrupção. Desde que a presidente Dilma sancionou as alterações, na véspera do Natal e do recesso parlamentar, o Ministério Público Federal (MPF) e o Tribunal de Contas da União (TCU) vêm criticando a medida.
Desde junho, seis empresas negociam
Até agora, nenhuma empresa sacramentou acordo de leniência no âmbito administrativo. Das 29 investigadas na LavaJato, três celebraram acordos com o Ministério Público ou com o Ministério da Justiça. São elas, Setal Engenharia, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. Defensores ouvidos pelo GLOBO afirmam que esse número pode avançar rapidamente com as mudanças.
— As novas regras de leniência mudaram o jogo. Veremos uma sucessão de acordos — afirma um criminalista que participa diretamente da negociação de um dos termos de leniência, com a Controladoria-Geral da União (CGU) e o MPF.
Desde junho do ano passado, seis empresas negociam com o governo federal novos acordos. O objetivo era fechá-los ainda neste primeiro semestre. A CGU não informa quais são elas, mas pessoas próximas às negociações mencionam Engevix, Galvão, OAS, Mendes Júnior, UTC Engenharia e a SBM Offshore entre aquelas que buscam um acerto.
Embora não seja investigada na LavaJato, a SBM responde a um processo da Justiça Federal do Rio por envolvimento num esquema de pagamento de propina em contratos de afretamento de plataformas para a estatal. As empresas não se pronunciam oficialmente.
— Ainda não tivemos reuniões para tratar das novas regras, as medidas são muito recentes, saíram agora no fim do ano. Mas vamos ter que analisar nos próximos dias os novos pontos para discutir o que será feito — diz o advogado da Mendes Júnior, Marcelo Leonardo.
O ex-vice-presidente da Mendes Júnior Sérgio Cunha Mendes e os ex-executivos Rogério Cunha Pereira e Alberto Elísio Vilaça Gomes foram condenados em novembro de 2015 por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Principal negociador da força-tarefa da Lava-Jato, o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima é um dos críticos mais duros da MP 703. Em entrevista ao GLOBO, disse que a nova redação tirou uma das armas para descobrir novos crimes. Para Lima, o texto anterior impunha à empresa que desejava colaborar, além de admitir a culpa confessando participação e revelando como o esquema funcionava, a apresentação de provas inéditas e suficientes para a condenação dos envolvidos e a extinção do crime. Com a MP, segundo ele, basta a admissão de culpa.
Antes da aprovação da medida provisória, na Lava-Jato, cada uma das três empresas que firmou algum tipo de acordo confessou crimes em obras ou órgãos da administração pública. O primeiro acordo foi homologado em abril do ano passado pelo Grupo Setal, do empresário e delator Augusto Mendonça. A empresa confessou a existência de contratos superfaturados de obras de montagem industrial da Petrobras e a existência de um cartel dentro da estatal. Foi Mendonça que revelou o “Clube das Empreiteiras”.
A segunda a fazer um acordo foi a Camargo Corrêa, que assumiu culpa em contratos irregulares com a estatal e com empresas do setor elétrico, a Eletrobras e a Eletronuclear, nas obras de Angra 3 e em Belo Monte. Por último, a Andrade Gutierrez, que firmou acordo no final de novembro, teria confessado um esquema de corrupção envolvendo obras da Copa de 2014.
Participação do Ministério Público
A opção dada à AGU para celebração de acordos sem a anuência do Ministério Público também foi alvo de críticas. Nessa modalidade, as empresas teriam condições de voltar a fechar contratos com o poder público. Desde o final de 2014, a maior parte delas está excluída dos cadastros de licitações na Petrobras. Dez empreiteiras investigadas ou que tiveram dirigentes já condenados na Justiça por corrupção e lavagem de dinheiro receberam, em 2015, R$ 1,18 bilhão, 64,7% a menos do que os R$ 3,35 bilhões pagos em 2014, conforme mostrou O GLOBO em dezembro.
Para o advogado da Mendes Júnior, Marcelo Leonardo, a empresa só tem interesse em celebrar acordos com a participação de procuradores.
— Vamos examinar isso, fazer uma análise. Mas, do nosso ponto de vista, para a área criminal, só tem sentido o acordo com a participação do Ministério Público — afirma Leonardo.
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