Há um erro fundamental em tratar o pagamento do marqueteiro João Santana como mais um caso de caixa dois de campanha eleitoral. O engenheiro Zwi Skornicki, representante do consórcio Fels Setal/Technip que vendia plataformas para a Petrobras, pagou US$ 4,5 milhões em parcelas a Santana a pedido do tesoureiro João Vaccari, para quitar uma dívida do PT da campanha presidencial de 2010, que elegeu pela primeira vez Dilma Rousseff.
Ninguém recebe dinheiro por fora em uma conta no exterior de uma pessoa que não conhece, muito menos quem, no caso de João Santana, era um dos principais artífices do projeto político que estava no poder.
Caixa dois também foi a desculpa dada por Lula quando, em 2005, o esquema do mensalão foi descoberto. Há uma antiga piada política que diz que o candidato honesto usa o dinheiro de caixa dois para fazer a campanha eleitoral, e os desonestos embolsam o dinheiro. Mas o que diferencia o esquema tradicional de caixa dois do mensalão e do petrolão é que o dinheiro era desviado de obras das empresas estatais controladas pelo PT, e declarado pelas empresas como doações legais, declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Uma “tecnologia” criada pelo PT que desafia as autoridades dos órgãos de controle e da própria Justiça. Nesse caso, há um novo tipo de falcatrua: João Santana recebeu propina pelo caixa dois. Ele tem razão ao declarar ao juiz Sérgio Moro que “o marketing eleitoral não cria corrupção, não corrompe, e não cobra propina”. Mas não há como negar que o papel de Santana nos governos petistas, a partir da eleição presidencial de 2006, era muito mais central do que a simples orientação marqueteira nas campanhas.
Ele comandava os pronunciamentos públicos dos presidentes Lula e Dilma e orientava a ação governamental, garantindo a popularidade dos presidentes que ajudara a eleger. Ele entrou no esquema petista substituindo outro marqueteiro, Duda Mendonça, que também foi pago pelo PT com dinheiro no exterior, esse, sim, caracteristicamente um pagamento em caixa dois saído de contas secretas do PT.
A confissão de Duda foi dos pontos mais dramáticos do escândalo do mensalão, e provocou choros de petistas na tribuna da Câmara. Vários deles depois deixaram o partido para fundar o PSOL. Portanto, não é crível que João Santana não soubesse onde estava pisando quando assumiu as tarefas de criar a imagem e as mensagens do segundo governo Lula e dos dois mandatos de Dilma.
Assim como não se pode levar em consideração a afirmação da presidente afastada, Dilma Rousseff, de que não autorizou nenhum pagamento de caixa dois em suas campanhas, e que, se foi feito, não foi de seu conhecimento. Não é de hoje que Dilma afirma não saber de nada do que acontece de errado em seu entorno, o que deixa apenas duas opções: ou é uma irresponsável que não controla os que trabalham com ela, ou está mentindo.
Desde que era ministra de Minas e Energia, comandando o Conselho de Administração da Petrobras, coisas erradas acontecem à sua volta sem que ela tenha tomado providências, desde a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, passando pelos escândalos de corrupção na Petrobras, terminando nas denúncias de financiamentos com dinheiro desviado das estatais, sobretudo da Petrobras.
Mas o problema do pagamento de João Santana, que construiu a imagem de Dilma e agora a destruiu com as revelações de pagamentos irregulares, não terminou nessa admissão de culpa. Há um outro processo em que a empreiteira Odebrecht é acusada de ter pagado, por ordem do PT, parte da campanha presidencial de 2014 ao marqueteiro em uma conta na Suíça.
Santana e sua mulher, Mônica Moura, estão negociando com os procuradores da Lava-Jato delação premiada específica sobre esse caso, que vai reafirmar a repetição dos procedimentos irregulares. Difícil acreditar que, mais uma vez, Dilma não soubesse de nada, e que Santana achasse que se tratava apenas de caixa dois.
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