• Quem acredita em qualquer coisa que lhe dizem, é porque não tem informação. Na hora das eleições, elege qualquer um
- O Globo
Dinheiro falso. Era esse o assunto no telejornal. Quadrilhas desenvolveram maneiras sofisticadas de falsificar notas de real, e métodos elaborados de distribuí-las, usando a internet. A reportagem mostrava que é possível fazer contato on-line com os falsificadores, encomendar dois mil reais mediante comprovação de depósito de R$ 250 em determinada conta, e receber o produto em casa pelo correio. Delivery express, como pizzarias gostam de anunciar. Não deveria ser espantoso ver uma coisa dessas num país onde grassam as mais diversas formas de larapio, a começar pelos mais altos escalões da nação. Mas mesmo assim surpreende. E sempre é possível alegar que, como no tradicional conto do vigário, a vítima queria ser sabida demais e também passar a perna nos outros, já que alguém alfabetizado e usuário da internet não cairia num golpe desses se não tivesse objetivos inconfessáveis.
Em seguida, outro caso. Este sem mediações digitais. Entrevistam uma aposentada moradora da periferia, que a duras penas conseguiu juntar R$ 900 para uma pequena obra doméstica. Ela conta que foi procurada em casa por um sujeito bem falante e respeitoso, que lhe disse vir em nome do banco para trocar seu dinheiro, pois em breve o que guardava não valeria mais, já que o governo está substituindo todas as notas, para mudar sua numeração. Mostrou-lhe que as cédulas têm números impressos, exibindo-lhe notas novas com números diferentes. Ela entregou suas economias. Quando descobriu o erro, já não tinha como consertar. Perda total.
Quem acredita em qualquer coisa que lhe dizem, a ponto de cair em golpes primários desse tipo, é porque não tem informação. Vai atrás de qualquer conversa. E, na hora das eleições, elege qualquer um — como o país constatou de forma chocante, ao ouvir um por um de seus representantes durante a cobertura ao vivo da votação na Câmara de Deputados sobre a admissibilidade do impeachment. De uma presidente legitimamente eleita pela maioria dos votos válidos. E ainda se descobriu que essa Câmara podia ser presidida por um Waldir Maranhão, legitimamente eleito. Substituto de um Eduardo Cunha, legitimamente eleito.
Mas não temos campanha eleitoral que deveria justamente fazer com que os candidatos ficassem conhecidos? Ajudar os eleitores a saber mais e se preparar para o voto, dar-lhes informação? E uma mídia livre, atenta e atuante, despejando notícias 24 horas por dia? E não estamos reduzindo os índices de analfabetismo?
É claro que parte da responsabilidade está no sistema eleitoral e seus mecanismos, propícios à mentira e ao engodo, com marqueteiros milionários, proteção a partidos de aluguel, coligações esquisitas, campanhas em que nada sério é discutido, e votos proporcionais distorcidos — em que o eleitor vota em um candidato e elege outro, enquanto deixa de eleger quem teve mais votos. Daí a importância da reforma nessa área, pela qual a democracia clama.
Há, sim, os eleitores metidos a sabidos, que querem se dar bem e vendem o voto por uma suposta benesse (como os que compraram dinheiro falso pela internet). E há os crédulos e desinformados, acreditando no que lhes diz o vizinho, o cabo eleitoral, o guru da hora, o miliciano, o “dono” da comunidade, ou o pastor de uma das tantas igrejas que proliferam, isentas de impostos e ligadas a partidos políticos.
Mas há também, e com relevo, o efeito de uma educação deficiente, incapaz de provocar comparações e reflexões, desenvolver o espírito científico e a capacidade de análise crítica baseada na observação da realidade. Seja por insistir em fórmulas prontas a que o aluno deve aderir, seja por deficiências na formação do professor. A imposição do conformismo acaba perpetuando crenças incompatíveis com a racionalidade, ainda mais deletérias quando se somam à certeza absoluta, vinda da ilusão do conhecimento. Exemplos disso estão na tentativa de impor dogmas e interditos religiosos e políticos. E em teorias constrangedoras como a externada recentemente por sábia filósofa, de respeitada universidade, que leva a negação do real ao ponto de afirmar que não houve corrupção sistemática e institucionalizada na Petrobras, mas apenas o juiz Sérgio Moro foi treinado pelo FBI para a Lava-Jato, com o fim de desestabilizar o país e entregar o pré-sal aos EUA. Ou para cumprir os desígnios do Ocidente e ocupar nosso mercado, apoiou outro sábio, doutor pela mesma universidade.
Precisamos de mais abertura para a realidade, mais exame dos fatos. Para aprender. Palmas para a bem-humorada Fernanda Torres, que anuncia um programa chamado “Minha estupidez”, focalizando temas e ângulos em que se sente ignorante. Recente estudo do historiador Yuval Harari, “Sapiens”, sustenta que o reconhecimento da própria ignorância foi que propiciou a revolução científica da modernidade, ao rejeitar dogmas e ideias prontas. Atitude que foge da arrogância e se aproxima da máxima socrática que há séculos ensina: “Só sei que nada sei". Caminho da sabedoria.
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Ana Maria Machado é escritora
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