- Folha de S. Paulo
No país do direito achado no arbítrio, professora espancada vira um símbolo do vale-tudo e do ódio
Flechas de bambu cruzam os céus do país. É Rodrigo Janot recitando seus últimos cantos de morte da reputação alheia. No mês que vem, ele cai fora da Procuradoria-Geral da República e não vai se aposentar, não! Buscará a proteção do foro especial –que ele e seus amigos buliçosos de Curitiba, para incitar a fúria ignara, chamam de "privilegiado". Vai se aboletar como subprocurador em alguma repartição que demanda esse tipo de serviço.
Tem até abril do ano que vem para se filiar a algum partido caso queira concorrer a um cargo eletivo. Conservará, então, memória do que fez em verões passados e buscará se preservar do "direito criativo" que ajudou a consagrar. Está por pouco. Até a despedida, pretende denunciar tudo o que não tem como provar. Afinal, podem-lhe faltar as evidências, mas jamais lhe falecerá a convicção.
Desde terça-feira, quando se anunciou que o "operador" –essa ocupação é um mimo que acabou ganhando lugar na imprensa– Lúcio Funaro havia fechado um acordo de delação premiada, comecei a contar as horas para algum vazamento barulhento.
Janot abriu, como é notório, uma concorrência pública entre o "corretor de valores" (outro eufemismo influente para Funaro) e o ex-deputado Eduardo Cunha. O ainda titular da PGR tem em mãos algo bastante cobiçado por bandidos: a impunidade ou quase. Numa disputa assim, é grande a chance de que fique com as batatas o que tem menos pudor, não o que tem mais a contar.
Para o criminoso ter direito a tal benefício, estava posto, era preciso saber quem atingiria de forma mais contundente o presidente Michel Temer e toda a cúpula do PMDB. O dito combate à impunidade no país está se fazendo da incapacidade de investigar e de produzir provas e da licença para arrancar delações de presos reais e potenciais.
A conta segundo a qual a maioria das "colaborações" se deu com os acusados em liberdade é para convencer energúmenos. O medo da cadeia pode ser ainda mais convincente do que a própria. Num modelo sem regras –e há muito o artigo 312 do Código de Processo Penal é letra morta, como sabem os especialistas em direito–, a ameaça é sempre um forte argumento.
Funaro venceu a parada. Atendeu à expectativa. Na inesquecível entrevista à Folha do dia 7 de agosto, Janot cantou a bola com a desfaçatez de quem dispõe do arbítrio, não da lei.
Os jornalistas quiseram saber "o que uma figura como Cunha teria de entregar para conseguir fazer um acordo". Ele não hesitou e até se socorreu da mímica para que o desenho ficasse mais evidente: "O cara está neste nível aqui [faz um sinal com uma mão parada no ar], ele tem que entregar gente do andar para cima [mostra um nível acima com a outra mão]. Não adianta ele virar para baixo, não me interessa."
Cunha presidia a Câmara quando caiu em desgraça. No andar acima, está o presidente da República.
O país e a política derivados do direito achado no arbítrio estão nas ruas e nas redes sociais. Seu emblema poderia ser a professora esquerdista que diz ser "uma revolução" jogar ovo num adversário ideológico.
Espancada por um aluno em ocorrência que nada tem a ver com a política, tal professora é alvo da fúria dos partidários daquele político. Eles fingem, sim, lamentar a violência, mas deixam claro que a professora sabe muito bem por que está apanhando e é, de fato, a verdadeira responsável pela surra que levou.
É nesse ambiente que a condenação de Lula chega ao TRF-4. E aí, leitor? Você escolhe a absolvição que traz a possibilidade de o petista se eleger presidente ou a confirmação do veredito de um juiz que admitiu não ter levado em conta o conteúdo da denúncia ao condenar?
É um jogo de perde-perde. Melhor pensar com calma, mirando a foto da professora espancada que acha "uma revolução" jogar ovos em adversários.
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