- Folha de S. Paulo
Militância é podada; auxílios e despiora econômica mantêm prestígio mínimo do governo
O Supremo tirou do ar contas de bolsonaristas nas redes sociais. Até a noite de sexta, o Planalto estava quieto. É outro indício de que, se o governo Jair Bolsonaro não está em transformação, faz recuo tático organizado. Retira-se sob pressão: da ameaça de cadeia para filhos, milícias digitais e patrocinadores, e de queixas dos donos do dinheiro (como na questão ambiental).
Mas a diminuição do alarido bárbaro e alguns dados da realidade por ora o favorecem.
No Congresso, Bolsonaro corta cabeças bolsonaristas. As lideranças do governo no Congresso e no Senado já são do MDB; a da Câmara deve passar para o PP, partido do centro do centrão, grupo que trocou cargos e boquinhas por votos contra um risco de impeachment.
No Senado, passou a lei de repressão às “fake news”. Será reescrita na Câmara, mas deve ter ameaças de cadeia para difusores e financiadores de campanhas sórdidas.
É um desestímulo para as milícias digitais e para empresários que bancam as contas mais sujas do bolsonarismo.
Bolsonaro se beneficia dos auxílios emergenciais, que chegam a 40% das casas do país, e da despiora da economia, que deve durar pelo menos mais três meses. Despiorar significa apenas sair do fundo do poço, mas que ainda se está no poço.
Mesmo no final de 2019, antes da calamidade, o PIB per capita era 7% menor que em fins de 2014; o consumo per capita, mais de 5% menor.
Com a Covid-19, o buraco foi mais para baixo. No final de 2020, o PIB per capita será 12% menor do que em 2014, empobrecimento recorde mesmo nesta pobreza de país.
Mas há despiora. Quando começaram os confinamentos, em março, as vendas com cartão caíram 52% em relação ao fevereiro. A queda agora é de 15%. Os dados são da Cielo, de despesas com cartão no varejo.
No total, o valor dessas compras equivale a cerca de 40% do que no PIB se chama de “consumo das famílias”. O índice diário de atividade criado pelos economistas do Itaú para medir o desastre com frequência indica que a economia ainda cai pouco mais de 10% em relação ao início de março. Mas já caiu 45%.
O que vai acontecer a partir de outubro é um mistério. Acabam os auxílios e complementações de salário, o que deve abrir um buraco de uns R$ 60 bilhões por mês no rendimento total das famílias.
Pode ser que exista dinheiro guardado na crise para compensar o rombo; haverá alguma recuperação da renda do trabalho. O saldo dessas perdas e ganhos é uma incógnita. Mas, até novembro, Bolsonaro terá alguma proteção no flanco da renda.
Em duas semanas, haverá oficialmente 100 mil mortos de Covid-19. Esse horror, porém, parece normalizado por parte relevante deste país habituado a estar entre os líderes mundiais de taxas de homicídio e de mortes no trânsito.
Bolsonaro se livrou do lavajatismo sem danos maiores. Alia-se ao centrão; nada de reação, até agora ou até que um centrista meta a mão no dinheiro.
A polícia mostrou que os Bolsonaros eram um empreendimento de fantasmas e rachadinhas. Houve pouca reação, até por falta de evidência “pop” da bandalheira, dificultada por arreglos no Judiciário, que facilitou a vida de Fabrício Queiroz.
Sim, o bolsonarismo está vivo no Itamaraty e no almoxarifado militar da Saúde, mas sob tutela no Ambiente e pode se disfarçar de reacionarismo discreto na Educação.
Há perspectiva de conflitos, claro, como a disputa por dinheiros na reforma tributária ou na renda mínima, se algum desses projetos for adiante. Mas, no meio deste desastre, Bolsonaro está muito vivo.
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