Folha de S. Paulo
Falta saber dos planos para a transição
verde, o SUS, crianças, reforma urbana e ciência
A gente tem se ocupado da política e da
politicalha de distribuição de ministérios. É inevitável, por motivos maiores e
menores. Por exemplo óbvio, o método de partilha do primeiro escalão pode
facilitar ou encrencar a vida do governo no Congresso.
Precisamos agora saber o que vai ser feito do plano de governo, dos assuntos
centrais, das novidades.
Dos temas críticos, mais se tratou foi
de gastos
do governo e de dívida. É crucial, básico. Mas daí apenas não sai um país.
Há indícios de boas intenções, boas diretrizes e gente capaz para levar a coisa adiante. Marina Silva deve ir para o Meio Ambiente. Já foi capaz, entre outras líderes de governos petistas, de reduzir o desmatamento amazônico, embora o ministério não se limite a isso e os bárbaros da destruição estejam soltos e audaciosos depois dos anos de trevas.
Nas diretrizes do programa de Lula 3
promete-se uma "transição verde", novidades econômicas, tecnológicas
e ambientais. É uma das intenções mais animadoras do novo governo. Quem está
encarregada de pensar, planejar e implementar o programa? É assunto de muito
ministério, de agência governamental etc., é verdade. Mas precisa de
coordenação, prioridades, linhas mestras, um "conselho pensador e
gestor". Ainda não é possível ver como isso vai funcionar.
O SUS precisa ser maior e mais eficiente.
Faz tempo padece de reforma grande. Assim, o Brasil corre o risco de passar por
uma privatização da Saúde por inércia, na surdina.
A ideia de subir na vida está associada
também a ter um plano de saúde privado, dadas as deficiências do setor público.
Pouco se trata de SUS entre as vozes dominantes. Os mais ricos e remediados já
vivem no mundo da saúde privada (a não ser quando seus planos e seguros os
empurram para o atendimento público).
Na epidemia, os mais bem de vida passaram a
falar muito de SUS, onde raramente pisavam, porque era apenas ali que havia
vacina contra a Covid. Depois, o zunzum morreu.
Quanto mais incentivo (como o desconto no
IR) para a saúde privada e mais gente pagando por atendimento, menos força
política terá o projeto ainda incompleto do SUS. Em termos sociais, sistemas de
saúde com preponderância privada são mais ineficientes. Isto é, o gasto total
da sociedade com saúde é mais eficaz se público, ao menos entre países da OCDE, o mundo
rico.
Creche e educação infantil não são assuntos
federais. Mas a União pode coordenar e incentivar um programa nacional para
essa que pode ser uma grande mudança social. Ou seja, crianças pobres mais
educadas e preparadas para o ensino fundamental, em ambiente seguro, com
acompanhamento de saúde; condições para os pais trabalharem etc. Mas creche
parece uma ninharia de assunto.
Coisa parecida se pode dizer de reforma
urbana e "mobilidade". A desigualdade de acesso à terra das cidades,
a falta de casa decente, a negação do direito de ir e vir, na prática, e a
privatização do chão do transporte e dos bens públicos urbanos (distantes do
pobre) estão entre as grandes selvagerias nacionais.
Há prioridade para a reforma tributária, a
cargo do competente Bernard Appy. Mesmo um governo empenhado na reforma, porém,
pode naufragar, pois o lobby empresarial e dos mais ricos pode emperrar tudo.
Sem reforma tributária, atrapalha-se a destinação do capital para setores mais
eficientes, o que contribui para a pasmaceira econômica. Mas há plano e
prioridade, ao menos.
Há muito o que fazer em ciência e, conversa
velha e malparada, na integração de pesquisa e produção (empresas). Seria
preciso dinheiro e uma chacoalhada geral no sistema das universidades de
pesquisa. Mal se ouve falar do assunto.
2 comentários:
Vc tocou num ponto crucial: só é público o que é de qualquer um. Se alguém precisa ter um carro para se deslocar pela cidade, a rua é privatizada pelos donos dos carros, não pelo público. A maioria dos espaços “comuns” são privatizados. No extremo dessa cadeia de desigualdades, o espaço público é tomado pelos que não têm nada, só as carências. Como se fosse uma montagem trágica da injustiça, representada pelos corpos vilipendiados.
Há tantas coisas precisando ser feitas...
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