quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Vinicius Torres Freire - O que pode ser um governo de esquerda nova?

Folha de S. Paulo

Falta saber dos planos para a transição verde, o SUS, crianças, reforma urbana e ciência

A gente tem se ocupado da política e da politicalha de distribuição de ministérios. É inevitável, por motivos maiores e menores. Por exemplo óbvio, o método de partilha do primeiro escalão pode facilitar ou encrencar a vida do governo no Congresso. Precisamos agora saber o que vai ser feito do plano de governo, dos assuntos centrais, das novidades.

Dos temas críticos, mais se tratou foi de gastos do governo e de dívida. É crucial, básico. Mas daí apenas não sai um país.

Há indícios de boas intenções, boas diretrizes e gente capaz para levar a coisa adiante. Marina Silva deve ir para o Meio Ambiente. Já foi capaz, entre outras líderes de governos petistas, de reduzir o desmatamento amazônico, embora o ministério não se limite a isso e os bárbaros da destruição estejam soltos e audaciosos depois dos anos de trevas.

Nas diretrizes do programa de Lula 3 promete-se uma "transição verde", novidades econômicas, tecnológicas e ambientais. É uma das intenções mais animadoras do novo governo. Quem está encarregada de pensar, planejar e implementar o programa? É assunto de muito ministério, de agência governamental etc., é verdade. Mas precisa de coordenação, prioridades, linhas mestras, um "conselho pensador e gestor". Ainda não é possível ver como isso vai funcionar.

O SUS precisa ser maior e mais eficiente. Faz tempo padece de reforma grande. Assim, o Brasil corre o risco de passar por uma privatização da Saúde por inércia, na surdina.

A ideia de subir na vida está associada também a ter um plano de saúde privado, dadas as deficiências do setor público. Pouco se trata de SUS entre as vozes dominantes. Os mais ricos e remediados já vivem no mundo da saúde privada (a não ser quando seus planos e seguros os empurram para o atendimento público).

Na epidemia, os mais bem de vida passaram a falar muito de SUS, onde raramente pisavam, porque era apenas ali que havia vacina contra a Covid. Depois, o zunzum morreu.

Quanto mais incentivo (como o desconto no IR) para a saúde privada e mais gente pagando por atendimento, menos força política terá o projeto ainda incompleto do SUS. Em termos sociais, sistemas de saúde com preponderância privada são mais ineficientes. Isto é, o gasto total da sociedade com saúde é mais eficaz se público, ao menos entre países da OCDE, o mundo rico.

Creche e educação infantil não são assuntos federais. Mas a União pode coordenar e incentivar um programa nacional para essa que pode ser uma grande mudança social. Ou seja, crianças pobres mais educadas e preparadas para o ensino fundamental, em ambiente seguro, com acompanhamento de saúde; condições para os pais trabalharem etc. Mas creche parece uma ninharia de assunto.

Coisa parecida se pode dizer de reforma urbana e "mobilidade". A desigualdade de acesso à terra das cidades, a falta de casa decente, a negação do direito de ir e vir, na prática, e a privatização do chão do transporte e dos bens públicos urbanos (distantes do pobre) estão entre as grandes selvagerias nacionais.

Há prioridade para a reforma tributária, a cargo do competente Bernard Appy. Mesmo um governo empenhado na reforma, porém, pode naufragar, pois o lobby empresarial e dos mais ricos pode emperrar tudo. Sem reforma tributária, atrapalha-se a destinação do capital para setores mais eficientes, o que contribui para a pasmaceira econômica. Mas há plano e prioridade, ao menos.

Há muito o que fazer em ciência e, conversa velha e malparada, na integração de pesquisa e produção (empresas). Seria preciso dinheiro e uma chacoalhada geral no sistema das universidades de pesquisa. Mal se ouve falar do assunto.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Vc tocou num ponto crucial: só é público o que é de qualquer um. Se alguém precisa ter um carro para se deslocar pela cidade, a rua é privatizada pelos donos dos carros, não pelo público. A maioria dos espaços “comuns” são privatizados. No extremo dessa cadeia de desigualdades, o espaço público é tomado pelos que não têm nada, só as carências. Como se fosse uma montagem trágica da injustiça, representada pelos corpos vilipendiados.

ADEMAR AMANCIO disse...

Há tantas coisas precisando ser feitas...