O Estado de S. Paulo
Taxa de investimento como proporção do PIB está fragilizada, em particular no que diz respeito ao investimento público
O crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) no segundo trimestre deste ano surpreendeu a esmagadora maioria dos
analistas, que previa um resultado perto de 0,2% ou 0,3%. A variação foi de
0,9% (!). Surpreendeu também por ter vindo após um excepcional crescimento de
1,8% no primeiro trimestre, resultado de um também excepcional avanço do setor
do agronegócio, que chegou a 21,6% (!) num único trimestre.
Entretanto, digo que não convenceu pois, mesmo celebrando esses números, o que precisamos fazer de fato é olhar à frente, e não pelo retrovisor do que está perto. Quanto ao passado mais longínquo, insisto novamente que ele mostra que a economia brasileira está em crise desde a década de 1980, quando sua taxa de crescimento despencou. Desde então, salvo pequenos períodos excepcionais, permanece em estagnação, que meu dicionário diz ser um período de crescimento abaixo do potencial. Quanto a isso, também insisto em que, com uma boa arrumada, nossa economia poderia crescer bem mais do que nesse passado.
Vejamos alguns do resultado do PIB do
segundo trimestre que mostram fragilidade. O que faz uma economia crescer e
gerar mais empregos é a sua taxa de investimento, ou seja, qual parte do PIB
foi destinada a ampliar investimentos em formação de capital, ampliando
empreendimentos existentes e/ou gerando novos. Ela caiu de 18,3%, no primeiro
trimestre de 2022, para 17,2% no mesmo período de 2023, e em qualquer caso está
muito longe de uma taxa mais próxima de 25% do PIB, que seria necessário
manter, sem oscilações negativas, para uma expansão sustentável do PIB a taxas
mais satisfatórias e permanentes em termos de crescimento.
Nesse contexto, mais uma notícia ruim veio
à tona e foi expressa no título de reportagem da Folha de S.Paulo no dia 4/9:
Mais escolarizados caem na informalidade e veem renda desabar, o que está
ligado à fragilidade do crescimento em sua demanda de mão de obra. Fala-se
muito em investir em educação, mas é preciso também ampliar essa demanda para
os mais educados, o que não virá sem mais investimentos e crescimento econômico
mais forte.
Também neste contexto dos investimentos,
uma questão fundamental é que os do setor público caíram fortemente no período
1980-2022. Um gráfico desse investimento público como proporção do PIB,
elaborado pelo Observatório
de Política Fiscal do Instituto Brasileiro
de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) cobrindo o período 1947-2022,
apresenta uma linha que lembra um V invertido, pois mostra inicialmente uma
tendência de aumento, passando de 2,98% do PIB em 1947 até alcançar 10,58% (!)
em 1978, de onde vai caindo noutra tendência, com pequenas interrupções, para
valores próximos de apenas 2,4% nos últimos seis anos. Vale lembrar que a
década de 1970 foi marcada por enormes obras públicas, como a Ponte Rio-Niterói
e a Hidrelétrica de Itaipu, cujo tamanho as colocou entre as maiores
internacionalmente – e hoje não se vê aqui nada comparável a elas.
Para elevar os investimentos públicos, os
governos deveriam cortar outras despesas a fim de ampliá-los, mas grassa entre
os nossos políticos, liderados pelo presidente Lula, a visão de que “gasto é
vida”, frase atribuída à ex-presidente Dilma Rousseff, que deixou o PIB do País
num grande buraco. Esta linha exigirá uma reforma administrativa, e
estranhamente a ideia veio do presidente da Câmara, Arthur Lira. Seria
importante que o Executivo seriamente levasse essa ideia à frente, mas seu
forte são sabidamente a expansão de gastos e o aumento de impostos. Com este
último, retira recursos do setor privado, que investe mais do que ele, o que é
também um condicionante estrutural da escassez dos investimentos públicos e de
seu impacto negativo sobre o crescimento econômico.
Investimentos são também inibidos pelas
altas taxas de juros que predominam no Brasil e, no momento, também estão
pressionadas pelo alto valor da taxa básica, a Selic, hoje em 13,25% ao ano. A
decisão de reduzi-la foi adotada na reunião passada do Comitê de Política
Monetária (Copom) do Banco Central, mas sua queda paulatina será feita à razão
de 0,5% a cada reunião – isso se não for interrompida pelo viés conservador do
Copom.
Olhando para o exterior, o quadro também
não é encorajador. De olho na inflação, países ricos continuam ampliando suas
taxas básicas e a economia da China está em desaceleração, o que poderá
prejudicar as exportações brasileiras de minério de ferro, com o qual aquele
país produz aço, particularmente o utilizado pelo setor de construção habitacional,
que está com sua própria crise marcada por um excesso de habitações vazias.
Neste caso da China, que envolve a questão mais geral do comércio exterior, o
Brasil também precisa focar nos seus próprios males, pois suas exportações
industriais não conseguem avançar tecnologicamente rumo a produtos mais
sofisticados e capazes de concorrer com a produção de outros países. É preciso
reduzir a dependência da velha política de substituição de importações mediante
produção interna para avançar na direção da substituição de exportações pouco
competitivas.
*ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É
CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR
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