O Estado de S. Paulo
O País continua coberto de problemas, boa
parte dos quais o aflige há anos, sem que os consigamos resolver, quando nos
dispomos a tentar fazê-lo
Parte dos brasileiros parece ter perdido a
capacidade de sonhar; ou decidiu reprimir sua capacidade de alegrar-se. A
economia até pode ir bem, às vezes bem melhor do que o previsto, mas tudo
parece ruim, e piorando. O Produto Interno Bruto (PIB) ilustra esse fenômeno
perturbador e de impacto político poderoso.
Em dezembro de 2023, a previsão dominante entre centenas de operadores do mercado financeiro semanalmente consultados pelo Banco Central para seu boletim Focus era a de que em 2024 o PIB cresceria 1,5% ou, na melhor das hipóteses, 1,51%. A realidade foi mais radiante. Na semana passada, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que o PIB aumentou 3,4% em 2024, mais do que o dobro das projeções. Alguma retratação, alguma celebração? Nenhuma. Apenas a ressalva de que, daqui para a frente, tudo vai piorar.
É muito provável que vá piorar. As previsões
dominantes para 2025 são de crescimento de 2% ou, segundo o Banco Central, de
2,3%. É menos do que o resultado dos quatro anos anteriores. Mas isso será tão
ruim a ponto de nos preocupar? Se o crescimento for, digamos, de 2,3% em 2025,
o PIB brasileiro terá crescido 9,2% nos três primeiros anos do governo Lula, o
que resulta, numa conta grosseira, em cerca de 3% ao ano. Nada mal, se levarmos
em conta que o crescimento anual médio do período de 40 anos até 2022 foi de
menos de 2,5% ao ano.
Um dado que indica mudança expressiva nas
condições de vida da população é o PIB per capita. No ano passado, esse
indicador cresceu 3% em valores reais, alcançando R$ 55.247, um recorde da
série histórica do IBGE, superando o resultado de 2013. Como lembrou a ministra
do Planejamento, Simone Tebet, isso “significa aumento da renda média do
brasileiro”.
Indicadores do mercado de trabalho confirmam
esse quadro. A taxa anual de desocupação ficou em 6,6% no ano passado, o menor
índice da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad)
Contínua do IBGE iniciada em 2012. A população ocupada chegou a 103,3 milhões
de pessoas, também recorde histórico. A renda habitual média de 2024 foi 4,3%
maior do que a do ano anterior e alcançou R$ 3.343 no trimestre móvel encerrado
em janeiro, o maior valor da série histórica da Pnad Contínua.
Mas é óbvio que o País continua coberto de
problemas, boa parte dos quais o aflige há anos, ou décadas, sem que os
consigamos resolver, quando nos dispomos a tentar fazê-lo.
Neste século, com exceção de um período
restrito, de 2010 a 2014 (basicamente no primeiro mandato da presidente Dilma
Rousseff), a taxa de investimento sempre esteve abaixo de 20% do PIB, índice
insuficiente para assegurar crescimento da economia em ritmo persistente e mais
intenso, que assegure melhora visível das condições de vida da população. De
2014 até agora, o que se observa nos gráficos da taxa de investimento é uma
espécie de montanha russa deturpada, em que as quedas num período não são
compensadas pelas altas no momento seguinte. De 20,9% do PIB em 2014, a taxa
despenca para 14,6% em 2017. A recuperação nos anos seguintes a eleva para
17,9% em 2021. No ano passado, foi de 17,0%. É pouco.
Uma das consequências mais dramáticas dessa
baixa capacidade de investimento do País talvez seja a lenta, mas contínua
perda da participação da indústria de transformação no PIB. Segundo alguns
estudos, a preços correntes, a indústria de transformação chegou a responder
por 35% do PIB em 1985, mas cerca de 40 anos depois respondia por apenas 11%.
Esse fenômeno foi observado em países desenvolvidos, mas quando o nível de
progresso dessas economias era muito mais elevado do que observamos aqui e com
a velocidade muito menor do que a registrada no Brasil. A perda de
competitividade e de eficiência da indústria brasileira vem reduzindo seus
mercados dentro e fora do País e confinando cada vez mais sua capacidade de
induzir a modernização produtiva e de gerar empregos e distribuir riqueza.
A despeito do baixo crescimento econômico ao
longo do tempo, são notáveis os avanços sociais. Talvez a mais impressionante
mudança no campo da demografia seja a redução da taxa de fecundidade (número de
filhos por mulher), de 6,28 em 1960 para 5,76 em 1970 e cerca de 1,5 filho por
mulher nos dias atuais. Temos hoje padrão demográfico de país desenvolvido,
embora estejamos longe de ter alcançado essa condição.
Mas a persistência de problemas como a brutal
desigualdade de renda, o imenso número de brasileiros que vivem em habitações
inadequadas, o tamanho e a resistência do mercado de trabalho informal, a baixa
produtividade geral da economia, a carência de mão de obra preparada para as
grandes inovações e transformações do sistema produtivo em escala mundial nos
deprime. E a comida ficou mais cara. Mesmo assim, não podemos abandonar os
sonhos, deixar de almejar um futuro melhor. Crescimento da economia é base para
isso.
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