terça-feira, 11 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Mercados se inquietam com chance de estagflação nos EUA

Valor Econômico

Para o Brasil, a melhor defesa ante instabilidades que virão é buscar o equilíbrio fiscal, desestimulando saídas de capital e novas maxidesvalorizações nocivas do dólar

O cenário de mercados otimistas com a eleição de Donald Trump e seu programa de governo está mudando rapidamente para outro, pessimista, em que os Estados Unidos poderão entrar em recessão, sem que a inflação deixe de subir. As bolsas americanas tiveram um dia para esquecer. A Nasdaq, onde são vendidos os papéis das big techs, chegou a recuar 4,6% - uma liquidação que eliminou US$ 1 trilhão de valor -, enquanto as superprestigiadas ações das companhias de tecnologia tiveram perdas de 16% no ano até agora. S&P e Dow Jones caíram bem, mas um pouco menos. Tesla, do bilionário Elon Musk, membro do governo Trump, viu seu valor de mercado reduzido em US$ 500 bilhões. As perspectivas dos investidores pioraram de vez depois que Trump se negou, em entrevista no fim de semana, a descartar recessão ou mais inflação com as medidas que vem tomando, algo que nunca esteve em seu script.

As expectativas começaram a virar lentamente, já que a possibilidade de recessão tende a derrubar ações, os bônus do Tesouro e o dólar, que ontem recuou no mundo inteiro, menos no Brasil, onde subiu. A velocidade da guinada nos preços dos ativos importa, assim como o ponto da qual partem. Os mercados acionários, em especial os papéis das big techs, vinham exibindo um desempenho excepcional, que cessaria em algum momento. A Nasdaq teve ganhos de 30% no ano passado, a S&P, 23% e Índice Dow Jones, 13%. O acerto de contas pode ter tido um de seus pontos de inflexão ontem, ainda que seja prematuro predizer que haverá “estouro” da bolha parecido ao que ocorreu após a euforia das dotcom em 2000.

O pano de fundo da reviravolta são os indícios de que as economias americana e global podem desacelerar com muito mais intensidade do que vinha sendo previsto. Indicadores de consumo e de confiança do consumidor nos EUA tiveram leituras ruins em fevereiro. Ainda que esteja longe de ser catastrófico, o dado mais recente, de sexta-feira, indicou que as empresas americanas abriram 151 mil vagas no mês passado, abaixo das previsões. O desemprego subiu um pouco, para 4,1%.

O Federal Reserve manteve taxas de juros altas em janeiro, reforçando apostas de que permaneceriam assim pelo menos até o fim do ano, ou seriam rebaixados apenas uma vez. A previsão de uma recessão a caminho, descartada na última reunião do BC americano, traz agora mais dilemas para a política monetária. A economia pode estar esfriando, mas a inflação, não. Duas pesquisas mostraram que a expectativa dos consumidores subiu pelo menos para 3% e, mesmo daqui a dois anos, continue nesse nível, distantes das metas do Fed. Ontem, os títulos do Tesouro de 2 anos já estavam abaixo de 4% (3,92%) e os de dez anos, longe dos quase 5% de alguns meses atrás (4,22%, queda de 2,3% no dia).

Outras pegadas sugerem que o passo da economia global deve diminuir de ritmo. Enquanto as ações derretiam em Nova York, o petróleo tipo Brent caiu de3 novo para US$ 69,14, um reflexo tanto das expectativas de desaceleração mundial quanto do acordo feito pela Opep+ de elevar a produção do óleo. O recuo do Brent, já distante da casa dos US$ 80 onde estava alojado, traz mais problemas para Trump. Ontem, seu secretário de energia, Chris Wright, disse que a indústria petrolífera americana deveria aumentar a extração mesmo com o petróleo a US$ 50 o barril. O preço de equilíbrio, no entanto, não pode cair muito abaixo de US$ 65 (FT, 10/3), circunstância em que não haverá o “drill, baby, drill”, slogan eufórico da campanha de Trump.

Contribuíram também para percepções negativas na economia real a deflação no índice de preços do consumidor da China, -0,7% em fevereiro, amostra de um processo deflacionário mais bem expresso nos preços ao produtor, que recuaram 2,2%, na 29ª queda consecutiva. Pela primeira vez em mais de duas décadas, o Banco do Povo Chinês (BC) mudou sua meta de inflação de 3% para 2%, depois de o governo ter indicado que a política monetária passaria a ser moderadamente frouxa. O Congresso do Povo ratificou a meta de crescimento de 5%, um desafio nas atuais circunstâncias, que será enfrentado pelo governo com o pacote de janeiro, de US$ 740 bilhões, dedicado ao lançamento de títulos especiais dos governos regionais e central. Sem algum alento no consumo, porém, os preços continuarão cedendo, criando uma armadilha para a expansão.

O cenário que pode se desenhar não é bom para o Brasil, que tem fragilidades fiscais. O dólar deu um salto em relação ao real ontem (1,06%), um dos indicadores de aversão ao risco. Uma estagnação com inflação nos EUA traria a desvantagem de redução do comércio externo com manutenção de juros altos, inibindo um eventual afrouxamento da política monetária, que começou a ser vislumbrado com a menor evolução do PIB no quarto trimestre. Além disso, Trump está apenas iniciando sua guerra tarifária mundial, acrescentando aos males que provocará (mais inflação, menos trocas) a execução caótica e incertezas paralisantes. A melhor defesa ante instabilidades que virão é buscar o equilíbrio fiscal, desestimulando saídas de capital e novas maxidesvalorizações nocivas do dólar.

Ataque a minoria na Síria exige reação mundial

O Globo

Espectro de guerra civil volta a assombrar o país depois do massacre de alauitas, seita do ex-ditador Assad

São gravíssimas as denúncias de violações de direitos humanos e limpeza étnica na Síria. Rússia e Estados Unidos convocaram uma reunião fechada do Conselho de Segurança da ONU para discutir a situação. Desde a semana passada, pelo menos 1.130 morreram, incluindo 830 civis, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos. Embora os números não tenham sido verificados por instituições independentes, há relatos de execuções indiscriminadas, sobretudo na população de religião alauita, que predomina na região litorânea no oeste do país. A administração interina que assumiu o governo sírio depois da queda do ditador Bashar al-Assad em dezembro anunciou que investigará as denúncias. O mínimo a exigir é que cumpra a promessa sem encobrimentos.

Por mais de 50 anos, a família Assad — alauita — governou a Síria com mão de ferro e de forma sanguinária, mas havia ao menos tolerância religiosa. Embora representem 10% da população, os alauitas ocupavam os principais postos nas Forças Armadas. Com a fuga de Assad em dezembro, assumiu o poder o grupo Hayat Tahrir al-Sham (Comitê pela Libertação do Levante, ou HTS), sob a liderança de Ahmed al-Sharaa. Nos últimos três meses, com objetivo de atrair apoio internacional, ele tem tentado se distanciar do passado jihadista do HTS — outrora afiliado ao Estado Islâmico e à al-Qaeda. Mas os eventos dos últimos dias mostram que a prática do HTS não tem correspondido ao discurso de Sharaa.

Na quinta-feira, 16 integrantes das forças de segurança do novo governo foram mortos por uma milícia pró-Assad na província de Latakia, onde se concentra a população alauita. A reação foi imediata. O HTS enviou para a região tropas de diferentes partes da Síria, reforçadas por recrutas de fora. No caos que ainda impera, a disciplina dessas tropas é errática. Em comum, todos têm desejo de vingança pelas atrocidades cometidas por Assad nas últimas décadas. Relatos, comprovados por fotos e vídeos, afirmam que centenas de civis — alauitas na imensa maioria, mas também cristãos — foram humilhados e sumariamente executados, entre eles idosos, mulheres e crianças.

No dia seguinte à queda do regime de Assad, o novo governo enviara representantes para tranquilizar a comunidade alauita. Isso não impediu que a população de Latakia e Tartus esteja desde então submetida a uma rotina de terror, com saques e roubos frequentes. O temor de que o governo interino seja incapaz de garantir a segurança de minorias se cristaliza a cada dia. Sharaa, o novo presidente, tem o desafio de unificar os vários grupos rebeldes sob um único comando. Para ter condição financeira, tenta estreitar relações com as grandes potências e cancelar as sanções econômicas impostas quando Assad estava no poder.

Ninguém conhece as intenções de Sharaa e do HTS. Seria ele um pragmático disposto a fazer valer a promessa de respeitar os direitos das minorias ou um radical islâmico ainda mais sanguinário que Assad? Espera-se que a anunciada decisão de cancelar uma operação militar litorânea seja verdadeira. E que o acordo para integrar as forças curdas às tropas do governo garanta um mínimo de estabilidade. Mas isso é incerto. A investida contra os alauitas também deixou sobressaltadas outras minorias espalhadas pelo território sírio. O espectro de uma nova guerra civil volta a assombrar o país.

Alta na violência reflete dificuldades de combater crimes contra mulher

O Globo

Mais de um terço das brasileiras diz ter sofrido alguma agressão nos últimos 12 meses, revela pesquisa

violência contra a mulher é um problema que tem se agravado, a despeito dos avanços na legislação, da ampliação de canais de denúncia e dos movimentos de conscientização. Mais de um terço das brasileiras (37,5%) diz ter sofrido algum tipo de violência — ainda que verbal — nos últimos 12 meses, segundo a pesquisa “Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, feita pelo Datafolha e divulgada na segunda-feira pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Das entrevistadas, 10,7% dizem ter sofrido abuso ou sido forçadas a manter relações sexuais. São os maiores percentuais desde o início do levantamento, em 2017.

É certo que o aumento nos casos pode refletir um ambiente mais aberto a denúncias, em que mais mulheres deixam de ter medo de revelar a realidade cruel a que estão submetidas. Mesmo assim, isso em nada muda a gravidade da situação. Apesar da rotina de agressões, quase metade das que sofreram violência não procurou ajuda. O recurso a uma instituição pública como a Delegacia da Mulher foi citado por apenas 14,2%.

Nove entre dez das mulheres que dizem ter sido vítimas de violência afirmam que a agressão ocorreu na presença de terceiros, como parentes, amigos ou, em 27% dos casos, diante dos próprios filhos. Como já ficou constatado noutros levantamentos, o ambiente doméstico costuma ser mais perigoso para as mulheres que as ruas. Os agressores mais comuns são cônjuges, namorados ou parceiros, representando 40% dos casos. Ex-companheiros são 27%. Crimes em que quase 70% dos autores pertencem ao círculo íntimo da vítima deveriam ser mais fáceis de coibir. Infelizmente não é o que tem acontecido.

Como as mulheres vítimas de violência convivem com o agressor dentro de casa ou em seu círculo próximo, as denúncias se tornam mais difíceis. Podem faltar provas, pode haver medo de represália, descrença na polícia, dependência econômica do agressor ou mesmo vergonha. Por isso o Estado tem obrigação de facilitar o acesso aos instrumentos legais. A mulher que pretende denunciar a agressão precisa de apoio. Já houve caso de vítima telefonando para a polícia para pedir pizza, numa tentativa desesperada de que os policiais entendessem (felizmente funcionou). Vítimas de violência precisam ser incentivadas a denunciar seus agressores, mas também precisam da garantia do Estado de que eles serão punidos e afastados do convívio familiar.

A cada rodada de estatísticas, a cada pesquisa, fica evidente que apenas endurecer a legislação, como o Brasil tem feito, não é suficiente para conter a epidemia de violência. Diariamente, milhares de mulheres são agredidas verbal ou fisicamente, quando não assassinadas, muitas vezes na frente dos filhos. Elas necessitam de ajuda para interromper essa rotina de terror. Se, por motivos compreensíveis, não vão até as autoridades, as autoridades devem encontrar meios de ir até elas.

Estados usam benesses para ampliar gasto com servidores

Folha de S. Paulo

Doze entes federativos ultrapassaram limites estabelecidos por lei; irresponsabilidade orçamentária afeta investimentos

Com a atenção da sociedade voltada para o descontrole das contas públicas federais, cujo rombo ameaça a estabilidade econômica, também os entes regionais vêm elevando dispêndios de modo acelerado, o que pode resultar em mais uma crise fiscal no futuro.

Com receitas em alta desde a pandemia, seja pelo bom desempenho da coleta de impostos ou por mais transferências da União, observa-se avanço preocupante dos gastos com pessoal nos estados. Houve alta em 25 deles de 2022 para 2023, com taxa mediana de 7% acima da inflação, segundo boletim recém-divulgado pelo Tesouro Nacional.

Enquanto isso, como no Executivo federal, os investimentos perdem espaço. Nos estados, eles constituem apenas 8,1% da despesa primária total, enquanto a folha de pagamentos responde por 47,7% —com casos de percentuais bem acima dos aceitáveis.

O documento mostra que 12 estados ultrapassaram o limite de alerta da Lei de Responsabilidade Fiscal para a remuneração de pessoal, que é de 54% da receita corrente líquida (RCL); em 2022, eram 8 nessa situação.

Desses, Rio Grande do Norte (67%), Sergipe (65,2%), Minas Gerais (64,2%) e Acre (60,2%) romperam o limite da LRF (60% da RCL), enquanto outros 5 da lista, entre eles Rio de Janeiro (59,6%) e Rio Grande do Sul (57,2%), ficaram acima do limite do Programa de Ajuste Fiscal (57%).

O Tesouro estima que o respeito aos limites nessas unidades da Federação teria gerado uma economia de R$ 23,7 bilhões. O valor consumido por folhas de pagamento insustentáveis poderia ser alocado em programas sociais e obras de infraestrutura.

Na soma geral, o relatório aponta que as despesas primárias totais dos estados alcançaram R$ 1,272 trilhão em 2023, ante R$ 1,198 trilhão em 2022. O aumento nominal, de 6,2%, só não foi maior porque os investimentos encolheram 16,6% —ante alta de 10% no gasto com pessoal.

Os governos conseguem manter esse ritmo de crescimento devido a mudanças institucionais que os favorecem.

Mais transferências federais, inclusive na forma de emendas parlamentares, renegociação de dívidas com benefício de até R$ 1,3 trilhão até 2048 e novos fundos regionais criados pela reforma tributária são algumas das benesses que enfraqueceram a União nos últimos anos.

Na prática, os governadores parecem não ter grandes restrições para gastar. Assim, o país corre grave risco de perder o controle das contas estaduais conquistado na segunda metade dos anos 1990, que foi essencial para a estabilização da economia e a diminuição da inflação.

Com as finanças públicas em geral já cambaleantes, o pior que pode acontecer é se consolidar uma desorganização orçamentária ampla no nível federativo.

Infelizmente, como ocorre em tantas outras frentes da administração pública, falta diagnóstico e liderança do Executivo federal.

A politização insensata do Pix

Folha de S. Paulo

Após vitória contra a Receita, bolsonarismo avança contra o BC; oposição e autoridades devem buscar debate esclarecido

Mais por deficiências do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do que por méritos próprios, a oposição, particularmente a bolsonarista, conseguiu uma vitória política ao fustigar uma medida administrativa que buscava ampliar os mecanismos obrigatórios de comunicação à Receita Federal de transações por meio do Pix.

Em janeiro, alarmado com o aumento da impopularidade do mandatário, o Planalto decidiu revogar a instrução normativa do fisco que mirava as movimentações de pessoas físicas que somassem ao menos R$ 5.000 por mês. O ridículo se ampliou com a edição de uma medida provisória para determinar que as operações com o Pix não serão taxadas.

Ora, nada havia na norma da Receita ou em qualquer outro dispositivo da legislação que previsse a tributação do uso do mecanismo. A MP —que de resto pode ter suas determinações mudadas a qualquer momento— só fez reconhecer o sucesso oposicionista em semear a desconfiança quanto às intenções do governo.

É fato que notícias falsas proliferaram nas redes sociais, como costuma acontecer com todo tipo de assunto. Nesse caso, porém, o furor da administração petista por mais arrecadação tornou plausíveis os temores difundidos.

Novo embate político se ensaia agora, num oportunismo óbvio, em torno de outra providência relacionada ao Pix —a determinação do Banco Central para que instituições financeiras excluam as chaves de correntistas com CPF e CNPJ irregulares, com objetivo de coibir fraudes.

Espera-se que o BC autônomo se mostre mais capaz do que o governo de defender uma medida técnica, que em outras circunstâncias poderia até passar despercebida. Há que levar em conta, todavia, o grande e brusco sucesso da plataforma de pagamentos instantâneos lançada em 2020, à qual aderiu um vasto contingente de trabalhadores de baixa renda e informais.

O foco da nova regra, argumenta-se, é o combate a ilegalidades —que, em tese, podem abarcar de golpes comezinhos à lavagem de dinheiro do crime organizado. Cumpre deixar claro também, com palavras e atos, que não se pretende impor burocracia desnecessária sobre as transações cotidianas da população, especialmente a mais pobre.

Críticas e desconfianças, mesmo as infundadas, fazem parte do jogo democrático e não podem ser criminalizadas. Entretanto autoridades e políticos fariam bem em contribuir para um debate mais racional e esclarecido a respeito de um instrumento tão importante como o Pix.

Empresas cada vez mais encalacradas

O Estado de S. Paulo

Aumento da taxa básica de juros pesa no endividamento das empresas, mas aderir ao apelo de Lula, que culpa o BC e defende a redução da Selic no grito, é tão fácil quanto enganoso

A combinação entre juros altos, inflação elevada e economia menos pujante perfaz um cenário difícil para os consumidores, mas não somente para eles. Empresas, sobretudo as de menor porte, também têm tido dificuldades para gerar caixa e honrar seus débitos, e a perspectiva de que essa conjuntura não mude no médio prazo torna tudo ainda mais desafiador.

Reportagem do Estadão mostrou que 120 empresas de capital aberto e volume baixo de negociações em bolsa, conhecidas como small caps, precisariam de um caixa três vezes maior do que aquele que geram atualmente para pagar suas dívidas, segundo levantamento da assessoria financeira Sêneca Evercore. Entre 2021 e 2022, o indicador estava mais próximo de duas vezes. Já o índice de cobertura, que mede a capacidade de saldar custos financeiros, caiu de 2,6 em 2021 para 1,4 no ano passado. Quanto mais baixo, menor é a capacidade de a empresa liquidar suas despesas.

Outro estudo mencionado na reportagem, este da RK Partners, escritório responsável por algumas das principais reestruturações de empresas do País, tomou como base uma amostra de 307 companhias de capital aberto e revelou que 25% delas não têm como pagar suas despesas financeiras.

Não há como não associar essa piora à evolução da taxa básica de juros ao longo desse período. Entre agosto de 2020 e março de 2021, durante a pandemia de covid-19, a Selic permaneceu em 2% ao ano. De um lado, isso contribuiu para aliviar as dificuldades das empresas em um momento desfavorável para o mundo todo. De outro, muitas companhias aproveitaram os juros historicamente baixos para se financiar e fazer aquisições.

Mas a situação foi passageira e pegou muitas empresas de surpresa. Com o retorno da inflação, o Banco Central (BC) rapidamente começou a elevar os juros, e em menos de um ano e meio eles saltaram de 2% ao ano para 13,75% ao ano – patamar em que ficaram de agosto de 2022 a agosto de 2023. A Selic voltou a cair nos meses seguintes, mas a trégua acabou em setembro de 2024, quando o BC iniciou o mais recente ciclo de alta.

Hoje, a Selic está em 13,25% ao ano, e a tendência é de que ela chegue a 14,25% na reunião deste mês. No mercado, a previsão é de que ela encerre o ano em 15%. Com juros nesse patamar, qualquer empresa que tenha uma dívida superior a 2,5 vezes sua geração de caixa já pode ser considerada muito endividada, disse Ricardo Knoepfelmacher, sócio da RK Partners.

Previsivelmente, muitas empresas entraram em recuperação judicial e extrajudicial nos últimos anos. Entre as pequenas, os pedidos aumentaram 70% nos últimos dois anos, e entre as médias, o avanço foi de 35%. Mesmo as companhias de grande porte, que têm acesso a capital mais barato, tiveram aumento de 8% nos pedidos de proteção entre o quarto trimestre de 2022 e o mesmo período de 2024.

Com taxas tão altas, é compreensível que os empresários prefiram ativos sem muito risco, como títulos públicos, a investir em projetos próprios que muitas vezes exigem captação de recursos. Recentemente, o empresário Rubens Ometto declarou que, se há “condição de aplicar o seu dinheiro a 15%, 16%, em alguns casos a 20%, 25% ao ano”, graças aos juros altos, não há razão para investir em produção e correr riscos. Em suas palavras, o empresariado fica “vagabundo”, “sentado na cadeira sem fazer nada, e o dinheiro não produz”.

Em contrapartida, quem tem a ousadia de investir em um cenário tão adverso pode rapidamente se encalacrar caso não consiga gerar caixa suficiente para se manter até que os novos projetos comecem a dar retorno. Mesmo grandes geradoras de caixa têm dificuldades para reduzir seu endividamento.

Nesse contexto, aderir ao apelo de Lula da Silva, que defende a redução da taxa de juros no grito, seria tão fácil quanto enganoso. É justamente a política fiscal expansionista que está por trás do aquecimento da economia e do aumento da inflação – e se a Selic voltou a níveis tão elevados, é porque essa é a principal arma do BC para tentar domá-la.

O presidente, no entanto, prefere culpar os outros a reconhecer que também cabe a ele contribuir para a criação de um ambiente favorável a uma redução estrutural da taxa básica de juros. Atitudes como essa garantem que ela permaneça elevada por ainda mais tempo.

Patrimonialismo escancarado

O Estado de S. Paulo

Ao indicar a advogada pessoal de Gleisi para o STM, Lula mostra que, num governo do PT, a degradação institucional motivada por interesses pessoais ou políticos sempre pode ir mais fundo

O presidente Lula da Silva indicou a advogada Verônica Abdalla Sterman para a vaga no Superior Tribunal Militar (STM) a ser aberta pela aposentadoria do ministro José Coêlho Ferreira, em abril. A data escolhida para o anúncio da indicação, o Dia Internacional da Mulher, celebrado no sábado passado, não poderia ser mais ilustrativa das reais intenções do petista: fazer política por meio da ocupação de tribunais superiores e, de quebra, agraciar amigos ou aliados políticos com sinecuras, ao custo do abastardamento do Poder Judiciário e do vilipêndio do melhor interesse público.

Em que pese a prerrogativa do presidente da República de indicar para a mais alta instância da Justiça Militar qualquer advogado maior de 35 anos, de notório saber jurídico e conduta ilibada, não se tem ideia dos conhecimentos da sra. Sterman no campo do Direito Penal Militar, o que poderia ser atestado por sua produção acadêmica e/ou experiência profissional nessa área, ambas desconhecidas. Sabe-se, isso sim, que a advogada ostenta credenciais que Lula da Silva valoriza mais do que qualquer outra coisa quando tem de preencher vagas abertas em tribunais superiores: lealdade a companheiros petistas e apoio político graúdo.

Verônica Sterman foi responsável pela defesa jurídica de Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo no auge das agruras do então casal durante a Operação Lava Jato. Ademais, a indicada para o STM contou com o apoio explícito da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja. A ausência de afinidade da sra. Sterman com a legislação militar, ao que parece, não é nada comparada à força de patrocinadoras de sua causa tão influentes junto ao presidente da República, como sua mulher e sua nova ministra de Relações Institucionais.

A indicação de mais mulheres para altos cargos da administração pública e para compor os tribunais superiores não é apenas desejável, como também mandatória para um país que se pretende mais republicano, justo e civilizado, deixando os rastros de misoginia e preconceito no passado. Mas a questão que obviamente se impõe é: sem prejuízo das qualidades que a sra. Verônica Sterman possa ter para exercer sua profissão, não havia outra mulher no Brasil um tanto mais preparada para tomar assento no STM? É algo sobre o que o Senado há de se debruçar em futura sabatina.

Se a indicação demonstra descaso com a Justiça Militar, em particular, e desprestigia o Poder Judiciário como um todo, a ninguém é dado alegar surpresa com a escolha de Lula da Silva para o STM. Afinal, é esse o padrão do petista em seu terceiro mandato presidencial, qual seja, a ocupação de tribunais superiores com o claro objetivo de fortalecer politicamente o governo nos embates com o Poder Legislativo e, como se isso não bastasse, presentear com altos cargos na magistratura quem se dedicou à defesa pessoal do próprio presidente ou de seu aliados, como é o caso da defensora de Gleisi Hoffmann e de seu ex-marido.

Nesse sentido, a indicação de Verônica Sterman para o STM não é essencialmente diferente das indicações de Cristiano Zanin e Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal (STF). No primeiro caso, Lula da Silva decidiu premiar seu advogado e amigo pela forma aguerrida, digamos assim, com que Zanin atuou na defesa do petista nos processos da Lava Jato. Em relação a Dino, a motivação foi outra, mas igualmente antirrepublicana: preencher o Supremo com um ministro notavelmente político, disposto a exercer, na Corte, o mesmo enfrentamento político que realizava como ministro da Justiça e Segurança Pública. Não custa lembrar que, ao indicar Dino, Lula chegou a verbalizar que “sonhava” com uma “cabeça política” na mais alta Corte de Justiça do País.

Houve um tempo em que as maiores preocupações dos brasileiros em relação às indicações para os tribunais superiores eram o grau de parentesco do ministro Marco Aurélio Mello com o ex-presidente Fernando Collor e o fervor religioso do ministro André Mendonça, indicado por Jair Bolsonaro. Lula da Silva aí está para provar que a degradação institucional motivada por interesses pessoais ou políticos sempre pode ir mais fundo num governo do PT.

Trump tóxico

O Estado de S. Paulo

Ataques ao Canadá enfraquecem a oposição conservadora e ressuscitam os liberais

Há pouco mais de dois meses, quando o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, anunciou que deixaria o cargo, era praticamente certo que o Partido Liberal, de centro-esquerda, deixaria de liderar o país e que Pierre Poilievre, do Partido Conservador, se tornaria o novo premiê.

Eis que, no meio do caminho, Donald Trump retornou à Casa Branca, dando início à “guerra comercial mais estúpida da História” – como bem definiu o diário financeiro conservador The Wall Street Journal –, constrangendo não apenas a arqui-inimiga China, mas também Canadá e México, vizinhos e parceiros comerciais de longa data.

Não bastasse impor tarifas comerciais ao Canadá, Trump por inúmeras vezes fez troça do vizinho, que insiste em chamar de “51.º Estado” norte-americano, além de se referir a Trudeau jocosamente como “governador”.

Tamanho desrespeito gerou consequências, embora distintas daquelas que seriam do desejo do destemperado Trump. Sentindo-se humilhados pelo republicano, os canadenses uniram-se em torno de questões como identidade e soberania, que agora se sobrepõem a preocupações como custo de vida elevado.

Pior para o conservador Poilievre, que tem retórica similar à de Trump, e cuja outrora certa eleição para primeiro-ministro, em pleito originalmente previsto para outubro, mas que deve ser antecipado, parece menos provável. A dianteira do Partido Conservador em pesquisas de opinião, que era bastante ampla em dezembro de 2024, diminuiu.

Trump tanto bateu no Canadá que os cidadãos daquele país parecem cada vez mais inclinados a buscar um anti-Trump.

Agora eleito líder do Partido Liberal, o economista Mark Carney substitui Trudeau como premiê e tem boas chances de ser reconfirmado no posto nas eleições parlamentares. Ele, mais do que ninguém, quer personificar o anti-trumpismo.

Ex-presidente dos bancos centrais do Canadá e da Inglaterra, Carney já chamou Trump de “valentão”, defendeu a retaliação canadense após o republicano lançar mão de medidas protecionistas e afirmou que o Canadá “jamais” e de “maneira alguma” será parte dos EUA.

Para além de desalinhar expectativas mundo afora, desprezar aliados históricos e gerar perspectivas pouco alentadoras para seu país, Trump tem conseguido também fazer com que a rejeição a ele crie um forte sentimento de união contra sua figura divisa e desrespeitosa.

Se os liberais canadenses conseguirão manter a chama da união anti-trumpista acesa até as eleições parlamentares, é impossível de cravar, mas é certo que Trump deu a eles uma plataforma na qual se agarrar.

No outro vizinho torpedeado por Trump, o México, a aprovação popular de 85% da presidente Claudia Sheinbaum também é um sinal de que a impetuosidade do presidente dos EUA pode fortalecer quem ele ataca.

Há menos de dois meses na Casa Branca, Trump choca o mundo diariamente com declarações e atitudes deletérias. Mas a “resistência” canadense e o “pragmatismo” mexicano demonstram que ainda há muito jogo para se jogar. Em se tratando de Trump, é inegavelmente um alívio.

Mortes por covid: lições precisam ser consideradas

Correio Braziliense

Repetições de tragédias sanitárias não são razoáveis em um país reconhecido pela expertise em estratégias preventivas e pela qualidade dos seus profissionais de saúde

Bastaram duas semanas da chegada do Sars-CoV-2 ao Brasil para que seu potencial devastador, já sentido na Ásia e na Europa, se manifestasse. Em 12 de março de 2020, morria a primeira vítima da covid-19 no país. O segundo óbito viria três dias depois. Mais três mortes, todas em São Paulo, no dia 15. Logo em seguida, o Rio de Janeiro registrava seus dois primeiros casos, que foram somados a outros dois em terras paulistas. Daí em diante, o novo coronavírus foi ceifando vidas pelo país, costurando um dos piores cenários da crise sanitária que parou o mundo há cinco anos.

Naquele 12 de março, quando uma mulher de 57 anos morreu ao dar entrada em um hospital público em Tatuapé, 114 países já tinham casos confirmados da doença. Eram 118 mil e 4,2 mil mortes, segundo a OMS. Um mês depois, só no Brasil, sucumbiam à covid mais de 2 mil pessoas por dia. No auge da crise, em abril de 2021, o Ministério da Saúde tentava frear a sufocante média de 3,1 mil óbitos a cada 24 horas. O uso de tratamentos sem eficácia, a disseminação de fake news, o desincentivo à vacinação e a falta de articulação entre as esferas de governo estão entre os fatores que levaram à situação caótica.

Alguns seguem contaminando decisões pessoais e governamentais pelo país, matando sobretudo os mais vulneráveis. Se não, o que justifica, quatro anos depois, o Brasil ter enfrentado a pior crise de dengue da história? Fala-se em "tempestade perfeita" para explicar a explosão da doença — também uma zoonose. Ocorreu uma espécie de combinação incomum dos efeitos da crise climática, da circulação simultânea de vários subtipos do vírus, da adaptação genética do mosquito, que se tornou mais resistente, e da falta de vacina. Mas entram nessa conta falhas gravíssimas de gestão pública. 

Um aumento, de um ano para outro, de 400% dos casos de uma doença cuja primeira epidemia ocorreu há mais de 40 anos só ocorre quando não se prioriza monitoramento e vigilância. Não à toa, a queda significativa dos números de casos de dengue em 2025 tem entre as justificativas a contratação de agentes de vigilância, a instauração antecipada de centros de emergência e o adiantamento de campanhas educativas — todas medidas com efeitos sustentados pela ciência e adotadas em âmbitos federal, estadual e municipal.

Também falta superar o movimento antivacina. Ainda que não haja dúvidas de que a entrada das fórmulas protetivas virou o capítulo da pandemia de covid-19 no mundo, o Brasil sequer chegou à cobertura vacinal de 25% da população elegível às doses de reforço. E vale lembrar: o coronavírus segue matando. Só neste ano, até o último dia 25, o governo federal contabilizou 664 óbitos. Bem menos do que o mesmo período em 2024, quando houve 1.536 registos, mas não deixa de ser um número alto, em se tratando de uma doença que pode ser evitada e enfraquecida pela imunização. 

Daquele 12 de março a 25 de fevereiro de 2025, são 715.261 mortes por covid no país. Gente que teve o perfil traçado ao longo dos anos, evidenciando o impacto das desigualdades na saúde da população brasileira. Negros, moradores de áreas periféricas e desabonados representam a maioria das vítimas, assim como ocorreu na mais recente epidemia de dengue. Repetições de tragédias sanitárias não são razoáveis em um país reconhecido pela expertise em estratégias preventivas e pela qualidade dos seus profissionais de saúde. Não se normalizam mortes evitáveis, sob o risco de se ultrapassar, inclusive, dilemas éticos. Passou da hora de o Brasil considerar as lições fatais da pandemia.

 

 

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