sábado, 8 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Alta do PIB está alicerçada em bases movediças

O Globo

Comemoração não deve esconder a realidade: resultado deriva da política insustentável de gasto público

Depois de crescer 3,2% em 2023, a economia brasileira cresceu ainda mais no ano passado — 3,4%, segundo o dado oficial do IBGE. Trata-se de resultado fora do padrão. O desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) nos dois anos iniciais do atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi superior aos obtidos por Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro no mesmo período. A média é igual ou próxima às registradas na metade dos primeiros mandatos de Fernando Henrique Cardoso e do próprio Lula. Nos últimos 30 anos, apenas o início do segundo mandato de Lula apresentou números bem superiores. Poucos previam resultado tão positivo. O desemprego está em nível baixo, 6,5%, a informalidade em queda e o rendimento salarial em alta.

Mas nem tudo é o que parece. Todo esse avanço está alicerçado em bases movediças. A força propulsora tem sido uma política insustentável de gasto público, que acelera o endividamento, já em patamar altíssimo. Anabolizada, a economia ficou superaquecida e agora precisará girar em ritmo mais lento. A desaceleração já se fez sentir no último trimestre de 2024. O quadro fiscal deteriorado e o cenário global incerto têm obrigado o Banco Central (BC) a manter os juros em alta, com impacto negativo na atividade econômica.

Como mostram as pesquisas, Lula não tem conseguido colher os resultados do PIB na forma de popularidade. Um dos motivos é a alta no preço de alimentos. Enquanto a inflação oficial ficou em 4,83% no ano passado, alimentos e bebidas subiram 7,69%. Nos últimos 12 meses, o pó de café aumentou 50%, o contrafilé 20% e o frango 10%. O problema não é novo, mas se tornou mais agudo. Pressionado, o governo anunciou medidas para tentar reverter a alta dos preços, entre elas a isenção de tarifas de importação para produtos como carne, café e óleo de cozinha. A iniciativa é a melhor entre as que foram cogitadas (chegou-se a pensar no absurdo de taxar exportações), mesmo assim deverá ter efeito limitado. Não existe causa única para a carestia, mas uma confluência de fatores: aumento da demanda no Brasil e no exterior, desvalorização cambial, mudanças climáticas e quebra de safras. No curto prazo, a maior esperança do governo é que se cumpra a previsão de safra recorde neste ano. Haveria um alívio.

Na economia como um todo, a expectativa é menos positiva. De olho nas eleições do ano que vem, o governo tem adotado medidas para manter o consumo em alta, como a recente liberação do FGTS para quem aderiu ao saque-aniversário, que injetará R$ 12 bilhões na economia. De um lado, o BC eleva os juros para conter o ritmo da atividade econômica e reduzir a inflação. De outro, o governo afunda o pé no acelerador, para evitar queda maior na aprovação.

A chegada da deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) à Secretaria de Relações Institucionais, pasta ministerial responsável pela interlocução com o Congresso, sugere que a ênfase continuará nos resultados políticos de curto prazo (sob Gleisi, o PT chegou a publicar documento chamando uma política fiscal responsável de “austericídio”). É uma pena que o governo não veja o óbvio: o desajuste fiscal continua a ser o maior entrave ao crescimento sustentado. As comemorações pelo resultado do PIB em nada mudam essa realidade. O governo pode se recusar a enxergá-la, mas a queda na popularidade de Lula mostra que, ao que tudo indica, a população já enxergou.

Aumentos reais do salário mínimo contribuem para elevar inflação

O Globo

Política de reajustes não pode ser tratada de modo voluntarista, mostra estudo do Banco Central

Ao estabelecer a política de aumento real — acima da inflação — para o salário mínimo, o governo acredita beneficiar a população mais pobre. Não apenas aqueles que recebem esse salário pelo trabalho, mas também os que dependem da Previdência, cujos benefícios são indexados ao mínimo. Um problema conhecido dessa política é seu impacto nas contas públicas — cada real de aumento no salário mínimo gera quase R$ 400 milhões de despesas anuais para o governo. Os aumentos reais do mínimo contribuem, portanto, para agravar o déficit previdenciário e degradar ainda mais a situação fiscal.

Para reduzir esse impacto nas contas públicas, o pacote fiscal aprovado no ano passado limitou os reajustes a 2,5% em termos reais (descontada a inflação). Com isso, o salário mínimo recebeu aumento de 7,5% e foi para R$ 1.518. Além do efeito nas contas da Previdência, porém, o reajuste também terá impacto na inflação, como mostra um estudo dos pesquisadores Ricardo Sabbadini e Julia Regina Scotti publicado pelo Banco Central.

Reajustes do mínimo podem ter influência nos preços por duas vias. Primeiro, as empresas podem precisar aumentá-los para arcar com a alta na folha de pagamento de seus funcionários. Segundo, o crescimento real da massa salarial acarreta aumento da demanda, sem necessariamente haver maior oferta — e então os preços sobem. Pelos cálculos de Sabbadini e Scotti, cada ponto percentual de aumento no mínimo está associado a alta de 0,1 ponto percentual na inflação de serviços 12 meses depois (eles adotaram esse indicador porque está menos sujeito a flutuações de câmbio e preços de commodities no mercado internacional). Isso significa que os 2,5% de aumento real do mínimo podem acarretar serviços 0,25% mais caros.

Eles também calcularam o impacto na inflação levando em conta os canais indiretos de propagação de pressões sobre os preços, como aquecimento ou ociosidade da economia, inércia inflacionária — os preços sobem hoje porque subiram ontem — e expectativas de inflação. Considerando também os demais fatores, o aumento de 1 ponto percentual do mínimo pode contribuir, diretamente ou em conjunto com eles, em 0,24 ponto percentual para a inflação 12 meses depois. Assim, a alta real de 2,5% está associada a inflação anual 0,6 ponto percentual maior. Não é pouco. Isso corresponde a um quinto da meta de inflação, hoje em 3%.

O estudo traz para o campo da racionalidade o que costuma ser tratado de forma voluntarista. Além do impacto dos reajustes do mínimo nas contas da Previdência, elevar o poder aquisitivo acima das condições da economia de atender ao aquecimento da demanda corrói a renda trazida pelos próprios reajustes. Políticas salariais que não considerem ganho (ou perda) de produtividade e gargalos no mercado de trabalho são ilusórias. O que é concedido hoje, a inflação toma amanhã.

Quarto ano seguido de PIB forte tem final fraco

Folha de S. Paulo

Economia cresce 3,4% em 2024, mas 0,2% no quarto trimestre; expansão por meio de gastos gerou alta de juros e inflação

Desde que superou o pior do impacto da pandemia de Covid-19, o Brasil engatou uma sequência de quatro anos de crescimento econômico acima das expectativas. A continuidade do fenômeno, porém, nunca pareceu tão improvável.

Nesta sexta-feira (7), o IBGE divulgou que o Produto Interno Bruto do país teve avanço de 3,4% em 2024, o que, à primeira vista, parece confirmar o vigor dos anos anteriores —não fosse pelos resultados fracos e até negativos do último trimestre, quando o PIB variou apenas 0,2%.

A esta altura, as evidências indicam que a evolução surpreendente da produção e da renda no quadriênio se deve principalmente ao aumento desmesurado do gasto público no período, ainda que possa ter sido ajudado por reformas, como a trabalhista, e melhoras na regulação dos investimentos em infraestrutura.

O expansionismo orçamentário, mais concentrado em benefícios sociais, começou com o próprio enfrentamento da pandemia, foi aprofundado pela ofensiva de Jair Bolsonaro (PL) pela reeleição, afinal frustrada, e atingiu novos picos sob Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No ano passado, as despesas federais ficaram 14,5% acima do patamar de 2019, descontada a inflação.

Trata-se de trajetória insustentável para um governo já altamente deficitário e endividado. Ademais, o mesmo gasto que impulsiona o PIB gera as distorções que mais à frente ameaçam a atividade econômica e os empregos.

É o que se vê hoje com a inflação em alta, projetada em 5,65% neste 2024, e a perspectiva de juros escorchantes de 15% anuais, destinados a frear o crédito, a demanda e os preços. Os reflexos dessa combinação nefasta já se fizeram sentir nos dados do IBGE.

Depois de 13 trimestres consecutivos de elevação expressiva, o consumo das famílias, que puxou a retomada pós-crise sanitária, teve recuo agudo de 1% no final do ano passado —quando também se notou perda de fôlego no mercado de trabalho.

Foi o indicador mais impactante da desaceleração do PIB, mas não o único. No setor de serviços, de longe o que responde pela maior parte do emprego e da renda, a expansão quase nula (0,1%) no quarto trimestre foi o pior desempenho desde o início de 2022. A variação na indústria, de 0,3%, foi a menor desde os primeiros três meses de 2023.

O investimento teve certa recuperação ao longo do ano, mas também mostrou menos força entre outubro e dezembro (0,4%). Equivale hoje a apenas 17% do PIB, abaixo dos 17,8% de 2022 e longe dos padrões globais, em geral entre os 20% e 25%.

Elevar essa taxa, bem como a produtividade, deveria ser o objetivo principal do país na busca por crescimento econômico duradouro. Isso não se consegue com intervencionismo estatal, mas com regras claras e estáveis, estabilidade monetária e juros civilizados. É da confiança de consumidores e empresários que deve vir a prosperidade.

Europa contempla a corrida armamentista

Folha de S. Paulo

Com Trump aliado a Putin e sem acordo de paz justo para a Ucrânia, líderes aprovam gasto bilionário para defesa regional

Com as adversidades impostas por três anos de guerra na Ucrânia e, agora, pela desconfiança em Donald Trump no campo na defesa transatlântica, os 27 países integrantes da União Europeia chegaram a um consenso sobre seu rearmamento —mesmo às custas, inevitavelmente, do rigor nas contas públicas nacionais.

O programa de dispêndio adicional de 800 bilhões de euros para revigorar as forças de defesa do bloco, aprovado na quinta (6), consolida a visão de um continente desassistido por seu aliado histórico durante o conflito latente com uma Rússia suficientemente armada para lançar-se a oeste das fronteiras ucranianas.

Em suma, a Europa está diante de um "desafio existencial", como ressaltou o comunicado final da reunião dos líderes em Bruxelas.

Alemanha e Polônia já anteciparam planos de expansão de gastos militares, enquanto o presidente francês Emmanuel Macron reiterou que está no horizonte europeu o uso da dissuasão nuclear contra a Rússia, maior potência atômica do planeta.

As circunstâncias, de fato, levam a UE a não se contentar apenas com o compromisso de ajuda mútua entre os parceiros da Otan e a reforçar indústria e arsenal bélicos. Sobretudo, pesam a retórica e as ações insensatas de Trump, como o alinhamento a Vladimir Putin, que minam a confiança nos Estados Unidos.

Não por acaso, o mesmo comunicado dos chefes de Estado do continente rejeita de modo enfático o acordo de paz pleiteado por Washington, cujos termos se mostram muito mais favoráveis a Moscou e omissos sobre as garantias de segurança para a Ucrânia e o restante da Europa.

No mesmo sentido, ao anunciar a ajuda de 30,6 bilhões de euros à Ucrânia neste ano, o texto confronta a medida de Trump que bloqueou os recursos a Kiev —instituída logo após sua recente emboscada a Volodimir Zelenski no Salão Oval da Casa Branca.

A seara diplomática está nebulosa. O diálogo das potências europeias com Washington e Moscou vê-se debilitado. Restam poucas razões para a UE apostar na paz em curto ou médio prazo, e nenhuma para crer no autocrata russo, que ordenou ataque massivo à Ucrânia horas após a divulgação do documento europeu.

Escaldada por duas guerras mundiais em seu território, a Europa ingressa numa corrida armamentista que, a rigor, deveria ser lamentada, por sua origem na infame agressão da Rússia à Ucrânia e pelos desatinos de um presidente americano que avilta o papel histórico dos EUA na segurança do continente.

Lula quer baixar preços no grito

O Estado de S. Paulo

Governo toma medidas paliativas e inócuas contra a inflação, como a isenção de Imposto de Importação sobre alimentos, enquanto Lula ameaça tomar ‘atitude drástica’ se os preços não caírem

Obcecado em recuperar a popularidade, o governo Lula da Silva zerou o Imposto de Importação sobre vários alimentos para tentar conter a inflação, que atormenta os brasileiros e prejudica a popularidade do presidente. E o petista resolveu falar grosso. Filosofando sobre as razões por trás do aumento do preço dos ovos, por exemplo, o presidente Lula da Silva isentou as galinhas, responsabilizou “atravessadores” e não descartou a possibilidade de tomar uma “atitude drástica” para reduzir os preços, caso não encontre uma “solução pacífica”.

“Não encontrei uma galinha pedindo aumento no preço do ovo”, afirmou ontem em um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Minas Gerais. “A gente não quer brigar com ninguém, a gente quer encontrar uma solução pacífica. Mas, se a gente não encontrar, a gente vai ter que tomar uma atitude mais drástica, porque o que interessa é levar a comida barata para a mesa do povo brasileiro.”

Não se sabe bem que “atitude drástica” poderia ser tomada por Lula, mas a história brasileira está repleta de momentos em que presidentes tomaram “atitudes drásticas” para fazer a inflação baixar na marra, e o resultado foi sempre desastroso, por implicar intervenção nos mercados e na formação de preços, o que resulta quase sempre em desabastecimento e desestabilização.

Na verdade, enfrentar a carestia requer austeridade, e não populismo. Certamente não será no grito, ameaçando produtores rurais e transportadores, que o governo terá sucesso em sua cruzada pela redução do preço dos alimentos, mas a estratégia parece ser unicamente a de mostrar que o governo fez tudo o que podia para ajudar os mais pobres – e que os culpados pela inflação são, claro, os outros.

Sem ter muito o que fazer, o governo decidiu anunciar a redução do Imposto de Importação sobre alimentos, que valerá para alguns dos itens cujos preços passaram a assombrar o consumidor, como carnes, café e açúcar.

A medida ainda precisa ser referendada pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) e incluirá milho, óleos vegetais, azeite, sardinha, biscoitos e massas alimentícias. Alckmin disse ainda que o governo fortalecerá a formação de estoques reguladores e dará prioridade ao financiamento de itens da cesta básica por meio do Plano Safra. Por fim, apelou aos governadores para que façam sua parte e isentem o ICMS sobre esses produtos.

O conjunto de medidas mostra o tamanho do desespero de um governo perdido e com um arsenal de medidas bastante limitado. No caso de itens como carne, café e açúcar, o Brasil já é um dos maiores produtores mundiais e dificilmente conseguirá importar um volume tão significativo a ponto de reduzir seus preços. No caso do milho, o País é o terceiro maior produtor, atrás dos Estados Unidos e China, e pratica preços bastante competitivos nos mercados interno e externo.

Impacto nos preços domésticos, se houver, será pouco relevante e não será sentido no curto prazo. Ademais, não há qualquer garantia de que a isenção de impostos seja repassada aos produtos, pois ela pode facilmente ser diluída ao longo da cadeia. Por fim, dificilmente os preços voltarão aos patamares anteriores.

O problema dos preços dos alimentos, como se sabe, é mais complexo e vai muito além da tributação. A seca prejudicou o desenvolvimento das lavouras no País e houve quebra da safra de café em países como Vietnã e Indonésia – ou seja, a escassez é internacional. No caso das carnes, a estiagem e as queimadas afetaram sobremaneira a formação das pastagens.

É possível buscar explicações para o comportamento dos preços de cada um dos itens alcançados pelo anúncio do governo, mas seria tão inócuo quanto as medidas anunciadas. A população tem percebido, ao fazer suas compras nos supermercados, que a inflação tem afetado produtos e serviços de forma generalizada, como há tempos não se via, e tem cada vez menos paciência com os discursos de Lula – as pesquisas mostram que sua verve já não convence nem mesmo parte de seu eleitorado mais fiel, isto é, a população de baixa renda no Nordeste, região em que sua avaliação despencou. Mas podia ser pior. Felizmente, o governo não anunciou a taxação das exportações. Por enquanto.

A Europa em busca do tempo perdido

O Estado de S. Paulo

O bloco acordou e busca sua ‘independência estratégica’. O desafio é como. A curto prazo, sacrifícios serão inevitáveis. Mas é a própria sobrevivência da Europa que está em jogo

A deterioração da participação dos EUA na aliança pró-Ucrânia contra a invasão russa foi rápida. Começou com a conversa telefônica entre o presidente americano, Donald Trump, e o russo, Vladimir Putin. Em cerca de duas semanas, logo após o encontro desastroso entre Trump e o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, na Casa Branca, os EUA suspenderam o envio de recursos, armas e dados de inteligência à Ucrânia. Assim como a agressão russa provocou a expansão da Otan, agregando Suécia e Finlândia, a traição americana galvanizou a união dos europeus. O choque de realidade despertou a Europa para a necessidade de incrementar seu sistema de defesa para garantir sua existência e independência.

Numa cúpula em Bruxelas na quinta-feira passada, os líderes europeus sacramentaram essa inflexão. Agora vem a parte difícil: como sustentá-la. Foi como se cada país tivesse contribuído com o que tem de melhor para a cúpula.

A França trouxe palavras. O discurso à população francesa do presidente Emmanuel Macron às vésperas da reunião foi um instante de clareza moral em dias de incerteza. Macron declarou que a reaproximação entre EUA e Rússia precipita a Europa numa “nova era”; que a agressividade russa não conhece fronteiras; que permanecer como espectador seria “loucura”; que a paz não passa pelo abandono da Ucrânia nem pode ser um decreto russo e exigirá o destacamento de forças europeias; e que os gastos com defesa devem aumentar o mais rápido possível. Mais importante, Macron aludiu à possibilidade de oferecer os arsenais nucleares franceses como um “guarda-chuva” para a Europa.

O Reino Unido trouxe pragmatismo. Entre a conversa de Trump com Putin e o bate-boca com Zelenski, o premiê Keir Starmer fez uma visita produtiva a Washington. Logo depois, reuniu líderes europeus em Londres num gesto de apoio a Zelenski. Hoje, ele é o líder europeu em melhores condições de promover uma reaproximação entre Trump e Zelenski e mediar conversas entre Washington e Bruxelas para construir garantias de segurança críveis num eventual cessar-fogo.

Coreografias diplomáticas e declarações grandiosas sobre a “independência estratégica” não são exatamente novidade. A diferença agora é que a Europa parece levar a sério as exigências práticas, a começar por como financiar o rearmamento. A Alemanha contribuiu com sua industriosidade. Dias antes da cúpula, o provável próximo premiê, Friedrich Merz, do partido conservador da democracia cristã, concertou com os social-democratas uma votação para aprovar uma histórica isenção no teto da dívida para financiar investimentos militares.

Em Bruxelas, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou até 800 bilhões de euros em gastos com defesa para os países do bloco, em parte através de redirecionamento de subsídios para obras públicas, mas também isentando gastos nacionais em defesa dos limites do bloco sobre as dívidas. Tudo isso sugere uma mudança há muito adiada de prioridades. Mas satisfazê-las exigirá que os líderes europeus conduzam seus povos a escolhas difíceis.

Especialistas ouvidos pela revista The Economist estimam que para se defender sem os EUA, a Europa, que atualmente gasta por ano 1,8% do PIB com defesa, precisaria gastar no curto prazo 3,5%, e no médio prazo entre 4% e 5%. Isso sem contar o apoio à Ucrânia, que, para suprir a ausência dos EUA, precisaria subir dos atuais 0,2% do PIB para 0,4%.

Os impostos já são altos. O relaxamento fiscal é plenamente justificável pela emergência. Mas muitos países já estão bastante endividados e há limites para a confiança dos credores. A verdade é que os europeus precisarão cortar na carne. Seu Estado de bem-estar social é o mais generoso do mundo, mas ele foi construído num momento em que a Europa tinha uma população jovem, não competia com gigantes como a China e a Índia e estava segura sob as armas dos EUA. Esse dividendo da paz se foi. Os gastos sociais precisariam ser revistos nem que fosse por uma razão de produtividade e eficiência; agora, precisarão ser cortados por uma questão de sobrevivência.

Os bandidos agradecem

O Estado de S. Paulo

Bolsonaristas, mais uma vez, distorcem boa medida do BC que melhora segurança do Pix

O Banco Central (BC) acaba de publicar uma oportuna resolução que aprimora os mecanismos de segurança do Pix. Como se sabe, o meio de pagamento instantâneo tem sido usado por bandidos para a prática de uma série de crimes, desde desfalques em contas bancárias por roubos e furtos de celulares até intrincados esquemas de lavagem de dinheiro por meio de transferências fracionadas de baixa monta com o objetivo de escapar da fiscalização.

Pelas novas regras editadas pelo BC, os participantes do Pix deverão excluir chaves de pessoas e de empresas cuja situação não esteja regular na Receita Federal. Isso nada tem que ver, como muito bem explicou a autoridade monetária, com impedimentos para a realização de Pix por pessoas físicas e jurídicas que tenham pendências tributárias com o Fisco. Trata-se de uma espécie de saneamento de chaves, de modo a evitar fraudes.

Por irregularidade na Receita Federal deve ser entendida a situação de CPFs suspensos, cancelados, de titular falecido ou nulos, além de CNPJs também registrados no Fisco como suspensos, inaptos, baixados ou nulos. Nada a ver, portanto, com eventuais dívidas dos contribuintes.

Se quiser, de fato, combater o crime organizado atacando seu flanco mais sensível, o Estado brasileiro precisa apertar, e não afrouxar, os instrumentos legais e normativos de asfixia financeira das organizações criminosas. Portanto, é muito auspiciosa esta nova regulamentação do BC, como também era a portaria da Receita Federal que obrigava as operadoras de cartão de crédito e instituições de pagamento a notificar o Fisco em caso de movimentações por Pix acima de R$ 5 mil mensais por pessoas físicas e R$ 15 mil por pessoas jurídicas.

A incompetência do governo Lula da Silva para defender uma medida do Fisco absolutamente correta e necessária para aumentar a fiscalização sobre as transações via Pix, o que também não implicava a tributação dessas operações, permitiu que a oposição deitasse e rolasse no Congresso e nas redes sociais. Nas cordas, Lula, em vez de vir a público e explicar à população, com coragem e franqueza, a pertinência daquela portaria, decidiu voltar atrás.

Que o mesmo não ocorra agora com a regulamentação do BC, que, recorde-se, por lei, não tem qualquer relação de subordinação ao governo federal. Mas é essa mentira que a oposição tenta emplacar como verdade para fustigar o petista, em especial neste momento em que Lula é atormentado pela queda recorde de seus índices de aprovação.

O clã Bolsonaro foi rápido em atribuir ao Poder Executivo a autoria da resolução do BC, um disparate à luz da verdade dos fatos. No X, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) classificou a medida como uma “arapuca para atrapalhar a vida do trabalhador”. Na mesma rede social, o inelegível Jair Bolsonaro perguntou ironicamente a seus seguidores: “Já fez seu Pix hoje?”.

É papel da oposição tentar desgastar o governante de turno. O ideal seria que o fizesse de boa-fé, vale dizer, com respeito aos fatos. Como os bolsonaristas são incapazes disso, que o BC se mantenha firme na medida e, no que lhe cabe, que o governo reforce a natureza auspiciosa da fiscalização do Pix. Pois a derrota dos controles legais é a vitória dos criminosos.

Dia da Mulher é de cobrança, não de festa

Correio Braziliense

Direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, que garante a igualdade de gênero e a proteção contra discriminação e violência, são desrespeitados diariamente

O Dia Internacional da Mulher, 8 de março, não é apenas uma data de celebração, mas de luta e conscientização sobre as desigualdades estruturais que ainda persistem em relação às mulheres. No Brasil, elas enfrentam desafios diários, desde a violência de gênero até a desigualdade no mercado de trabalho e a baixa representatividade política, em qualquer condição social que estejam — porém, mulheres negras e pardas, muito mais.

Direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, que garante a igualdade de gênero e a proteção contra discriminação e violência, são desrespeitados diariamente. E não faltam estatísticas oficiais para esmiuçar crimes e outros tipos de ilegalidades. Também é relevante o movimento de resistência. Gerações de mulheres corajosas abriram caminho para a igualdade de gênero e conquistaram esses direitos. E é em torno deles que as lutas das mulheres continuam.

Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição. Portanto, qualquer discriminação baseada no gênero é inconstitucional. A Carta Magna também estabelece que o Estado deve assegurar assistência à família e adotar mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. 

No campo profissional, homens e mulheres devem receber o mesmo salário para a mesma função. Ainda: elas têm direito a 120 dias de afastamento sem prejuízo do salário. É proibida a dispensa arbitrária ou sem justa causa desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. 

O atendimento médico e reprodutivo pelo SUS é obrigação do Estado, incluindo pré-natal e parto humanizado; acesso a métodos contraceptivos e educação sexual, também. Preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou qualquer outra forma de discriminação são inconstitucionais.

Como se vê, a Lei Maior de 1988 representa um marco na garantia dos direitos das mulheres no Brasil. No entanto, é preciso que esses direitos sejam garantidos na prática. Nos últimos anos, houve avanços, como leis mais rigorosas contra a violência doméstica (Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio) e a ampliação da participação feminina em cargos públicos e empresariais. No entanto, esses progressos não são suficientes.

A despeito das leis, as altas taxas de feminicídio e a persistente sensação de insegurança entre as mulheres são exemplos do dia a dia que colocam em xeque essa igualdade formalizada. De acordo com os dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), em 2024, houve 1.387 feminicídios e 78.463 estupros no país — média de quatro e 215 casos por dia, respectivamente. 

É crucial que o Brasil continue a implementar e fortalecer políticas públicas que visem combater a violência contra a mulher, promover a saúde feminina, a garantia de ambientes seguros e favoráveis ao progresso pessoal e profissional, entre outras condições que possam permitir que a igualdade de gênero prevista nas legislações seja de fato vivenciada. Enquanto isso, o 8 de março segue sendo dia de cobrança. Que seja só de festa. 

 

 

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