sábado, 8 de março de 2025

Trump está em guerra com a universidade – Pablo Ortellado

O Globo

Em vez de fortalecer o pluralismo e o livre debate, o governo tem promovido repressão seletiva que ameaça a autonomia universitária e o próprio ideal de educação superior como espaço de pensamento crítico

O governo Trump declarou guerra às universidades. Essa é a opinião de 94% dos reitores de cem instituições de ensino superior que se reuniram em Yale. Trump tem adotado, também na educação superior, a estratégia de “choque e pavor”, impondo decisões de forma rápida e avassaladora. A abordagem parte do diagnóstico de que as universidades foram tomadas pelo esquerdismo woke, precisam ser derrotadas e energicamente submetidas a novas diretrizes, mais ou menos como Viktor Orbán fez na Hungria.

Uma das primeiras ações de Trump foi congelar o financiamento federal à pesquisa. Além disso, cortou parte do financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde, órgão responsável pelo financiamento da pesquisa em biomedicina. A medida retirou US$ 4 bilhões de apoio às instituições nos orçamentos dos projetos de pesquisa.

Além dos ataques à pesquisa, os decretos de Trump restringindo políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) já impactam as universidades. Embora geralmente sejam entidades privadas ou estaduais, elas precisam seguir diretrizes federais se quiserem receber verbas do governo. A Universidade Estadual da Carolina do Norte tirou do currículo obrigatório todas as disciplinas que pudessem ser interpretadas como DEI.

Na última terça-feira, Trump publicou uma mensagem na plataforma Truth Social afirmando que cortaria todo o financiamento federal de instituições que permitissem “protestos ilegais”. Também declarou que manifestantes seriam presos ou deportados, enquanto estudantes americanos poderiam ser expulsos ou encarcerados, dependendo da gravidade do ato.

A publicação veio com o anúncio de que uma força-tarefa federal para combater o antissemitismo nas universidades visitaria dez campi, entre eles Harvard, Columbia e dois da Universidade da Califórnia. A maior parte dessas universidades foi palco de acampamentos de estudantes protestando contra a ocupação de Gaza por Israel. Em alguns casos, manifestantes foram acusados de antissemitismo contra estudantes e professores judeus. Os acampamentos foram duramente criticados pela direita americana.

A força-tarefa anunciou uma revisão completa dos contratos federais com a Universidade Columbia a partir de uma investigação alegando que a instituição violou cláusulas que proíbem discriminação “com base em ascendência, características étnicas ou origem nacional”. Como resultado, Columbia já perdeu US$ 400 milhões em contratos federais devido ao que consideram uma “contínua inação diante do assédio a estudantes judeus”. A força-tarefa também anunciou que pode rever mais de US$ 5 bilhões em verbas federais destinadas à universidade.

Tão ameaçadoras para as universidades quanto o corte de verbas federais são as propostas de ampliar a tributação sobre os fundos patrimoniais. Nos Estados Unidos, grandes universidades são financiadas principalmente por verbas federais, matrículas e anuidades pagas pelos estudantes e rendimentos de seus fundos patrimoniais. Esses fundos são arrecadados por meio de doações, e seus rendimentos usados para custear despesas acadêmicas. No caso das universidades de elite, alcançam valores bilionários (Harvard tem US$ 52 bilhões; Yale, US$ 41 bilhões).

O vice-presidente J.D. Vance apresentou, quando era senador, um Projeto de Lei que não apenas cortava verbas federais de universidades que não desmontassem acampamentos estudantis anti-Israel, mas também taxava em 50% seus fundos patrimoniais. Esses fundos, no passado isentos de impostos, passaram a ser tributados em 1,4% no primeiro governo Trump, em 2017. Agora, um novo Projeto de Lei, apresentado pelo deputado Mike Lawler, aliado de Trump, propõe ampliar a taxação para 10%.

Apesar de Trump justificar suas ações com o argumento de que as universidades foram capturadas pela cultura woke e não garantem liberdade de expressão nem respeito à pluralidade, suas medidas contradizem esse objetivo. Há de fato crescente intolerância a vozes conservadoras no ambiente acadêmico, que pode levar a questionamentos pertinentes sobre a pluralidade de ideias nas universidades. No entanto a perseguição a estudantes que protestam contra a ocupação de Gaza e a imposição de restrições curriculares que limitam a oferta de disciplinas sobre diversidade mostram que Trump não busca promover neutralidade institucional ou liberdade acadêmica, mas substituir o que considera controle da esquerda pelo controle da direita, por meio de intervenção governamental. Seu modelo, ao que tudo indica, é a captura das universidades pelo governo, como Orbán promoveu na Hungria. Em vez de fortalecer o pluralismo e o livre debate, o governo Trump tem promovido uma repressão seletiva que ameaça a autonomia universitária e o próprio ideal de educação superior como espaço de pensamento crítico.

 

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