quinta-feira, 19 de junho de 2025

BC avisa que juro cai no dia de são Nunca, de tarde - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

BC quer levar donos do dinheiro a baixar projeção de IPCA e evitar queda de juros no mercado

A queda da Selic está adiada para o dia de são Nunca, de tarde. Depois, vai cair devagar. No que importa, foi a mensagem do comunicado em que o Banco Central anunciou que a taxa básica de juros passou de 14,75% ao ano para 15%.

Talvez a talagada amarga de remédio sirva para abreviar a doença. Para parte da esquerda, Gabriel Galípolo estaria "à direita" de Roberto Campos Neto. Pois é. A gente não vai longe.

A linguagem foi tão relevante quanto o aumento: o BC vai observar expectativas de inflação e conjuntura a fim de avaliar se a Selic, em nível de arrocho "por período bastante prolongado", basta para levar a inflação à meta. Enfatizou: "exige-se uma política monetária em patamar significativamente contracionista por período bastante prolongado".

O BC anunciou que suspende a campanha de alta de juros, com ressalva retórica, a fim de reforçar o tempero de dureza: "não hesitará" em elevar a Selic.

Chegou a dizer que "observa certa moderação no crescimento" (a desaceleração não é mais "incipiente"). Mas o cenário segue "marcado por expectativas desancoradas, projeções de inflação elevadas, resiliência na atividade econômica e pressões no mercado de trabalho". A projeção de inflação do BC não mudou.

O BC quer convencer o dinheiro grosso que vai até o fim da picada onde está a meta de inflação —que podem, pois, diminuir suas expectativas inflacionárias. Quer também impedir que juros de prazo mais longo caiam logo e muito no mercado de dinheiro (baixam desde o terror de janeiro).

A decisão do BC não vai mudar grande coisa no país. Além de arrocho, o que se pode fazer no Brasil, sem depender de câmbio ou outras reviravoltas lá fora, é outra conversa.

A nova rodada de revolta contra impostos oferecera a oportunidade de o governo fazer remendão mais duradouro no déficit, como se escrevia nestas colunas, faz duas semanas. O remendão produziria benefícios econômicos e, para o governo, poderia diminuir o risco político.

Claro que a maioria do Congresso é hipócrita, cínica ou ignorante quanto a problemas fiscais. Poderia não aprovar nenhuma medida fiscal sensata. Mas teria de pagar algum preço político pela cara-de-pau e, talvez, deixasse passar providência fiscal mais relevante. O governo mal tentou, ficando em remendos circunstanciais.

Um primeiro benefício de um plano mesmo diminuído de contenção de despesa (e de redução de isenções de imposto) seria criar ambiente em que juros pudessem cair mais rapidamente. Seria ainda um seguro no caso de reviravolta na política e na economia mundiais, ora enlouquecidas.

Se não fizer quase nada, como parece ser o caso, o governo terá perdido a oportunidade de atenuar esses riscos ou de contribuir para a criação de condições para arrocho menor.

Um segundo benefício seria empurrar o risco maior de pindaíba crítica para mais tarde, quem sabe para 2027. Pindaíba crítica: o governo não ter dinheiro nem para a operação da máquina e para investimentos mínimos.

A dificuldade ou a incapacidade de atingir mesmo a meta relaxada do arcabouço fiscal pode criar tumulto antes do final de Lula 3. Há no governo até quem queira mais gambiarras e maquiagens fiscais a fim de aumentar a despesa no ano eleitoral de 2026. A maquiagem não esconderia de ninguém a carantonha das contas públicas.

Ainda há algum tempo para virar o jogo, aos 30 minutos do segundo tempo. Parece faltar disposição ou noção do perigo.

 

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