Folha de S. Paulo
BC quer levar donos do dinheiro a baixar
projeção de IPCA e evitar queda de juros no mercado
A queda da Selic está
adiada para o dia de são Nunca, de tarde. Depois, vai cair devagar. No que
importa, foi a mensagem do comunicado em que o Banco Central anunciou
que a taxa
básica de juros passou de 14,75% ao ano para 15%.
Talvez a talagada amarga de remédio sirva
para abreviar a doença. Para parte da esquerda, Gabriel
Galípolo estaria "à direita" de Roberto Campos Neto. Pois é.
A gente não vai longe.
A linguagem foi tão relevante quanto o
aumento: o BC vai observar expectativas de inflação e
conjuntura a fim de avaliar se a Selic, em nível de arrocho "por
período bastante prolongado", basta para levar a inflação à meta.
Enfatizou: "exige-se uma política monetária em patamar significativamente
contracionista por período bastante prolongado".
O BC anunciou que suspende a campanha de alta de juros, com ressalva retórica, a fim de reforçar o tempero de dureza: "não hesitará" em elevar a Selic.
Chegou a dizer que "observa certa
moderação no crescimento" (a desaceleração não é mais
"incipiente"). Mas o cenário segue "marcado por expectativas
desancoradas, projeções de inflação elevadas, resiliência na atividade
econômica e pressões no mercado de trabalho". A projeção de inflação do BC
não mudou.
O BC quer convencer o dinheiro grosso que vai
até o fim da picada onde está a meta de inflação —que podem, pois, diminuir
suas expectativas inflacionárias. Quer também impedir que juros de prazo mais
longo caiam logo e muito no mercado de dinheiro (baixam desde o terror de
janeiro).
A decisão do BC não vai mudar grande coisa no
país. Além de arrocho, o que se pode fazer no Brasil, sem depender de câmbio ou
outras reviravoltas lá fora, é outra conversa.
A nova rodada de revolta contra impostos
oferecera a oportunidade de o governo fazer remendão mais duradouro no déficit,
como se escrevia nestas colunas, faz duas semanas. O remendão produziria
benefícios econômicos e, para o governo, poderia diminuir o risco político.
Claro que a maioria do Congresso é hipócrita,
cínica ou ignorante quanto a problemas fiscais. Poderia não aprovar nenhuma
medida fiscal sensata. Mas teria de pagar algum preço político pela cara-de-pau
e, talvez, deixasse passar providência fiscal mais relevante. O governo mal
tentou, ficando em remendos circunstanciais.
Um primeiro benefício de um plano mesmo
diminuído de contenção de despesa (e de redução de isenções de imposto) seria
criar ambiente em que juros pudessem cair mais rapidamente. Seria ainda um
seguro no caso de reviravolta na política e na economia mundiais, ora
enlouquecidas.
Se não fizer quase nada, como parece ser o
caso, o governo terá perdido a oportunidade de atenuar esses riscos ou de
contribuir para a criação de condições para arrocho menor.
Um segundo benefício seria empurrar o risco
maior de pindaíba crítica para mais tarde, quem sabe para 2027. Pindaíba
crítica: o governo não ter dinheiro nem para a operação da máquina e para
investimentos mínimos.
A dificuldade ou a incapacidade de atingir
mesmo a meta relaxada do arcabouço fiscal pode criar tumulto antes do final
de Lula 3.
Há no governo até quem queira mais gambiarras e maquiagens fiscais a fim de
aumentar a despesa no ano eleitoral de 2026. A maquiagem não esconderia de
ninguém a carantonha das contas públicas.
Ainda há algum tempo para virar o jogo, aos
30 minutos do segundo tempo. Parece faltar disposição ou noção do perigo.
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