O Globo
A decisão do Banco Central de subir juros é
exagerada. Os juros estavam altos o suficiente e as projeções inflação já
estavam caindo
O Copom elevou
a taxa de juros para 15%, sem haver qualquer necessidade e com a maioria do
mercado apostando em manutenção. A Selic em 14,75% já seria o suficiente para
enfrentar a alta da inflação,
porque isso representa 8% de juros reais, um número estratosférico. Disse que
agora haverá uma “interrupção no ciclo de alta dos juros para examinar os
impactos acumulados do ajuste já realizado”, e avisou que não hesitará em
voltar a subir a taxa. A inflação está em queda, as projeções do mercado e
do Banco
Central estão sendo reduzidas, e a economia está desacelerando. A dose
até agora aplicada na economia está fazendo efeito.
Não foi grande o aumento dos juros, apenas metade de meio ponto percentual, mas a decisão mostra um Banco Central inseguro, querendo provar que é “hawkish”, mais do que uma avaliação de que tecnicamente era preciso subir as taxas de juros.
A interrupção do ciclo de alta ainda veio na
condicional, “em se confirmando o cenário esperado”. E avisou que os juros
ficarão assim altos por um tempo “bastante prolongado”. O que o Copom vê no
chamado “horizonte relevante”, em 2026, é uma inflação de 3,6%, ou seja, 0,6
ponto percentual acima do centro da meta.
A questão fiscal está sendo acompanhada com
atenção pelo Banco Central, como ele informou no comunicado. O tema é de fato
grave. A dívida pública tem crescido muito, em parte porque os juros são altos
demais. O caminho certo é mesmo derrubar a inflação para a queda da taxa de
juros. O fato é que bastava manter os juros onde estavam para atingir esse
objetivo.
O problema fiscal não é apenas culpa do
Executivo. As propostas de cortes de gastos formuladas pelo governo foram
sempre rejeitadas pelo Congresso, apesar de todo o discurso fiscalista. Uma
proposta de corte de despesas feita pelo ministro Fernando
Haddad foi a de impedir salários acima do teto do funcionalismo. Quem
tem mais casos de ganhos acima do teto é o Judiciário, mas a proposta do
deputado Hugo
Motta permitindo acumular os ganhos do mandato com as aposentadorias
do parlamentar vai escalar esse custo também no Legislativo. Haddad propôs
ainda um limite para a correção do Fundo Constitucional do Distrito Federal. As
propostas que chegam no Congresso são derrubadas, desidratadas ou engavetadas.
Uma situação de desajuste nas contas públicas
fica mais perigosa nos momentos de crise internacional. E o mundo está vivendo
uma escalada do conflito no Oriente Médio com ingredientes que tornam a
conjuntura externa mais imprevisível. O presidente Donald Trump é
um fator que eleva a temperatura de qualquer crise. Quando não há conflito ele
os cria. Ter os Estados Unidos como uma das fontes de incerteza é um cenário
não imaginado tempos atrás.
A conjuntura política brasileira é de
elevação do nível de estresse. A semana foi de demonstração de força da
oposição. Lideranças bolsonaristas estão acuadas pelas ações penais que seus
integrantes enfrentam e assim precisam criar um clima pré-eleitoral no
Congresso. Alguns partidos que formam a base do governo estarão em torno de
outras candidaturas em 2026, por isso engrossam os votos da oposição, como
ocorreu nas votações pela urgência do decreto contra o IOF, ou pela derrubada
dos vetos presidenciais a medidas que vão aumentar a conta de luz. Apostam no
quanto pior, melhor. Nesse clima fica muito difícil aprovar qualquer medida de
ajuste estrutural.
As fragilidades políticas internas e a crise
internacional escondem os bons indicadores econômicos. O país cresce pelo
terceiro ano consecutivo, o desemprego segue em níveis baixos, a inflação
começou a ceder e a perspectiva é de que os índices permaneçam reduzidos nos
próximos dois meses, impulsionados pela queda nos preços dos alimentos. O dólar em
queda ajuda a derrubar as projeções de inflação. O quadro econômico portanto
está bem.
Ontem, novos raios caíram sobre a oposição
com a retirada do sigilo do inquérito da Abin Paralela. A acusação de uso do
aparelho de Estado para espionar supostos adversários políticos, o indiciamento
de Carlos
Bolsonaro, a prisão de Marcelo Câmara, com seu advogado sendo investigado
por tentativa de obstrução de Justiça, são confusões suficientes para azedar
mais uma semana da extrema direita.
Problemas nacionais ou globais complicam o
cenário, é verdade. Mas não se tornariam mais graves se os juros fossem
mantidos onde estavam. Foi exagero do Banco Central.
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