quinta-feira, 19 de junho de 2025

Taxas de juros e outras questões - Míriam Leitão

O Globo

A decisão do Banco Central de subir juros é exagerada. Os juros estavam altos o suficiente e as projeções inflação já estavam caindo

O Copom elevou a taxa de juros para 15%, sem haver qualquer necessidade e com a maioria do mercado apostando em manutenção. A Selic em 14,75% já seria o suficiente para enfrentar a alta da inflação, porque isso representa 8% de juros reais, um número estratosférico. Disse que agora haverá uma “interrupção no ciclo de alta dos juros para examinar os impactos acumulados do ajuste já realizado”, e avisou que não hesitará em voltar a subir a taxa. A inflação está em queda, as projeções do mercado e do Banco Central estão sendo reduzidas, e a economia está desacelerando. A dose até agora aplicada na economia está fazendo efeito.

Não foi grande o aumento dos juros, apenas metade de meio ponto percentual, mas a decisão mostra um Banco Central inseguro, querendo provar que é “hawkish”, mais do que uma avaliação de que tecnicamente era preciso subir as taxas de juros.

A interrupção do ciclo de alta ainda veio na condicional, “em se confirmando o cenário esperado”. E avisou que os juros ficarão assim altos por um tempo “bastante prolongado”. O que o Copom vê no chamado “horizonte relevante”, em 2026, é uma inflação de 3,6%, ou seja, 0,6 ponto percentual acima do centro da meta.

A questão fiscal está sendo acompanhada com atenção pelo Banco Central, como ele informou no comunicado. O tema é de fato grave. A dívida pública tem crescido muito, em parte porque os juros são altos demais. O caminho certo é mesmo derrubar a inflação para a queda da taxa de juros. O fato é que bastava manter os juros onde estavam para atingir esse objetivo.

O problema fiscal não é apenas culpa do Executivo. As propostas de cortes de gastos formuladas pelo governo foram sempre rejeitadas pelo Congresso, apesar de todo o discurso fiscalista. Uma proposta de corte de despesas feita pelo ministro Fernando Haddad foi a de impedir salários acima do teto do funcionalismo. Quem tem mais casos de ganhos acima do teto é o Judiciário, mas a proposta do deputado Hugo Motta permitindo acumular os ganhos do mandato com as aposentadorias do parlamentar vai escalar esse custo também no Legislativo. Haddad propôs ainda um limite para a correção do Fundo Constitucional do Distrito Federal. As propostas que chegam no Congresso são derrubadas, desidratadas ou engavetadas.

Uma situação de desajuste nas contas públicas fica mais perigosa nos momentos de crise internacional. E o mundo está vivendo uma escalada do conflito no Oriente Médio com ingredientes que tornam a conjuntura externa mais imprevisível. O presidente Donald Trump é um fator que eleva a temperatura de qualquer crise. Quando não há conflito ele os cria. Ter os Estados Unidos como uma das fontes de incerteza é um cenário não imaginado tempos atrás.

A conjuntura política brasileira é de elevação do nível de estresse. A semana foi de demonstração de força da oposição. Lideranças bolsonaristas estão acuadas pelas ações penais que seus integrantes enfrentam e assim precisam criar um clima pré-eleitoral no Congresso. Alguns partidos que formam a base do governo estarão em torno de outras candidaturas em 2026, por isso engrossam os votos da oposição, como ocorreu nas votações pela urgência do decreto contra o IOF, ou pela derrubada dos vetos presidenciais a medidas que vão aumentar a conta de luz. Apostam no quanto pior, melhor. Nesse clima fica muito difícil aprovar qualquer medida de ajuste estrutural.

As fragilidades políticas internas e a crise internacional escondem os bons indicadores econômicos. O país cresce pelo terceiro ano consecutivo, o desemprego segue em níveis baixos, a inflação começou a ceder e a perspectiva é de que os índices permaneçam reduzidos nos próximos dois meses, impulsionados pela queda nos preços dos alimentos. O dólar em queda ajuda a derrubar as projeções de inflação. O quadro econômico portanto está bem.

Ontem, novos raios caíram sobre a oposição com a retirada do sigilo do inquérito da Abin Paralela. A acusação de uso do aparelho de Estado para espionar supostos adversários políticos, o indiciamento de Carlos Bolsonaro, a prisão de Marcelo Câmara, com seu advogado sendo investigado por tentativa de obstrução de Justiça, são confusões suficientes para azedar mais uma semana da extrema direita.

Problemas nacionais ou globais complicam o cenário, é verdade. Mas não se tornariam mais graves se os juros fossem mantidos onde estavam. Foi exagero do Banco Central.

 

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