quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A flor murcha da gratidão


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


O isolamento no fim de semana em Nova Friburgo justifica, mas não consola o atraso com que chego com a flor murcha da gratidão para a homenagem dorida da saudade ao amigo impecável, a quem devo tudo o que aprendi em técnica e esperteza em televisão: Fernando Barbosa Lima foi um exemplo de ética, criatividade e competência. Não conheço outra biografia que se compare à do criador do Jornal de Vanguarda, que revolucionou o noticiário na telinha, e de mais uma centena de programas, todos com sucesso e com a sua marca identificadora.

Não foi o único a ensinar o caminho ao iniciante na casa dos 23 anos e que tem lugar cativo na minha gratidão. Odylo Costa, filho patrocinou a minha promoção ao bloco da meia dúzia dos grandes jornais na década incomparável dos anos 60, quando o Rio se despedia do crachá de capital do Brasil com a inauguração de Brasília inacabada, um canteiro de obras no desterro do cerrado. Levou-me para o Diário de Notícia e mais tarde para o Jornal do Brasil. E para a sua curta passagem pela direção da Rádio Nacional, então a maior emissora do país.

Aqui e acolá, a troco de cachês que nem sempre eram pagos, participei de programas de debates políticos e de mesas de inflamadas discussões sobre futebol.

Mas, com o Jornal de Vanguarda foi diferente. O convite foi feito por Tarcísio Holanda, excelente repórter político, com lugar cativo no imortal Jornal de Vanguarda.

No livro Nossas câmeras são os seus olhos, lançado em 2007 pela Ediouro e em que tive o privilégio de assinar o breve e despretensioso prefácio, Fernando dá a receita do jornal revolucionário que assinala a mais profunda mudança no modelo de então da notícia lida pelos locutores.

Conta Fernando Barbosa Lima: "Com a inauguração da TV-Excelsior do Rio, em setembro de 1962, o Jornal de Vanguarda entrava no ar". E adiante: "O Jornal de Vanguarda, quando assumi a direção do jornalismo da Rede Excelsior, trouxe uma revolução na linguagem e no espírito do telejornalismo – um verdadeiro ‘Show de Notícias’ - como foi chamado em São Paulo".

Lista alguns dos principais apresentadores, "cerca de oito ou nove pessoas dentro do estúdio". Em vez de buscar pessoas de rádio, sua base era formada por jornalistas que vinham da imprensa escrita. Um marco, como se vê. A lista é incompleta: desenhistas como Borjalo, Appe e Millôr Fernandes, humoristas como Sergio Porto (Stanislaw Ponte Preta), comentaristas políticos como Tarcísio Hollanda e o comentarista internacional Newton Carlos, Gilda Muller fazia a parte feminina, e havia cronistas como Ricardo Amaral, Maneco Muller, Ibrahim Sued, José Lewgoy e Reinaldo Jardim, além da equipe de grandes locutores, como Cid Moreira, Luiz Jatobá, Célio Moreira, Fernando Garcia, Jorge Sampaio e Moacir Lopes.

Mas, é impossível ressuscitar no texto batucado na cadência da saudade, o impacto da novidade que quebrava todos os padrões na explosão da ousadia. No palco, com fundo neutro para não desviar a atenção, meia dúzia de banquinhos de três ou quatro pés: truque para obrigar a postura correta, de busto empinado, sem o derreado relaxamento das poltronas.

O rodízio disparava, com os dois, três minutos de cada um. E a câmera acompanhava a velocidade alucinante da passagem dos comentaristas anunciados pelos locutores.

Não podia durar muito. O Jornal de Vanguarda foi assassinado pelo Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, no governo do general-presidente Arthur da Costa e Silva, que oficializou a ditadura e instituiu a censura à imprensa.

Fernando Barbosa Lima resume o fim: "Toda a equipe se reuniu convicta de que um programa como o Jornal de Vanguarda não poderia ser submetido à censura total imposta pelo AI-5. Decidimos então tirar o jornal do ar – a última frase da última edição foi: um cavalo de raça mata-se com um tiro na cabeça".

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