quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Administração de cargos e salários


Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Uma das missões da presidente Cristina Kirchner na visita de Estado que fez ao Brasil, até ontem, por ocasião da Independência, foi, segundo integrantes de sua diplomacia, pressionar o Congresso Nacional para aprovar o ingresso da Venezuela no Mercosul. A resistência dos parlamentares brasileiros, senadores e deputados, a esta concessão que o governo petista diz querer fazer ao chavismo surpreende positivamente. No Senado, onde a proposta sequer chegou, o líder contra o pleito do presidente venezuelano Hugo Chavez é simplesmente o senador José Sarney (PMDB-AP), um dos mais respeitados da Casa.

Na Câmara, onde o projeto passou, raspando, na Comissão de Relações Exteriores, os partidos governistas ficaram com Chavez, não por unanimidade, e a oposição contra. Tal foi a dificuldade desta primeira votação que os líderes da aliança do presidente Lula ainda protelam a votação em plenário, à espera de dias melhores que podem resultar desta fase de comportamento mais discreto do presidente venezuelano.

Durante os debates da proposta, na Câmara, a argumentação dos que defendiam Chavez era uma só: o Brasil tem um grande saldo comercial com a Venezuela e por isto seria bom atender ao pedido de seu presidente. Os que eram, e ainda são contra, desfiavam restrições de todo tipo, em que se destaca o descumprimento da cláusula democrática do bloco. O presidente Chavez, por ação e não só por falação, não teria arquivado os riscos a que submete tal cláusula.

O raciocínio de quem está contra é que é preciso prestar atenção no significado real da presença de Chavez no Mercosul, tendo em vista as restrições que lhe fazem os países mais desenvolvidos do mundo, na América ou na Europa, onde é figura polêmica. Os deputados deixaram claro que Chavez, com sua personalidade difícil, criaria problemas de todo tipo para os demais países, em especial o Brasil, com quem disputa liderança. Mesmo apresentando a argumentação mais consistente, os que desaprovavam o atendimento ao pedido de Chaves perderam na Comissão da Câmara. E isto apesar da pressão de vários governadores, em especial os do Paraná (PMDB) e de Pernambuco (PSB), que têm negócios com a Venezuela e determinaram às suas bancadas que votassem a favor de Chavez. Devem repetir o apelo quando o assunto chegar ao Senado.

O esforço de convencer o Congresso poderia ser poupado se a presidente da Argentina desviasse o foco para o governo. Até parlamentares governistas se eximem de responsabilidade com a justificativa de que o próprio presidente Lula não se empenha nesta aprovação. Além de congestionar a pauta com Medidas Provisórias, o governo tem um interesse limitado a dois assuntos. O deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), que participou do debate sobre a entrada de Hugo Chavez no Mercosul, fez, em levantamento recente, uma radiografia do interesse do governo Lula pelas demandas ao Congresso.

Governo só não se empenha por Chaves

"Uma das características deste governo é que ele não se empenha em matérias legislativas que não sejam aquelas ligadas aos aumentos de salário e ampliação do quadro dos funcionários públicos", registra. A análise da produção legislativa no primeiro semestre deste ano mostra que houve, segundo Madeira, muita produção e pouca relevância: 35 leis trataram de homenagens e denominações; 29, de matéria orçamentária; 17, da criação de cargos ou alterações salariais, 4 dispondo sobre algum tipo de renúncia fiscal e 2 criando empresas. Outras 41 leis trataram de assuntos tão sortidos quanto de relativa importância.

"Percebemos uma linha de conduta do governo: aumento de gastos e criação de cargos; as leis sancionadas mostram que houve autorização para elevação de despesas no valor de R$ 33,5 bilhões, por causa do excesso de arrecadação ou superavit financeiro; também foram criados 50.319 cargos efetivos e 8.898 funções comissionadas, totalizando 59.217", contabiliza. O deputado destaca, ainda, com relação à origem dos 128 projetos transformados em lei no primeiro semestre, que 5 foram originários do Judiciário, 64 do Executivo e 59 do Legislativo.

No estudo feito sobre as votações de metade do ano, Madeira diz que o primeiro semestre de 2008 não teve uma pauta legislativa adequada às expectativas da sociedade brasileira. "Diversos assuntos relevantes permanecem numa lenta tramitação, quando não estão parados: cite-se o projeto de lei que propõe regular as agências, a lei do gás, a lei do Cade; o governo foi muito claro na sua agenda de aumento de gastos e criação de novos cargos, e em ambos os casos com uma inovação incompatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal, pois jogou parte dos gastos para 2011/2012".

Segundo o deputado, o seu partido, o principal de oposição, também não colaborou para que o desempenho do Congresso tivesse outro nível. "O PSDB não conseguiu transmitir uma mensagem clara de crítica aos atuais governantes, ou propor melhor projeto, ou chamar a atenção sobre os graves problemas que serão gerados pelas decisões de agora. Faltou o alerta contundente para a farra fiscal e a bagunça institucional".

Em movimento

As pesquisas eleitorais registram dois fatos que vale a pena acompanhar na campanha deste início de setembro. O primeiro é a disputa, voto a voto, pelo segundo lugar em Porto Alegre, entre as candidatas do PT, Maria do Rosário, e do PCdoB, Manuela D"Ávila. O segundo é o crescimento do candidato do PT em Salvador, Walter Pinheiro. Se ultrapassar o atual prefeito, candidato à reeleição que está em terceiro lugar, Pinheiro, segundo os analistas de pesquisa, terá chance de desbancar um dos dois carlistas que estão em primeiro e segundo lugares na disputa, ACM Neto, do DEM, e Antonio Imbassahy, do PSDB. A tradição na cidade é um carlista contra um não carlista, e não a disputa entre dois do mesmo grupo.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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