Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Difícil acreditar que as sucessivas denúncias contra o uso que os senadores fazem da máquina administrativa do Senado, e que os diretores da Casa fazem em favor próprio e dos eleitos, seja uma onda moralizante. As denúncias que pipocam nas páginas dos jornais se assemelham mais a uma guerra interna deflagrada pela disputa pela mesa diretora da Casa. A briga de poder tem como objeto uma instituição com um enorme orçamento e uma grande burocracia "técnica" e altamente politizada - ela é em sua maior parte concursada, mas apenas consegue subir hierarquicamente se ligada a algum grupo político.
Se o processo de sucessão para a mesa da Casa não segue a lógica de negociação interna por espaços de poder na máquina burocrática, os conflitos tendem a transbordar para as páginas dos jornais em denúncias alimentadas pelos grupos rivais. Uma estrutura de 136 diretores, quase dois para cada Senador, serve a uma "tradição" de negociação, capaz de acomodar interesses os mais variados. O problema é que, na hora do conflito, sobra para todo mundo. O tiroteio tem potencial de atingir gregos e troianos.
O senador José Sarney, eleito pela terceira vez presidente do Senado, domina parte dessa máquina. Construiu essa hegemonia, que praticamente não foi abalada por seus sucessores, ao longo de seus mandatos na presidência da Casa. A lógica desse poder quase sempre foge ao domínio partidário. Não existem divergências na condução do Senado, por exemplo, entre o senador maranhense, que é da base de apoio de Lula, e o primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), um extremado oposicionista. É em nome de um grupo "suprapartidário" que venceu a disputa para a mesa diretora que Fortes defende a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA), filha do presidente da instituição, acusada de distribuir passagens de sua cota parlamentar para levar amigos a Brasília, e de hospedá-los na residência oficial do Senado. "Não posso ser bedel de passagem. Cada um assume a responsabilidade por isso", disse Fortes, afirmando que, se for investigar o uso de passagens, deixaria a descoberto vários jornalistas beneficiados por senadores.
A denúncia contra o senador Tião Viana (PT-RO), de que teria emprestado um celular da Casa para a filha levar a uma viagem no México, pode ser entendida como uma contra-ofensiva. Viana disputou contra Sarney a presidência do Senado e teve o apoio do PSDB, que é oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e do grupo dissidente do PMDB, que também não vai estar no mesmo time da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff na disputa pela Presidência da República em 2010.
O fato de a oposição ter fechado com Viana pode dar conteúdo eleitoral à briga interna que chega aos jornais; o fato de Viana ser do PT desmente essa leitura. Mas, se há alguma intencionalidade que transcende a luta pela máquina do Senado, certamente ela mira o poder que a estrutura burocrática e orçamentária da Casa pode oferecer aos que detêm a hegemonia interna. Um senador Renan Calheiros, mesmo líder do PMDB no Senado, tem menos poder que um Renan Calheiros líder do PMDB e aliado do presidente da máquina partidária. O poder que o grupo sarneyzista do PMDB voltou a desfrutar na Casa conta a favor dele, quer para cooptar aliados, quer para massacrar adversários.
Essas denúncias, pelo menos, servem para desmistificar a ideia de que o Senado é um oásis cercado de imoralidades de deputados por todos os lados. O fato de ter menos representantes, e da maior parte deles se eleger por meio de uma política tradicional, favorece uma certa divisão de benefícios, dos quais se apropriam mais os representantes que são mais dependentes de políticas de clientela.
As denúncias que vazaram até agora da disputa interna mereceriam uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Renderiam mais do que a investigação, seriamente investigada pelo Senado, de que o ministro dos Esportes, Orlando Silva, teria gasto R$ 8,30 na compra de uma tapioca.
Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feira
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Difícil acreditar que as sucessivas denúncias contra o uso que os senadores fazem da máquina administrativa do Senado, e que os diretores da Casa fazem em favor próprio e dos eleitos, seja uma onda moralizante. As denúncias que pipocam nas páginas dos jornais se assemelham mais a uma guerra interna deflagrada pela disputa pela mesa diretora da Casa. A briga de poder tem como objeto uma instituição com um enorme orçamento e uma grande burocracia "técnica" e altamente politizada - ela é em sua maior parte concursada, mas apenas consegue subir hierarquicamente se ligada a algum grupo político.
Se o processo de sucessão para a mesa da Casa não segue a lógica de negociação interna por espaços de poder na máquina burocrática, os conflitos tendem a transbordar para as páginas dos jornais em denúncias alimentadas pelos grupos rivais. Uma estrutura de 136 diretores, quase dois para cada Senador, serve a uma "tradição" de negociação, capaz de acomodar interesses os mais variados. O problema é que, na hora do conflito, sobra para todo mundo. O tiroteio tem potencial de atingir gregos e troianos.
O senador José Sarney, eleito pela terceira vez presidente do Senado, domina parte dessa máquina. Construiu essa hegemonia, que praticamente não foi abalada por seus sucessores, ao longo de seus mandatos na presidência da Casa. A lógica desse poder quase sempre foge ao domínio partidário. Não existem divergências na condução do Senado, por exemplo, entre o senador maranhense, que é da base de apoio de Lula, e o primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), um extremado oposicionista. É em nome de um grupo "suprapartidário" que venceu a disputa para a mesa diretora que Fortes defende a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA), filha do presidente da instituição, acusada de distribuir passagens de sua cota parlamentar para levar amigos a Brasília, e de hospedá-los na residência oficial do Senado. "Não posso ser bedel de passagem. Cada um assume a responsabilidade por isso", disse Fortes, afirmando que, se for investigar o uso de passagens, deixaria a descoberto vários jornalistas beneficiados por senadores.
A denúncia contra o senador Tião Viana (PT-RO), de que teria emprestado um celular da Casa para a filha levar a uma viagem no México, pode ser entendida como uma contra-ofensiva. Viana disputou contra Sarney a presidência do Senado e teve o apoio do PSDB, que é oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e do grupo dissidente do PMDB, que também não vai estar no mesmo time da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff na disputa pela Presidência da República em 2010.
O fato de a oposição ter fechado com Viana pode dar conteúdo eleitoral à briga interna que chega aos jornais; o fato de Viana ser do PT desmente essa leitura. Mas, se há alguma intencionalidade que transcende a luta pela máquina do Senado, certamente ela mira o poder que a estrutura burocrática e orçamentária da Casa pode oferecer aos que detêm a hegemonia interna. Um senador Renan Calheiros, mesmo líder do PMDB no Senado, tem menos poder que um Renan Calheiros líder do PMDB e aliado do presidente da máquina partidária. O poder que o grupo sarneyzista do PMDB voltou a desfrutar na Casa conta a favor dele, quer para cooptar aliados, quer para massacrar adversários.
Essas denúncias, pelo menos, servem para desmistificar a ideia de que o Senado é um oásis cercado de imoralidades de deputados por todos os lados. O fato de ter menos representantes, e da maior parte deles se eleger por meio de uma política tradicional, favorece uma certa divisão de benefícios, dos quais se apropriam mais os representantes que são mais dependentes de políticas de clientela.
As denúncias que vazaram até agora da disputa interna mereceriam uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Renderiam mais do que a investigação, seriamente investigada pelo Senado, de que o ministro dos Esportes, Orlando Silva, teria gasto R$ 8,30 na compra de uma tapioca.
Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feira
Nenhum comentário:
Postar um comentário