DEU EM O GLOBO (10/11/2009)
Tenho saudade de 94. O Plano Real tinha dado certo, o Brasil ganhou a Copa do Mundo, e foi eleito um presidente com palavras novas, da elite cultural progressista que sempre esteve fora do poder. FH venceu, apesar da inveja de seus colegas de Academia, e trouxe uma nova “agenda progressista”, que até então se resumira a um confuso sarapatel de “rupturas” revolucionárias, vagos sonhos operários, numa algaravia de conceitos leninistas, getulistas, terceiro-mundistas que nos levaram sempre a derrotas desde 1935 até 1968.
Além do Lula de 1980, com sua política sindical de resultados, uma primitiva socialdemocracia que fez de Lula um importante renovador político (depois cooptado pelos bolchevistas desempregados), a chegada de FH foi o único fato novo. Apesar das críticas mecanicistas que sofreu (“neoliberal”, submisso a Washington, aliado a ACM, etc.”...), nada apagou sua novidade: vitória sobre a inflação, a substituição da utopia pela “política do possível”, troca da ideia de “solução” por “processo”, busca de uma república democrática.
Pela primeira vez na vida, vi uma mudança séria no país, que hoje é destratada vergonhosamente pelos petistas. (Dilma disse ontem: “Na campanha vamos comparar 2002 com 2009!” — fingindo ignorar que tudo de bom que Lula herdou já estava feito e que o surto de inflação do final do mandato de FH veio pelo medo da vitória do Lula).FH chegara numa época propícia, depois do trauma da Era Collor, que nos dera fome de limpeza ética e de organização republicana.
Os aliados de FH (PFL, PMDB etc.) ainda estavam amedrontados depois da chuva de lixo do período Collor, e essa provisória timidez dos fisiológicos permitiu que FH usasse as alas mais “modernas” do Atraso” (oh... supremo oxímoro!...) para introduzir práticas renovadoras. Mas nada disso a velha academia percebeu — só a eleição de Lula foi saudada pelos velhos intelectuais como “verdadeira”, como uma injeção de “povo” no mundo “de elite”.
No entanto, os anos FH foram um saneamento básico, uma psicanálise do imaginário político, uma mudança fundamental de agenda, sem a qual estaríamos batendo panelas na rua. Ele deixou uma “herança bendita”, agora em plena desconstrução pelos lulo-pelegos.
No primeiro governo de Lula, o PT e seus teóricos queriam enfiar marxismo na “insuficiente democracia”. Deu no mensalão e outras práticas “revolucionárias”. Até que fomos salvos pelo Roberto Jefferson, o herói da “corrupção autocrítica”, que tirou os bolchevistas de circulação.
A importância da administração e das reformas internas, a importância de sutis articulações interpartidárias está sendo substituída pela truculência dos pelegos chegados ao poder, para consolidar empregos, pois sabem que, se Dilma não vencer, poderão perder boquinhas preciosas.
A verdade é que os petistas nunca acreditaram na “democracia burguesa”, como disse um intelectual da USP — “Democracia é papo para enrolar o povo”. Não entenderam com suas doenças infantis que a democracia não é um meio, mas um fim em si mesmo; ou melhor, até entendem, mas não a querem. Eu já achei, no meu romantismo idiota, que eles pensavam utopicamente, com fins imaginários, mas nobres.
Não. Nada disso: tudo que querem é emprego, poder pelo poder e grana. Tudo que estão construindo, com a invejável fé militante que têm (viram, tucanos otários? ), é um novo patrimonialismo de Estado, com a desculpa de que, “em vez de burgueses mamando na viúva, nós, do povo, nela mamaremos”. E tudo isso em nome do “povo”, no raciocínio deslumbrado de Lula, lutando por si mesmo: “Eu sou do povo; logo, luto pelo povo”.
Hoje, vemos que esta euforia da petista no poder mesmo com 80% de Ibope, com a economia mundial enfiando dólares aqui, é um regresso ao passado. Alguma coisa essencial (que quase ninguém enxerga) está fazendo água no país, ou melhor, os furos já estão sendo feitos no navio que vai afundar mais tarde. O horror brasileiro está retomando sua forma inicial, como o rabo de um lagarto se recompondo. Já dá para ouvir a ouverture da ópera-bufa, a volta da tradicional maldição do “Mesmo”, a empada maldita de fisiologismo, de estamentos sindicalistas tomando fundos de pensão para transformá-los em instrumentos de corporativismo sindical. Tudo farão pelo “controle”, pelo Estado sindicalista, pois o que mais odeiam e temem é a sociedade criando um país dentro da democracia.
Neste momento que vivemos, com intelectuais fascinados pelo carisma midiático do governo (que acusa a oposição de sê-lo) FH escreveu um artigo essencial: “Para onde vamos?”.
Pronto. Começaram os xingamentos, pois ele exibiu a verdade sinistra do que os petistas estão zelosamente construindo para o futuro.
Cito: “O DNA do ‘autoritarismo popular’ vai minando o espírito da democracia constitucional.
(...) Devastados os partidos, se Dilma ganhar, sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão”. E mais: “Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido do governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados – eis o bloco subperonista que virá.” Acho que o artigo de FH é o diagnóstico de nosso momento. Xingam-no de “inveja”, “rancor” etc.... mas é na mosca. Dá medo pensar no que pode vir, a partir dos milhões que vão gastar em 2010 para manter o poder — só a campanha oficial está orçada em R$ 250 milhões.
No entanto, tenho esperança de que FH esteja errado.
Por duas razões: Primeiro, a economia mundial continuará injetando mutações no país, obrigando-o a se modernizar, para além desta política vagabunda tecida nas alianças corruptas.
A outra esperança é a famosa incompetência dos lulo-sindicalistas, que não conseguirão consolidar este plano ambicioso de um subperonismo. São uns trapalhões oportunistas.
O atraso nos livrará de mais-atraso. Ou seja: só a esculhambação nacional nos salvará do subperonismo. Se Deus quiser.
Tenho saudade de 94. O Plano Real tinha dado certo, o Brasil ganhou a Copa do Mundo, e foi eleito um presidente com palavras novas, da elite cultural progressista que sempre esteve fora do poder. FH venceu, apesar da inveja de seus colegas de Academia, e trouxe uma nova “agenda progressista”, que até então se resumira a um confuso sarapatel de “rupturas” revolucionárias, vagos sonhos operários, numa algaravia de conceitos leninistas, getulistas, terceiro-mundistas que nos levaram sempre a derrotas desde 1935 até 1968.
Além do Lula de 1980, com sua política sindical de resultados, uma primitiva socialdemocracia que fez de Lula um importante renovador político (depois cooptado pelos bolchevistas desempregados), a chegada de FH foi o único fato novo. Apesar das críticas mecanicistas que sofreu (“neoliberal”, submisso a Washington, aliado a ACM, etc.”...), nada apagou sua novidade: vitória sobre a inflação, a substituição da utopia pela “política do possível”, troca da ideia de “solução” por “processo”, busca de uma república democrática.
Pela primeira vez na vida, vi uma mudança séria no país, que hoje é destratada vergonhosamente pelos petistas. (Dilma disse ontem: “Na campanha vamos comparar 2002 com 2009!” — fingindo ignorar que tudo de bom que Lula herdou já estava feito e que o surto de inflação do final do mandato de FH veio pelo medo da vitória do Lula).FH chegara numa época propícia, depois do trauma da Era Collor, que nos dera fome de limpeza ética e de organização republicana.
Os aliados de FH (PFL, PMDB etc.) ainda estavam amedrontados depois da chuva de lixo do período Collor, e essa provisória timidez dos fisiológicos permitiu que FH usasse as alas mais “modernas” do Atraso” (oh... supremo oxímoro!...) para introduzir práticas renovadoras. Mas nada disso a velha academia percebeu — só a eleição de Lula foi saudada pelos velhos intelectuais como “verdadeira”, como uma injeção de “povo” no mundo “de elite”.
No entanto, os anos FH foram um saneamento básico, uma psicanálise do imaginário político, uma mudança fundamental de agenda, sem a qual estaríamos batendo panelas na rua. Ele deixou uma “herança bendita”, agora em plena desconstrução pelos lulo-pelegos.
No primeiro governo de Lula, o PT e seus teóricos queriam enfiar marxismo na “insuficiente democracia”. Deu no mensalão e outras práticas “revolucionárias”. Até que fomos salvos pelo Roberto Jefferson, o herói da “corrupção autocrítica”, que tirou os bolchevistas de circulação.
A importância da administração e das reformas internas, a importância de sutis articulações interpartidárias está sendo substituída pela truculência dos pelegos chegados ao poder, para consolidar empregos, pois sabem que, se Dilma não vencer, poderão perder boquinhas preciosas.
A verdade é que os petistas nunca acreditaram na “democracia burguesa”, como disse um intelectual da USP — “Democracia é papo para enrolar o povo”. Não entenderam com suas doenças infantis que a democracia não é um meio, mas um fim em si mesmo; ou melhor, até entendem, mas não a querem. Eu já achei, no meu romantismo idiota, que eles pensavam utopicamente, com fins imaginários, mas nobres.
Não. Nada disso: tudo que querem é emprego, poder pelo poder e grana. Tudo que estão construindo, com a invejável fé militante que têm (viram, tucanos otários? ), é um novo patrimonialismo de Estado, com a desculpa de que, “em vez de burgueses mamando na viúva, nós, do povo, nela mamaremos”. E tudo isso em nome do “povo”, no raciocínio deslumbrado de Lula, lutando por si mesmo: “Eu sou do povo; logo, luto pelo povo”.
Hoje, vemos que esta euforia da petista no poder mesmo com 80% de Ibope, com a economia mundial enfiando dólares aqui, é um regresso ao passado. Alguma coisa essencial (que quase ninguém enxerga) está fazendo água no país, ou melhor, os furos já estão sendo feitos no navio que vai afundar mais tarde. O horror brasileiro está retomando sua forma inicial, como o rabo de um lagarto se recompondo. Já dá para ouvir a ouverture da ópera-bufa, a volta da tradicional maldição do “Mesmo”, a empada maldita de fisiologismo, de estamentos sindicalistas tomando fundos de pensão para transformá-los em instrumentos de corporativismo sindical. Tudo farão pelo “controle”, pelo Estado sindicalista, pois o que mais odeiam e temem é a sociedade criando um país dentro da democracia.
Neste momento que vivemos, com intelectuais fascinados pelo carisma midiático do governo (que acusa a oposição de sê-lo) FH escreveu um artigo essencial: “Para onde vamos?”.
Pronto. Começaram os xingamentos, pois ele exibiu a verdade sinistra do que os petistas estão zelosamente construindo para o futuro.
Cito: “O DNA do ‘autoritarismo popular’ vai minando o espírito da democracia constitucional.
(...) Devastados os partidos, se Dilma ganhar, sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão”. E mais: “Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido do governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados – eis o bloco subperonista que virá.” Acho que o artigo de FH é o diagnóstico de nosso momento. Xingam-no de “inveja”, “rancor” etc.... mas é na mosca. Dá medo pensar no que pode vir, a partir dos milhões que vão gastar em 2010 para manter o poder — só a campanha oficial está orçada em R$ 250 milhões.
No entanto, tenho esperança de que FH esteja errado.
Por duas razões: Primeiro, a economia mundial continuará injetando mutações no país, obrigando-o a se modernizar, para além desta política vagabunda tecida nas alianças corruptas.
A outra esperança é a famosa incompetência dos lulo-sindicalistas, que não conseguirão consolidar este plano ambicioso de um subperonismo. São uns trapalhões oportunistas.
O atraso nos livrará de mais-atraso. Ou seja: só a esculhambação nacional nos salvará do subperonismo. Se Deus quiser.
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