sábado, 13 de fevereiro de 2010

No seu devido lugar - Editorial

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A prisão preventiva do governador do Distrito Federal (DF), José Roberto Arruda, não foi apenas um evento sem precedentes no Brasil democrático - o que, por si só, inscreve na história das instituições nacionais a corajosa decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Foi também, para os padrões brasileiros, um raro exemplo de celeridade na defesa do interesse público. Apenas sete dias transcorreram entre a prisão de um cupincha de Arruda, flagrado numa tentativa de suborno em favor do chefe, na quinta-feira da semana passada, e o ato do STJ. O flagrante levou a OAB, na terça seguinte, a pedir ao Ministério Público Federal que requeresse a medida. O requerimento foi encaminhado ao ministro Fernando Gonçalves, relator do inquérito que investiga o "mensalão do DEM" (alusão ao partido a que Arruda era filiado), ou "panetonegate" (referência à alegação do governador de que se destinavam à compra do doce para distribuir aos pobres os R$ 50 mil que foi filmado embolsando).

Uma hora depois de receber o documento no qual o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e a sua colega Raquel Dodge sustentavam que Arruda e os seus paus-mandados se empenhavam em descarrilar as investigações em curso contra eles, Gonçalves acionou o presidente do STJ, Cesar Asfor Rocha, para que convocasse a Corte Especial, formada pelos 14 membros mais antigos do tribunal. Nada menos de 12 deles votaram a favor do pedido de prisão do governador e outros cinco cúmplices para impedir que "a organização criminosa instalada no governo do Distrito Federal" continuasse a tentar apagar os vestígios dos crimes cometidos, como assinalou o relator. Arruda, previsivelmente, se apresenta como vítima de "denúncias torpemente preparadas" e diz considerar "absurda" a decisão judicial. Ontem, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou o habeas corpus solicitado pelos advogados do governador.

Na realidade, o que motivou a sua prisão foi apenas o mais recente episódio do mais documentado escândalo de corrupção no Brasil. A caixa de Pandora - nome da operação da Polícia Federal (PF) para apurar pagamentos de propina a deputados distritais com recursos vindos de empresas com contratos com o governo local - estava escancarada graças aos vídeos do ex-delegado Durval Barbosa, então secretário de Arruda. O mais popular deles há de ter sido o protagonizado pelo presidente da Câmara Distrital, Leonardo Prudente, enfurnando dinheiro na meia. No último dia 4, o conselheiro do metrô do DF, Antonio Bento da Silva, foi preso ao entregar R$ 200 mil ao jornalista Edmilson Edson dos Santos, o Sombra, amigo de Durval Barbosa e uma das testemunhas do escândalo, para que mudasse o seu depoimento incriminador. Bento revelou que a iniciativa do suborno partiu de Rodrigo Arantes, sobrinho e secretário particular do governador - obviamente a mando deste.

O lodaçal no Distrito Federal não se formou com Arruda. Nesse reduto de aventureiros - passados meio século da transferência da capital e 20 anos da obtenção de sua autonomia política -, as máfias do dinheiro e do poder se aliam ou se digladiam com uma desenvoltura explicável apenas pela impunidade de seus capi e capangas. A exposição dos podres de Arruda resultou da sua ambição de se tornar o herdeiro prematuro do chefão a quem servia, o arquipopulista Joaquim Roriz, duas vezes governador e aspirante a um novo mandato este ano. Com matéria-prima sonante, Roriz construiu um dos mais eficientes sistemas de patronagem política do Brasil atual. Perto dele, Arruda é um amador. Fazer o quê? O procurador-geral da República pediu ao Supremo a intervenção federal no DF. É tudo o que o presidente Lula, a quem caberia designar o interventor, não quer. Para ele, nada deve conturbar este ano o panorama político e, por tabela, a campanha de Dilma Rousseff.

Isso explica por que Lula lamentou a prisão de Arruda e orientou a PF a tratá-lo com deferência.

"A situação", avaliou, "não é boa para a consciência política brasileira", seja lá o que queira dizer com isso. O protetor dos seus próprios mensaleiros afirmou que só "um sádico" poderia ficar feliz com a decisão do STJ. É outro disparate. Saudou-se a prisão de Arruda porque a Justiça fez o que era necessário. Em sentido literal e figurado, pôs um malfeitor político no seu devido lugar.

Se tivesse agido assim antes, certamente Arruda não teria ousado o que ousou.

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