DEU NO VALOR ECONÔMICO
A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Israel, que marca o início desta semana, é uma empreitada de certo risco. Da mesma forma que será arriscada a visita ao Irã, prevista para maio. O perigo mais imediato está nas declarações do presidente, que tem se esmerado em falas desastradas (ou mesmo desastrosas) nas últimas semanas. Como tanto Israel como o Irã são países de ações controvertidas em sua política externa e, por conseguinte, envolvidos em relações conflituosas com outros membros da comunidade internacional, qualquer novo deslize verbal de Lula poderá contribuir ainda mais para o desgaste a que a imagem internacional do Brasil - e, sobretudo, do presidente - foi submetida nos últimos dias.Flertando com o abismo, Lula arriscou-se em sua chegada a Israel e optou por discursar de improviso, ao lado do presidente Shimon Peres.Pelo tom de voz ameno e pausado que adotou, parecia estar medindo as palavras. Tomara que continue assim, mas seria recomendável optar por discursos lidos em visitas cercadas de temas tão delicados.
Pode-se ter uma medida do tamanho dos problemas que o presidente enfrentaria no caso de nova derrapada com base no efeito das últimas declarações de Lula sobre Cuba: uma avalanche de críticas, tremendamente negativas. As declarações acerca da autocracia caribenha, aliás, devem ser separada sem dois momentos diferentes. O primeiro deles foi a reação do presidente brasileiro aos questionamentos que recebeu quando aportou na ditadura castrista e foi inquirido, de chofre, sobre a situação dos dissidentes e a morte de Orlando Zapata. Naquela ocasião, o presidente brasileiro procurou driblar a situação embaraçosa, referendando o posicionamento do dinasta Raúl Castro, que lastimou a morte do opositor. Como apontei em minha coluna de 2 de março ("Lula e Cuba";http://www.valoronline.com.br/?impresso/politica/99/6134163/lula-e-cuba),neste caso específico seria difícil de se esperar de qualquer autoridade estrangeira em visita à ilha castrista uma declaração condenatória.
Houve um segundo momento, todavia, muito distinto do primeiro. Foi quando o presidente brasileiro comparou os presos de consciência em greve de fome a criminosos comuns: "Eu não acho que uma greve de fome possa ser usada como pretexto humanitário para a libertação de prisioneiros.Imagine se todos os detentos de São Paulo entrassem em greve de fome para exigir liberdade". Ao proferir essa declaração Lula não somente traiu a sua própria história de ex-preso político de uma ditadura, mas abalou a construção de uma proeminente projeção internacional para a qual essa mesmíssima história é o insumo principal. Tal abalo não é atenuado pelo fato de a trapalhada decorrer não de suas convicções mais arraigadas, mas de sua precariedade intelectual, como bem diagnostica Fábio Wanderley Reis em sua coluna desta segunda-feira ("Engrossando ocoro").Aprofundemos este ponto.
Tanto a imprensa internacional quanto diplomatas estrangeiros com os quais se conversa apontam que durante o governo Lula houve um aumento da importância do Brasil no cenário mundial. Esse ganho de relevância se deve a quatro fatores: (1) a consolidação da economia brasileira como potência emergente (ressaltada em recente reportagem de capa da revista"The Economist"); (2) a posição politicamente moderada do Brasil, maior país da América Latina, num contexto regional apinhado de governos radicais (como Chávez, Morales, Correa e, em menor medida, Kirchner);(3) o maior ativismo do Brasil nos fóruns internacionais (liderando países do "sul" em agrupamentos como o G-20); (4) a figura singular de Lula, que por seu carisma e, sobretudo, por sua trajetória de vida notável (do pau de arara à Presidência), fez por merecer especial deferência da opinião pública internacional.
O primeiro e o segundo fatores devem permanecer, qualquer que seja o próximo governante. O terceiro pode ou não ser mantido, a depender de quem ganhar as próximas eleições. Já o quarto fator é indissociável da pessoa do atual presidente e é ele, especificamente (ainda que reforçado pelos outros três aspectos), que catapultou Lula para uma posição de destaque na cena internacional - bem mais proeminente do que implicaria seu próprio mandato de chefe de Estado num país das dimensões do Brasil. Sair da pobreza e chegar à Presidência ajuda;contudo, não é o único ponto - até porque, há um elemento estritamente político que é decisivo nesse caso: o papel histórico desempenhado por Lula como um líder dos mais pobres e dos politicamente oprimidos, que enfrentou uma ditadura, sendo até mesmo por ela encarcerado em decorrência de sua luta. Isso assemelha sua trajetória à de Nelson Mandela, assim como aproximara, no passado, à de Lech Walesa. Ou seja,a construção internacional da figura de Lula como um líder destacado não se deve apenas ao que ele faz na Presidência da República, mas,primordialmente, ao que fez - e o que sofreu - antes de conquistá-la.
Em virtude disso, ao assumir a defesa da autocracia cubana sob a camuflagem do respeito à soberania nacional daquele país, rebaixando presos políticos que se opõem a uma ditadura à condição dedelinquentes, Lula rebaixa seu próprio passado e, consequentemente,compromete seu futuro como líder global. Afinal, que sentido há em dignificar uma liderança em função de qualidades que ela mesma faz questão de escarnecer? Desse modo, ao que indicam as reações mundo afora, o presidente brasileiro sai desse episódio bem menor do que entrou. As cogitações em torno de uma futura atuação em organismos internacionais, como o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas,antes aventadas, deverão entrar num período de recesso ou mesmo de questionamento.
Entretanto,perdas políticas significativas desse episódio tendem a ficar restritas ao front externo. No Brasil, tradicionalmente, a política externa é tema ausente do processo eleitoral e isso não deverá mudar este ano,ainda que a oposição venha a se esforçar por fazê-lo, trazendo à baila as deploráveis declarações do presidente. O debate em torno desse assunto e a indignação com a declaração de Lula tendem a transcorrer unicamente entre os setores mais informados da população e os porta-vozes da opinião pública. Mas não serão estes que decidirão a eleição.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP. O titular da coluna, Raymundo Costa, está em férias
A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Israel, que marca o início desta semana, é uma empreitada de certo risco. Da mesma forma que será arriscada a visita ao Irã, prevista para maio. O perigo mais imediato está nas declarações do presidente, que tem se esmerado em falas desastradas (ou mesmo desastrosas) nas últimas semanas. Como tanto Israel como o Irã são países de ações controvertidas em sua política externa e, por conseguinte, envolvidos em relações conflituosas com outros membros da comunidade internacional, qualquer novo deslize verbal de Lula poderá contribuir ainda mais para o desgaste a que a imagem internacional do Brasil - e, sobretudo, do presidente - foi submetida nos últimos dias.Flertando com o abismo, Lula arriscou-se em sua chegada a Israel e optou por discursar de improviso, ao lado do presidente Shimon Peres.Pelo tom de voz ameno e pausado que adotou, parecia estar medindo as palavras. Tomara que continue assim, mas seria recomendável optar por discursos lidos em visitas cercadas de temas tão delicados.
Pode-se ter uma medida do tamanho dos problemas que o presidente enfrentaria no caso de nova derrapada com base no efeito das últimas declarações de Lula sobre Cuba: uma avalanche de críticas, tremendamente negativas. As declarações acerca da autocracia caribenha, aliás, devem ser separada sem dois momentos diferentes. O primeiro deles foi a reação do presidente brasileiro aos questionamentos que recebeu quando aportou na ditadura castrista e foi inquirido, de chofre, sobre a situação dos dissidentes e a morte de Orlando Zapata. Naquela ocasião, o presidente brasileiro procurou driblar a situação embaraçosa, referendando o posicionamento do dinasta Raúl Castro, que lastimou a morte do opositor. Como apontei em minha coluna de 2 de março ("Lula e Cuba";http://www.valoronline.com.br/?impresso/politica/99/6134163/lula-e-cuba),neste caso específico seria difícil de se esperar de qualquer autoridade estrangeira em visita à ilha castrista uma declaração condenatória.
Houve um segundo momento, todavia, muito distinto do primeiro. Foi quando o presidente brasileiro comparou os presos de consciência em greve de fome a criminosos comuns: "Eu não acho que uma greve de fome possa ser usada como pretexto humanitário para a libertação de prisioneiros.Imagine se todos os detentos de São Paulo entrassem em greve de fome para exigir liberdade". Ao proferir essa declaração Lula não somente traiu a sua própria história de ex-preso político de uma ditadura, mas abalou a construção de uma proeminente projeção internacional para a qual essa mesmíssima história é o insumo principal. Tal abalo não é atenuado pelo fato de a trapalhada decorrer não de suas convicções mais arraigadas, mas de sua precariedade intelectual, como bem diagnostica Fábio Wanderley Reis em sua coluna desta segunda-feira ("Engrossando ocoro").Aprofundemos este ponto.
Tanto a imprensa internacional quanto diplomatas estrangeiros com os quais se conversa apontam que durante o governo Lula houve um aumento da importância do Brasil no cenário mundial. Esse ganho de relevância se deve a quatro fatores: (1) a consolidação da economia brasileira como potência emergente (ressaltada em recente reportagem de capa da revista"The Economist"); (2) a posição politicamente moderada do Brasil, maior país da América Latina, num contexto regional apinhado de governos radicais (como Chávez, Morales, Correa e, em menor medida, Kirchner);(3) o maior ativismo do Brasil nos fóruns internacionais (liderando países do "sul" em agrupamentos como o G-20); (4) a figura singular de Lula, que por seu carisma e, sobretudo, por sua trajetória de vida notável (do pau de arara à Presidência), fez por merecer especial deferência da opinião pública internacional.
O primeiro e o segundo fatores devem permanecer, qualquer que seja o próximo governante. O terceiro pode ou não ser mantido, a depender de quem ganhar as próximas eleições. Já o quarto fator é indissociável da pessoa do atual presidente e é ele, especificamente (ainda que reforçado pelos outros três aspectos), que catapultou Lula para uma posição de destaque na cena internacional - bem mais proeminente do que implicaria seu próprio mandato de chefe de Estado num país das dimensões do Brasil. Sair da pobreza e chegar à Presidência ajuda;contudo, não é o único ponto - até porque, há um elemento estritamente político que é decisivo nesse caso: o papel histórico desempenhado por Lula como um líder dos mais pobres e dos politicamente oprimidos, que enfrentou uma ditadura, sendo até mesmo por ela encarcerado em decorrência de sua luta. Isso assemelha sua trajetória à de Nelson Mandela, assim como aproximara, no passado, à de Lech Walesa. Ou seja,a construção internacional da figura de Lula como um líder destacado não se deve apenas ao que ele faz na Presidência da República, mas,primordialmente, ao que fez - e o que sofreu - antes de conquistá-la.
Em virtude disso, ao assumir a defesa da autocracia cubana sob a camuflagem do respeito à soberania nacional daquele país, rebaixando presos políticos que se opõem a uma ditadura à condição dedelinquentes, Lula rebaixa seu próprio passado e, consequentemente,compromete seu futuro como líder global. Afinal, que sentido há em dignificar uma liderança em função de qualidades que ela mesma faz questão de escarnecer? Desse modo, ao que indicam as reações mundo afora, o presidente brasileiro sai desse episódio bem menor do que entrou. As cogitações em torno de uma futura atuação em organismos internacionais, como o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas,antes aventadas, deverão entrar num período de recesso ou mesmo de questionamento.
Entretanto,perdas políticas significativas desse episódio tendem a ficar restritas ao front externo. No Brasil, tradicionalmente, a política externa é tema ausente do processo eleitoral e isso não deverá mudar este ano,ainda que a oposição venha a se esforçar por fazê-lo, trazendo à baila as deploráveis declarações do presidente. O debate em torno desse assunto e a indignação com a declaração de Lula tendem a transcorrer unicamente entre os setores mais informados da população e os porta-vozes da opinião pública. Mas não serão estes que decidirão a eleição.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP. O titular da coluna, Raymundo Costa, está em férias
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