DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Não é a primeira vez que o País vive momento de euforia. Foco agora é a busca da competitividade
Raquel Landim / SÃO PAULO, Fernando Dantas / RIO
Pela primeira vez, desde a redemocratização, "consertar" uma economia doente não é a prioridade de nenhum dos candidatos a presidente. Na verdade, mesmo com as queixas de um ou outro presidenciável sobre câmbio valorizado ou déficit externo, o fato é que o desempenho econômico brasileiro, que foi o grande vilão dos debates eleitorais nas últimas décadas, tornou-se agora o herói. A discussão não é sobre como mudar o time que está ganhando, mas sim como prolongar ao máximo, e dar sustentabilidade, ao ciclo de crescimento com estabilidade, baixa inflação e criação de milhões de postos de trabalho iniciado em 2004. Ou, melhor ainda, como aumentar a competitividade, para acelerar ainda mais a economia.
O foco do debate sai, portanto, dos temas de curto prazo, como inflação e juros, já que nenhum dos principais candidatos considera mexer no tripé macroeconômico: meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Agora o holofote está - ou deveria estar - nas questões de longo prazo, como infraestrutura, papel do Estado, qualidade da força de trabalho, poupança pública, financiamento do investimento, pesquisa e inovação.
"A estabilidade alcançada pelo Brasil e consolidada na alternância de poder nos permite olhar para o futuro pela primeira vez em muito tempo", observa o economista Eduardo Giannetti da Fonseca. Mas ele alerta que é preciso saber "quais são as reais questões de longo prazo".
Incêndios. Essa preocupação esteve em segundo plano na série de eleições presidenciais desde 1989, nas quais as receitas para apagar incêndios de curtíssimo prazo quase sempre davam a tônica. Da hiperinflação em 1989 (que resultou no malfadado Plano Collor) ao debate sobre o crescimento "voo de galinha" em 2006, a premência do dia a dia sempre jogou para escanteio o debate econômico mais estrutural e profundo.
Já nestas eleições de 2010, o Brasil tornou-se um dos principais focos globais dos investidores, e a economia produz boas notícias quase diariamente. Assim, os candidatos só fugirão do debate de longo prazo se o eleitorado, entorpecido pelo bem-estar proporcionado pelo crescimento, não cobrar estratégias claras para transformar a arrancada em um longo ciclo de expansão.
Para alguns dos principais economistas do Brasil, ouvidos pelo Estado, é justamente esse risco de "complacência" a maior ameaça ao bom momento econômico do País. O consenso, porém, termina por aí. Enquanto uma ala de especialistas acha que o perigo está numa expansão excessiva do setor público - e veem no segundo mandato de Lula um ensaio dessa tendência -, um outro grupo defende justamente a ampliação e o reforço do papel do Estado.
O coordenador do grupo de indústria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), David Kupfer, por exemplo, considera fundamental a presença de um Estado "capaz de pensar o longo prazo e que tenha visão estratégica". Para o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, "sem um Estado indutor, não há crescimento".
Na opinião de ambos, a ação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é fundamental para dar escala e capacidade de competição internacional às empresas brasileiras.
Já o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore vê com preocupação a tendência de estatização dos últimos anos do governo Lula. "Como o Brasil saiu rapidamente da crise, parece que tiraram a conclusão de que essas políticas sempre produzem crescimento acelerado", ele diz, referindo-se aos estímulos fiscais (redução de tributos e aumento de despesa pública) e à ampliação do crédito dos bancos estatais na esteira da grande turbulência global.
Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, vai mais longe na crítica à política econômica do segundo mandato de Lula. Para ele, o governo está criando, por meio do BNDES, "um sistema estatal de compadrio", pelo qual "empresas são beneficiadas em troca de apoio financeiro aos políticos".
Agenda micro. Outro tema importante da estratégia de longo prazo de crescimento da economia, que até agora não apareceu no debate eleitoral, é a chamada "agenda microeconômica". É assim que ficou conhecida a série de reformas dos mercados de crédito e do ambiente de negócios realizada no início do governo Lula, quando o ministro da Fazenda era Antônio Palocci. Algumas dessas mudanças levaram à criação do crédito consignado, à expansão do crédito imobiliário e à redução das falências. Medidas que permitiram ao Brasil o boom de consumo dos últimos anos, que resistiu, até mesmo, à crise global (e ajudou o País a superá-la).
Para Marcos Lisboa, vice-presidente do Itaú Unibanco, e principal responsável pela agenda microeconômica da era Palocci, a principal reforma institucional para o Brasil hoje seria definir as atribuições do setor público e dos órgãos de controle, de tal forma que o investimento público não fosse obstruído por uma virtual necessidade de ser aprovado por unanimidade por todas as partes envolvidas direta ou indiretamente.
Poupança. Do ponto de vista macroeconômico, o grande problema atual do Brasil é a baixa capacidade de poupança (atribuída ao Estado "gastador" pelos mais liberais). Uma economia precisa poupar e investir o que economizou para consumir mais no futuro. A taxa de investimento brasileira está em 19% do PIB e um dos maiores desafios é elevá-la para 22% a 25%. Sem poupança interna, esse investimento será financiado por capital estrangeiro, o que equivale a produzir déficits em conta corrente - problema que atormentou o País na década de 90 e está de volta.
Segundo o presidente do Insper, Claudio Haddad, a política fiscal está "erroneamente" fora do debate eleitoral em 2010. "Por medo ou conveniência, ninguém fala. Não querem falar em reduzir aposentadoria e muito menos em cortar o Bolsa-Família. Não se metem nisso."
Mão de obra. Uma última questão de longo prazo é o capital humano, já que a falta de mão de obra qualificada é um dos gargalos do País. Só recentemente o governo conseguiu colocar todas as crianças na escola, mas a qualidade ainda é sofrível. O Brasil ocupa sistematicamente uma das piores colocações no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). José Márcio Camargo, professor de Economia da PUC-Rio, afirma que a educação é essencial se o País quiser exportar produtos de maior valor tecnológico. "Não dá para competir sem isso."
1989: Estabilização
O Brasil teve sua primeira eleição pós-ditadura. Sentiam-se os efeitos do endividamento deixado pela ditadura militar. No governo Sarney, o Brasil enfrentou sucessivos planos frustrados de estabilização
1994: Inflação
Não é a primeira vez que o País vive momento de euforia. Foco agora é a busca da competitividade
Raquel Landim / SÃO PAULO, Fernando Dantas / RIO
Pela primeira vez, desde a redemocratização, "consertar" uma economia doente não é a prioridade de nenhum dos candidatos a presidente. Na verdade, mesmo com as queixas de um ou outro presidenciável sobre câmbio valorizado ou déficit externo, o fato é que o desempenho econômico brasileiro, que foi o grande vilão dos debates eleitorais nas últimas décadas, tornou-se agora o herói. A discussão não é sobre como mudar o time que está ganhando, mas sim como prolongar ao máximo, e dar sustentabilidade, ao ciclo de crescimento com estabilidade, baixa inflação e criação de milhões de postos de trabalho iniciado em 2004. Ou, melhor ainda, como aumentar a competitividade, para acelerar ainda mais a economia.
O foco do debate sai, portanto, dos temas de curto prazo, como inflação e juros, já que nenhum dos principais candidatos considera mexer no tripé macroeconômico: meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Agora o holofote está - ou deveria estar - nas questões de longo prazo, como infraestrutura, papel do Estado, qualidade da força de trabalho, poupança pública, financiamento do investimento, pesquisa e inovação.
"A estabilidade alcançada pelo Brasil e consolidada na alternância de poder nos permite olhar para o futuro pela primeira vez em muito tempo", observa o economista Eduardo Giannetti da Fonseca. Mas ele alerta que é preciso saber "quais são as reais questões de longo prazo".
Incêndios. Essa preocupação esteve em segundo plano na série de eleições presidenciais desde 1989, nas quais as receitas para apagar incêndios de curtíssimo prazo quase sempre davam a tônica. Da hiperinflação em 1989 (que resultou no malfadado Plano Collor) ao debate sobre o crescimento "voo de galinha" em 2006, a premência do dia a dia sempre jogou para escanteio o debate econômico mais estrutural e profundo.
Já nestas eleições de 2010, o Brasil tornou-se um dos principais focos globais dos investidores, e a economia produz boas notícias quase diariamente. Assim, os candidatos só fugirão do debate de longo prazo se o eleitorado, entorpecido pelo bem-estar proporcionado pelo crescimento, não cobrar estratégias claras para transformar a arrancada em um longo ciclo de expansão.
Para alguns dos principais economistas do Brasil, ouvidos pelo Estado, é justamente esse risco de "complacência" a maior ameaça ao bom momento econômico do País. O consenso, porém, termina por aí. Enquanto uma ala de especialistas acha que o perigo está numa expansão excessiva do setor público - e veem no segundo mandato de Lula um ensaio dessa tendência -, um outro grupo defende justamente a ampliação e o reforço do papel do Estado.
O coordenador do grupo de indústria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), David Kupfer, por exemplo, considera fundamental a presença de um Estado "capaz de pensar o longo prazo e que tenha visão estratégica". Para o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, "sem um Estado indutor, não há crescimento".
Na opinião de ambos, a ação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é fundamental para dar escala e capacidade de competição internacional às empresas brasileiras.
Já o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore vê com preocupação a tendência de estatização dos últimos anos do governo Lula. "Como o Brasil saiu rapidamente da crise, parece que tiraram a conclusão de que essas políticas sempre produzem crescimento acelerado", ele diz, referindo-se aos estímulos fiscais (redução de tributos e aumento de despesa pública) e à ampliação do crédito dos bancos estatais na esteira da grande turbulência global.
Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, vai mais longe na crítica à política econômica do segundo mandato de Lula. Para ele, o governo está criando, por meio do BNDES, "um sistema estatal de compadrio", pelo qual "empresas são beneficiadas em troca de apoio financeiro aos políticos".
Agenda micro. Outro tema importante da estratégia de longo prazo de crescimento da economia, que até agora não apareceu no debate eleitoral, é a chamada "agenda microeconômica". É assim que ficou conhecida a série de reformas dos mercados de crédito e do ambiente de negócios realizada no início do governo Lula, quando o ministro da Fazenda era Antônio Palocci. Algumas dessas mudanças levaram à criação do crédito consignado, à expansão do crédito imobiliário e à redução das falências. Medidas que permitiram ao Brasil o boom de consumo dos últimos anos, que resistiu, até mesmo, à crise global (e ajudou o País a superá-la).
Para Marcos Lisboa, vice-presidente do Itaú Unibanco, e principal responsável pela agenda microeconômica da era Palocci, a principal reforma institucional para o Brasil hoje seria definir as atribuições do setor público e dos órgãos de controle, de tal forma que o investimento público não fosse obstruído por uma virtual necessidade de ser aprovado por unanimidade por todas as partes envolvidas direta ou indiretamente.
Poupança. Do ponto de vista macroeconômico, o grande problema atual do Brasil é a baixa capacidade de poupança (atribuída ao Estado "gastador" pelos mais liberais). Uma economia precisa poupar e investir o que economizou para consumir mais no futuro. A taxa de investimento brasileira está em 19% do PIB e um dos maiores desafios é elevá-la para 22% a 25%. Sem poupança interna, esse investimento será financiado por capital estrangeiro, o que equivale a produzir déficits em conta corrente - problema que atormentou o País na década de 90 e está de volta.
Segundo o presidente do Insper, Claudio Haddad, a política fiscal está "erroneamente" fora do debate eleitoral em 2010. "Por medo ou conveniência, ninguém fala. Não querem falar em reduzir aposentadoria e muito menos em cortar o Bolsa-Família. Não se metem nisso."
Mão de obra. Uma última questão de longo prazo é o capital humano, já que a falta de mão de obra qualificada é um dos gargalos do País. Só recentemente o governo conseguiu colocar todas as crianças na escola, mas a qualidade ainda é sofrível. O Brasil ocupa sistematicamente uma das piores colocações no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). José Márcio Camargo, professor de Economia da PUC-Rio, afirma que a educação é essencial se o País quiser exportar produtos de maior valor tecnológico. "Não dá para competir sem isso."
1989: Estabilização
O Brasil teve sua primeira eleição pós-ditadura. Sentiam-se os efeitos do endividamento deixado pela ditadura militar. No governo Sarney, o Brasil enfrentou sucessivos planos frustrados de estabilização
1994: Inflação
O Plano Real acabava de ser lançado e prometia tirar o Brasil da hiperinflação. Foi fundamental para a vitória de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O PT, de Lula, dizia que o Plano Real não daria certo
1998: Câmbio
A "âncora cambial" foi o tema mais quente da eleição. FHC foi acusado pela oposição de manter o real artificialmente fixo ao dólar para ganhar a eleição. Começa o debate sobre o impacto do câmbio forte no desempenho da indústria
2002: Crescimento
Com a chegada de Lula ao poder, o real sofreu forte desvalorização e a inflação ameaçou disparar. Pela primeira vez, aparece o debate sobre o crescimento. O último governo FHC enfrentou seguidas crises internacionais
2006: Crescimento sustentável
Com a estabilidade relativamente garantida pelo câmbio flutuante e o sistema de metas de inflação, o PIB teve avanços. Mas ainda persistiam temores do "voo de galinha". Como garantir a sustentabilidade do crescimento?
2010: Competitividade
É a primeira eleição com estabilidade econômica em meio a um período de crescimento. A discussão é de longo prazo. Como aumentar a taxa de investimento e de poupança da economia brasileira? Como melhorar o ambiente de negócios?
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