Na avaliação de especialistas, dados do Censo 2010 retratam defasagem entre evoluções e problemas da sociedade e prioridades dos partidos
Gabriel Manzano
O Brasil tem hoje uma sociedade dinâmica, que está levando adiante uma importante revolução comportamental, e o mundo político se move como se nada estivesse ocorrendo. No dia a dia, os políticos falam de um País que não existe mais. Esse contraste, na avaliação de estudiosos, é um dos eixos centrais do relatório preliminar do Censo 2010, divulgado anteontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
"O novo Censo, que revelou a persistência de tantas desigualdades, mostra que nossa classe política não tem visão de futuro nem das urgências e dos gargalos", resume o cientista político Aldo Fornazieri, da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Vão na mesma direção outros especialistas ouvidos pelo Estado. "Vivemos uma revolução no comportamento da sociedade e os políticos agem como se o País fosse o mesmo do passado", acrescenta Maria Celina d"Araújo, cientista política e professora da PUC-Rio. Ilustram essas mudanças dados do Censo 2010 como a redução da taxa de fecundidade - que em 10 anos caiu de 2,38 para 1,86 filho por mulher. Ou, ainda, os 36% de casamentos que são uniões consensuais, sem igreja nem cartório. "Não só a mulher mudou, a família também mudou. Saúde, educação e direitos sociais têm de ser adaptados a novos cenários e não vemos gente discutindo isso", afirma a professora.
Como eles, Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise, lembra que o avanço social tão comemorado foi menor que o que se apregoa. "Os partidos capitalizaram de modo exagerado. As desigualdades continuam, e graves, como já havia apontado o IDH divulgado pelo Pnud", diz ele.
É por fatos assim que Fornazieri entende o Censo 2010 como "um alerta para a classe política". Primeiro, porque os avanços sociais vão numa velocidadelenta demais. Depois, porque o bem-estar de agora tem prazo de validade: o Brasil vive hoje o chamado bônus demográfico - um momento em que há mais gente entrando no mercado e contribuindo para a Previdência, e pouca gente se aposentando.
"Esta é a hora de dar o pulo do gato e não estamos fazendo isso", adverte, dizendo-se "assustado com a falta desse sentido de urgência". Dentro de três décadas "esse bônus desaparece, a despesa aumenta muito e o futuro começará a ficar mais complicado".
Pressões. Os gargalos apontados pelo IBGE, segundo os três, deveriam preocupar os partidos. "Daqui para a frente, o eleitorado vai querer mais. Uma vez instaladas, as novas classes em ascensão vão reivindicar qualidade de vida. Isso pressupõe gerência, melhor atendimento, não só recursos", resume Almeida. Maria Celina lembra que a oposição teria à sua disposição "números confiáveis para mostrar que as políticas adotadas não foram consistentes". Fornazieri lembra, também, que é essencial e inadiável uma revolução educacional. "Sem ela o País não alcança um equilíbrio interno. E este é condição básica para uma democracia realmente sólida", diz ele.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
Nenhum comentário:
Postar um comentário