Nada justifica a crise desencadeada pela troca de acusações entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com reflexos negativos entre os jurisdicionados, incapazes de compreender o que se passa entre respeitáveis integrantes do Poder Judiciário. O STF nasceu na Constituição de 1891. O CNJ é jovem, de 2004, produto da Emenda nº 45 ,destinada a reformar o Judiciário.
O CNJ não é fruto do acaso. Resultou de anseio popular — como no caso da Lei da Ficha Limpa — após escândalos que abalavam os alicerces do poder. Casos de corrupção, cujo ápice foi atingido com o criminoso desvio de dinheiro na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, aliados à proverbial morosidade, mobilizaram a opinião pública e obrigaram o Congresso Nacional a se movimentar, com a retomada da ideia de controle externo da magistratura.
A leitura do art. 92 da Constituição revela que STF e CNJ se encontram em plano de igualdade gráfica. Segundo o mencionado dispositivo, são órgãos do Judiciário: I – o Supremo Tribunal Federal, e I-A o Conselho Nacional de Justiça. Seguem-se os demais tribunais, com o STJ — Superior Tribunal de Justiça mantido no inciso II.
Ao Congresso Nacional seria simples conservar o STF como primeiro, conferir ao CNJ o segundo posto e deslocar o STJ para o terceiro. Se assim não fez foi para deixar claro que STF e CNJ se encontram em posições paralelas dentro do Judiciário, dotados, todavia, de atribuições distintas. Ao STF cabe, precipuamente, zelar pela guarda da Constituição, conhecendo e julgando ações diretas e declaratórias de inconstitucionalidade (art. 102, I). Ao CNJ, desprovido de competência jurisdicional, o encargo de exercer "o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário" e zelar pelo respeito aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, sobre os quais se assenta a administração pública (art. 103-B, § 4º).
Para deixar nítida a paridade de posições, a Seção II, do Capítulo III, do Título IV da Lei Superior, trata, conjuntamente, do STF (arts. 101 a 103-A), e do CNJ (art. 103-B). Os demais órgãos acham-se distribuídos entre as restantes seções. Trata-se o Conselho não de órgão de fiscalização interna, como as corregedorias, mas de fiscalização simultaneamente interna e externa, caracterizada pela presença, lado a lado, de ministros e juízes, do Ministério Público, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e dois cidadãos de notório saber jurídico e reputação ilibada, designados pela Câmara dos Deputados e Senado.
Andou bem a Emenda 45 ao colocar sob o raio de ação do CNJ todo o Poder Judiciário, sem excepcionar nenhum? Consumado o fato, a esta altura de pouco valem eventuais objeções, pois o que está feito está feito. Não nos vemos diante de lei complementar ou ordinária, mas de norma constitucional promulgada.
Sob o "controle da atuação administrativa e financeira" se acham, desde graves ministros até desconhecidos juízes de remotas comarcas. Excluídos unicamente os tribunais de contas, por não serem judiciários, mas extensões de poderes legislativos.
Além de 15 membros efetivos, o CNJ concentra numeroso quadro de assessores e servidores. Para mantê-lo, o erário suporta gastos elevados, com vencimentos, diárias, passagens, instalações, equipamentos, material de consumo. Retirar-lhe competências que a Constituição concede, para reduzi-lo à condição de mero coadjuvante, significa desconhecer-lhe as raízes, razão de ser e, sobretudo, fazer-se de cego diante da limpidez dos textos.
No âmbito do regime democrático, ninguém, no desempenho de cargo ou função pública, é titular de poderes e direitos absolutos. O presidente da República encontra-se sujeito à prestação de contas e deve governar atento à Lei Superior para não incidir em crime de responsabilidade. Outro tanto sucede com integrantes da Câmara dos Deputados e Senado. Sujeitar-se à correição não é vergonhoso. Vergonha haverá se condenado por conduta criminosa. O CNJ está aí para ficar. Cabe-nos, agora, como jurisdicionados, e em nome da república democrática, defender-lhe as prerrogativas como instrumento eficiente de fiscalização.
Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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