segunda-feira, 5 de maio de 2014

Luiz Carlos Azedo: A encruzilhada

- Correio Braziliense

Um dos acontecimentos mais extraordinários do século passado, a I Guerra Mundial (1914-1918), que completará 100 anos em junho, foi uma carnificina monstruosa. Dos 60 milhões de soldados europeus que foram mobilizados, 9 milhões foram mortos, 7 milhões ficaram incapacitados e 15 milhões foram gravemente feridos. A Alemanha perdeu 15,1% de sua população masculina ativa; a Áustria-Hungria, 17,1%; e a França, 10,5%. Foi uma "guerra de posições", na qual o arame farpado e a metralhadora impediam os avanços da infantaria, mas, em contrapartida, os carros blindados, a aviação e o gás tóxico, usados pela primeira vez, ampliaram o número de baixas nas trincheiras.

Na Rússia, em consequência da revolução bolchevique e da guerra civil que sucedeu sua saída do conflito mundial, a fome matou entre 5 e 10 milhões de pessoas; na Alemanha, 474 mil civis; no Líbano, 100 mil. A movimentação de tropas também ajudou a disseminar a "gripe espanhola", epidemia que matou 50 milhões de pessoas na década de 1920.

O conflito foi protagonizado pela Tríplice Entente, formada pelo Reino Unido, França e Rússia, de um lado; e a Tríplice Aliança, composta pelo impérios alemão, austro-húngaro e a Itália, de outro. Por causa do colonialismo, ganhou escala global. O assassinato do arquioduque Francisco Fernando da Áustria, herdeiro do trono austro-húngaro, pelo nacionalista iugoslavo Gavrilo Princip, em Sarajevo, na Bosnia, no dia 28 de junho, foi o estopim do conflito: a dinastia dos Habsburgo atacou a Sérvia, que era aliada do Império Russo. Em poucas semanas, as potências européias estavam em guerra.

A insensatez
A I Guerra Mundial dificilmente teria ocorrido, porém, se o Partido Social-Democrata Alemão (SPD) — de base operária e formação marxista, como o eram também o Partido Trabalhista inglês e o Partido Socialista francês — não tivesse aprovado os créditos de guerra e embarcado na onda chauvinista que varreu a Europa após o atentado de Saravejo. A capitulação do SPD aos apelos da guerra interrompeu um experiência política que apostava na democracia e no desenvolvimento econômico para melhorar a vida dos trabalhadores. Ela somente foi retomada pela social-democracia após a derrota do fascismo na II Guerra Mundial, é o chamado "estado de bem-estar social", que vigora até hoje em muitos países da Europa.

A adesão dos social-democratas alemães e dos trabalhistas ingleses à guerra teve também um grande efeito colateral: levou Lênin e outros líderes bolcheviques que haviam assumido o poder na Rússia a criar a Internacional Comunista, que passou a exercer grande influência mundial, a partir do dogma de que o motor da História é a luta de classes, muito mais do que o desenvolvimento das forças produtivas. Estabeleceu-se ali uma encruzilhada histórica, na qual os comunistas acabaram num beco sem saída, que resultou no colapso da União Soviética, implodida pelo avanço tecnológico do capitalismo. Hoje, a China comunista, a potência emergente, sobrevive porque adotou uma via capitalista de desenvolvimento; cedo ou tarde, porém, terá que fazer um ajuste de contas com os direitos civis e a democracia.

O anacronismo
Por tudo isso, salta aos olhos pelo anacronismo a retórica adotada pelo ex-presidente Lula para reagrupar a militância petista em torno da presidente Dilma Rousseff e segurar a onda dos que querem que ele próprio seja o candidato do PT. Para o líder petista, a origem de críticas a ele, ao PT e ao governo Dilma seria "o preconceito arraigado na mente de uma elite que não muda", em vez dos questionamentos à corrupção ou à eficácia do governo. "Eles que não gostam de nós, que têm preconceito contra o PT, que não gostam de mim, é por causa disso. Não é pelas coisas erradas que nós fazemos, é pelas coisas certas. Porque o Prouni e o Fies (programas de incentivo ao ensino superior) permitem que a filha da empregada doméstica possa ser médica, que o filho do pedreiro possa ser engenheiro, que o filho do jardineiro possa ser advogado."

Lula volta à retórica da luta de classes como centralidade da disputa política, sua praia desde os tempos do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Isso pode até ajudar o PT a se manter no poder, mas por si só não é capaz de resolver os problemas da sociedade, como mostra a História. As dificuldades eleitorais da presidente Dilma Rousseff resultam em grande parte do fracasso de sua estratégia de desenvolvimento, que não surtiu o efeito desejado, tanto em relação ao controle da inflação, que tunga parte dos salários dos trabalhadores, quanto aos problemas de produção de petróleo, energia elétrica, construção de rodovias, modernização de transportes coletivos e do sistema portuário. Sem falar na estagnação da indústria nacional de bens de consumo e de máquinas e equipamentos, cujo peso na economia, hoje, é proporcional ao da década de 1950.

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