- Aliás / O Estado de S. Paulo
O PT faz 35 anos e isso não é pouco na nossa história republicana. Tirando os partidos políticos da Primeira República, que duraram quase 40 anos, mas com feições diferentes, já temos instituições longas para o padrão brasileiro. Ele é a organização partidária mais diferenciada que o País já teve. Quando nasceu, esta era a leitura que os próprios membros faziam de si mesmos: ‘Somos diferentes de tudo que tem aí, quebramos um padrão de se fazer política’. Essa fase do início da década de 1980 é muito celebrada, de maneira romântica, porque ele não dependia das estruturas estatais como hoje. Era uma agremiação de voluntários, com um processo de deliberação mais de baixo para cima.
Esse partido acabou, e passou por dois processos de inflexão - um interno e outro externo. O interno, de moderação do discurso tendo em vista a chegada à Presidência da República, veio com a expulsão das correntes mais de esquerda e o estabelecimento de uma aliança em 2002 com um partido fora do campo de esquerda, o PL. Mas há o externo, que talvez seja um pouco subestimado pelos analistas: o PT sofreu grande influência de fora para dentro com a mudança da Lei de Partidos, em 1995. Ela transformou completamente a forma de organização dos partidos no Brasil, com a criação do fundo partidário - que poucos anos depois já era a principal fonte de recursos do PT, em detrimento dos dízimos pagos pelos militantes e dirigentes na primeira fase. Entra também o Horário Eleitoral Gratuito. Foi quando nossos partidos passaram a ser mais regulados pelo Estado; a lei puxou sua organização do âmbito da sociedade para o do Estado e os colocou mais dependentes de recursos estatais. Nesse contexto entram também as decisões do TSE, desde o alinhamento das coligações em todos os níveis até as restrições recentes às trocas de legenda. Quando as pessoas olham o PT hoje e dizem que ele virou ‘uma máquina’, basicamente um partido de funcionários e de gente que vive da política, se esquecem que parte disso se deve a esse processo exógeno, que afetou o sistema todo.
O PT ficou mais parecido com as outras organizações. Os partidos hoje no Brasil estão se tornando instituições paraestatais, não só porque recebem dinheiro e tempo de TV, mas também porque não conheço outro país no mundo em que as listas de filiados sejam controladas pelo TSE, a criação de partidos dependa da chancela de um burocrata, ou o Supremo decida se alguém pode ou não trocar de legenda. Apesar dessa peculiaridade, a tendência é mundial, com o declínio da imagem dos partidos e a opção da sociedade pela militância em outras formas de organização.
Entrando na questão da ex-ministra Marta Suplicy, o fato de o PT governar o País há 12 anos - indo para 16 - torna praticamente impossível o partido se desvencilhar do fato de ser governo. Mesmo que em seus congressos e documentos internos até tente se posicionar de maneira autônoma. Vivemos uma ‘era do PT’ nas duas últimas décadas: mesmo quando ainda não era governo, o PT de alguma forma organizou a vida política brasileira. E acho que o partido vai viver esses dilemas internos, com disputas entre correntes e lideranças, talvez até mais aguçadas. Entretanto, como o partido é muito grande e organizado, tendo a achar que a tensão que a Marta denuncia entre Lula e Dilma tem caráter pontual, de um certo momento da campanha em que a candidatura apresentava dificuldades. Eu não daria tanto peso a essa interpretação.
O grande desafio que o PT vai viver é no momento que voltar a ser partido no sentido clássico, pois agora ele é partido-governo. Boa parte de seus dirigentes está longe do partido, ocupando cargos de confiança em secretarias e ministérios. Então, o desafio virá quando ele perder a eleição presidencial, for para a oposição e decidir como vai defender seu legado político no governo.
A referência, inevitavelmente, vai ser a das políticas sociais, de distribuição de renda. Não por acaso, um trabalho que acabo de apresentar em Portugal mostra que nenhum candidato a presidente no Brasil recebeu apoio tão maciço do eleitorado pobre quanto Dilma Rousseff. A votação da atual presidente nos 20% dos municípios mais pobres do Brasil chegou numa mediana de 67% do voto total, inclusive brancos e nulos. É um apoio que nem Lula teve. E um patrimônio que o partido conseguiu construir, soube comunicar enquanto governo e explorar durante a campanha - às vezes com um discurso forte não só de persuasão, mas de ameaça, de que as pessoas iriam perder aquilo que conquistaram com uma eventual vitória da oposição.
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Jairo Nicolau, cientista político, é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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