- O Estado de S. Paulo
Imaginem o caminho da inutilidade. A Câmara dos Deputados produziu na legislatura de 2011 a 2014 mais de 8 mil projetos de lei. Cerca de 1.600 foram aprovados. Ambos os números são excessivos. Não precisamos de mais mil e tantas novas leis. Fingir que se legisla apresentando projetos de lei tampouco interessa à democracia. Creiam, talvez seja mais útil brincar de legislador nas escolas e universidades.
Fazer simulações do Congresso nas escolas, como o United Nations Model, seria bom para a cidadania.
Porém temos um problema mais grave e emergente. Antes de tudo, temos de reconhecer que o Legislativo nacional está se transformando num adorno inútil que funciona a reboque das medidas provisórias que chegam ao Congresso e são emprenhadas com temas diversos. Basta lembrar que no final do ano passado a Medida Provisória (MP) n.º 656 abrigou 43 temas estranhos à sua edição, em flagrante desrespeito à Constituição. E isso nas barbas da oposição "vaga-lume", que nem sequer vai ao Supremo Tribunal Federal questionar o absurdo.
Plenários vazios fora dos momentos de votações específicas pintam outro quadro melancólico. CPIs que quebram sigilo telefônico - eu vi, ninguém me contou - com quatro senadores presentes: três na mesa e um incauto laçado nos corredores das comissões. Um espetáculo trágico e caro de desrespeito à nobreza da atividade parlamentar, perpetrado por congressistas eleitos por nós a um custo elevado.
Nosso Legislativo é um dos mais caros do mundo. Pesquisa da Transparência Brasileira é contundente nesse sentido. A Câmara dos Deputados, por exemplo, custa R$ 18,14 por habitante. O Senado, um pouco menos: R$ 14,35. Pode parecer pouco, mas não é. Cada deputado federal e cada senador brasileiro custam, por ano, mais de R$ 10 milhões. Quantos valem o que custam? Poucos. Outros custam muito mais se considerarmos custos indiretos e ocultos.
O Brasil gasta, proporcionalmente, muito mais que os EUA, o Reino Unido e a Espanha para manter o Congresso. A Espanha gasta 11 vezes menos do que o Brasil com seus legisladores! De cada R$ 100 produzidos no Brasil, 0,19 centavos vão para o Poder Legislativo. Nos EUA gastam-se apenas 0,03 centavos! Em 2007, ainda de acordo com a Transparência Internacional, o Brasil gastou quatro vezes mais com parlamentares do que a média dos gastos dos Parlamentos europeus. É um parâmetro assustador.
Além de caro, nosso Legislativo é ineficiente. Somente um exemplo concentra tudo: passamos 12 anos sem votar vetos presidenciais. Apenas depois de muito irritar o Congresso, o Poder Executivo se viu tendo de lidar com a desagradável realidade de que o Congresso, agora, vota os vetos! Parece brincadeira. Temas tão relevantes como a demora no voto dos vetos e as MPs grávidas de temas estranhos não podem ser tolerados. Nem pela cidadania nem pela Justiça.
O Congresso funciona com um calendário próprio dentro de um calendário já bastante reduzido. Teoricamente, admite-se que deva funcionar de terça a quinta-feira a todo vapor. Não é isso o que acontece. Na verdade, começa a funcionar debilmente nas terças-feiras, esquenta nas quartas e morre nas quintas, antes do almoço. Nas quartas, parlamentares se dividem entre o périplo para mendigar verbas públicas no Executivo e as votações. Uma correria pela Esplanada dos Ministérios. Admite-se que a atividade parlamentar possa dar-se nos Estados, só que os deputados e senadores foram eleitos para estar em Brasília e trabalhar na capital federal. Sem contar que já têm recesso, além dos feriados pródigos do calendário nacional.
Por paradoxal que seja, o Congresso Nacional é um poder opaco, cheio de tretas e privilégios que poucos sabem como funcionam. É uma casta que funciona em torno de um acordo tácito entre a burocracia que a comanda, o alto clero que lidera e o baixo clero, que serve de figuração. O resultado fica muito abaixo das expectativas.
Do jeito que está, nosso Congresso deixa de servir ao povo brasileiro. É apenas uma caixa de compensação de poder político a serviço dos interesses de quem governa, de quem controla a administração pública e dos grupos políticos. Não é de estranhar que, servindo aos rentistas do poder político, inúmeros políticos se tenham transformado em potentados econômicos. O que fazer?
Em primeiro lugar, reconhecer que o Congresso é indispensável à democracia. Isto posto, deve ser feita uma ampla reforma do próprio funcionamento do Legislativo, baseada em alguns princípios. O primeiro é o da transparência: os gastos mensais, detalhados por gabinete, devem ser públicos. O segundo princípio é o da economia processual. Os projetos de lei somente devem ser apresentados por partidos políticos e por bancadas estaduais. E as iniciativas teriam de ser apresentadas amparadas por um mínimo de consenso: partidário ou estadual.
O terceiro princípio é o da rotatividade das lideranças. A reeleição ou recondução para cargos na Mesa e nas lideranças partidárias deveria ser vetada em favor da renovação. O quarto princípio é o da organização: deve existir um calendário de votações. Dias certos para votar medidas provisórias, emendas constitucionais, projetos de lei, bem como a realização de audiências públicas e gerais. O quinto princípio é o da democracia no funcionamento do plenário. A obstrução parlamentar não deve ser tolerada além de certo limite. A minoria deve ser respeitada, mas a maioria deve se impor ao processo. Não se deve dar direitos a micropartidos no Congresso.
O Congresso Nacional é indispensável à cidadania e à democracia no Brasil. A sua essencialidade impõe que seja um Poder valorizado, não em benefício de seus membros, funcionários ou parlamentares, e sim dos cidadãos. Deve ser valorizado por sua transparência, economia de gastos, economia processual, efetividade e consequência. Não pode prosseguir, como agora, no caminho de ser um Poder inconsequente.
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Murillo de Aragão é consultor, advogado, cientista político, doutor em sociologia (UNB), é autor do livro 'Reforma Política - o debate inadiável' (Civilização Brasileira, 2014)
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