• Com a devastação do quadro fiscal, ninguém espera, em sã consciência, que o reparo possa ser feito num par de anos
- O Globo
Para sair de um atoleiro, é preciso calma, engenho e arte. Improvisar e tentar sair na marra costuma ser receita certa para afundar ainda mais na lama. Dilma Rousseff que o diga.
Conseguirá Michel Temer tirar a economia brasileira do enorme atoleiro em que Dilma a deixou? Tomara que sim. Mas é bom não ter ilusões sobre as proporções do desafio que tem pela frente, a exiguidade do tempo com que efetivamente conta, a precariedade dos recursos políticos a que terá de recorrer e as problemáticas fragilidades inerentes a seu governo.
Em meio a todas essas dificuldades, é animador constatar que o novo governo parece ter percebido, com muita clareza, que o âmago do gigantesco desafio que terá de enfrentar é a penosa reconstrução das finanças públicas. E ainda mais animador saber que o núcleo da nova equipe econômica, em Brasília, contará com profissionais tão qualificados como Ilan Goldfajn, Mansueto Almeida, Marcelo Caetano e Marcos Mendes.
Tendo em vista a devastação do quadro fiscal, ninguém espera, em sã consciência, que o reparo possa ser feito num par de anos. O que, sim, talvez se possa esperar é que o governo seja capaz de promover um choque de confiança decisivo, que desencadeie um círculo virtuoso que, aos poucos, na esteira de melhora persistente das contas públicas, permita vislumbrar a restauração da sustentabilidade fiscal em prazo um pouco mais longo.
Trata-se de viabilizar uma sequência de medidas que possam dar sinais críveis de que a deterioração das contas públicas pode ser revertida. E de que o novo presidente está efetivamente empenhado na mudança do regime fiscal. O ideal seria que o governo pudesse anunciar essa sequência de medidas tão logo quanto possível, mesmo tendo em conta que muitas delas não poderão ser implementadas de imediato. Um plano de jogo claramente explicitado, que eliminasse temores de surpresas e improvisações, seria um grande avanço.
É inevitável que boa parte dessas medidas requeira a aprovação de emendas constitucionais, que podem colocar à prova o apoio do novo governo no Congresso e exigir mais tempo do que Temer efetivamente tem.
Caso Dilma seja afastada de vez, como parece provável, Temer terá pouco mais de 31 meses de mandato. E, de agora até outubro, terá de lidar com um calendário atribulado, fadado a lhe dificultar as negociações com o Congresso, exatamente quando elas deveriam ser mais intensas: interinidade até pelo menos setembro, quando o Senado deverá se pronunciar sobre o impeachment, paralisação parcial do país com as Olimpíadas e mobilização dos parlamentares com as eleições municipais, a partir de agosto. O ano de 2017 poderá ser menos conturbado. Mas, já em meados do ano seguinte, o Congresso estará totalmente mobilizado com as eleições de 2018.
Temer pode ficar tentado a se animar com a lembrança de que Itamar Franco contava, de início, com um mandato ainda mais curto, de 27 meses. E de que ainda se deu ao luxo de dilapidar os primeiros sete, permitindo-se nomear nada menos que quatro ministros da Fazenda entre outubro de 1992 e maio de 1993. Foi nos 20 meses restantes que o Plano Real pôde ser concebido e implementado com grande sucesso. Mas é preciso ter em conta que as dificuldades de viabilização do Plano Real foram de natureza distinta. Não envolveram um esforço de reconstrução fiscal tão problemático como o que Temer agora tem pela frente.
Tampouco teve o governo Itamar de lidar com fatores de risco tão sérios como os que agora terão de ser enfrentados. Temer terá de governar sob o espectro da perda de mandato por decisão do Tribunal Superior Eleitoral. E terá de conviver com a probabilidade, nada desprezível, de que os desdobramentos da Lava-Jato e de operações similares acabem afetando as possibilidades da condução da política econômica, seja pelos efeitos diretos que poderão ter sobre o governo, seja pelos abalos que poderão provocar na bancada governista no Congresso.
Fácil não será. Mas não há dúvida de que o quadro se tornou bem mais promissor.
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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
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