- Folha de S. Paulo
Um bom professor, daqueles dignos de ser chamados de mestre, é o que leva o aluno a questionar tudo, até a ideia de que tudo deve ser questionado —na maioria das vezes, é perda de tempo questionar um axioma matemático, por exemplo. Assim a atividade didática, em sua expressão mais elevada, combina pouco com a doutrinação, compreendida como o proselitismo em favor de uma causa.
O bom professor, mesmo que não se recuse a revelar o que pensa sobre temas sensíveis como política, religião e a existência do MinC, já evita, "ex officio", recrutar seguidores.
Vou um pouco mais longe e afirmo que, idealmente, a escola pública deveria ser laica e tão neutra quanto possível em relação a ideologias e visões de mundo. Isso dito, não dá para não classificar de estapafúrdios os váriosprojetos de lei, em âmbito federal, estadual e municipal, que pretendem banir a doutrinação das escolas. Em Alagoas, um deles já vigora. O diploma reza que o professor deve "abster-se de introduzir (...) conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais, religiosas ou ideológicas dos estudantes ou de seus pais ou responsáveis".
O problema mais grave de iniciativas como essa é que, se implementadas ao pé da letra, elas inviabilizam a própria comunicação. As fronteiras entre a explicação, a matéria-prima da atividade professoral, e a persuasão, a ferramenta do doutrinador, são tudo menos claras. Pode-se lecionar Darwin às crianças ou isso já conflita com uma moral bíblica? Pode-se citar o nome de Karl Marx ou fazê-lo já configura esquerdismo flagrante?
Como não dá para ensinar sem destroçar convicções prévias (o cérebro é uma máquina de fazer presunções sobre o mundo), fico com a saída sugerida pelo Contardo Calligaris, que é a de apostar na variedade das ideias a que a criança é exposta. Aí é só rezar para que as mais extremadas se anulem nesse embate generalizado e sobrem as mais razoáveis.
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