Em princípio de outubro de 2015, no 13º. SALIMP – Salão do Livro de Imperatriz, fiz uma palestra sobre a figura de Ferreira Gullar, enaltecendo os seus valores artísticos e contribuindo com o significativo evento, já que, o poeta, era filho do Maranhão.
Lembrei a todos da importância desta figura, que leva nome em Imperatriz, no “Teatro Ferreira Gullar”, justa homenagem ao intelectual consagrado, da Academia Brasileira de Letras.
Apresentei, em data show, uma retrospectiva de sua vida, suas andanças, seu exílio, sua enorme produção literária e o seu humanismo irradiante. Uma plateia seleta ouviu-me a recitar seus poemas, entrecortados de sua extensa biografia.
Hoje, dia 4, domingo, logo pela manhã, abro a internet e leio os artigos do “blog” do Gilvan Cavalcanti de Mello – leitura diária, palpitante, importante e sempre atualizada. Fico a apreciar, demoradamente, o seu artigo “Solidariedade”. Entre outras coisas que nos dizem respeito e que cala profundamente, o seu espírito construtivo e de visão universal:
“A sociedade não necessita ser irretorquivelmente igualitária, mesmo porque as pessoas não são iguais. Um perna de pau não deve ganhar o mesmo que o Neymar, nem o Bill Gates o mesmo que ganha um chofer de táxi. E por falar nisso, para que alguém necessita ter a sua disposição milhões e milhões de dólares? Para jantar à troca fora? Se ele investir esse dinheiro numa empresa, criando bem e dando emprego às pessoas, tudo bem. Mas ninguém necessita ter dez automóveis de luxo, vinte casas de campo nem dezenas de amantes. Tais fortunas devem ser divididas com outras classes sociais, investidas na formação cultural e profissional das pessoas menos favorecidas, usadas para subvencionar hospitais e instituições para anteder pessoas idosas e carentes. Sucede que só avançaremos nesta direção se pusermos de lado os preconceitos esquerdistas e direitistas, que fomentam o ódio entre as pessoas. Sabem por que Bill Gates deixou a presidência de sua empresa capitalista para dirigir a entidade beneficente que criou? Porque isso o faz mais feliz, dá sentido à sua vida”.
Pois é. Foi assim que Ferreira Gullar terminou o seu estrondoso artigo, que merece toda a nossa admiração e nosso reconhecimento de seu pensamento e da sua ação.
Lido tudo, anotado e refletido, abro as manchetes e, meu espanto total, somado à tragédia chocante do Chapecoense: falece, hoje, domingo, Ferreira Gullar, aos 86 anos de idade. Perde o Brasil também um poeta que fez história, que dignificou tudo o quanto escreveu.
Louvo a este poeta de envergadura; louvo a sua cadência de homem das letras; louvo o homem sem medo; louvo, mais ainda, o seu grande brilho que ficará entre nós permanentemente.
Aqui, o seu poema “Traduzir-te”, em homenagem póstuma:
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
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