segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

A Temer, o que lhe cabe fazer - Ricardo Noblat

- O Globo

“Todos sabiam que o apartamento pertencia a Lula.” José Afonso Pinheiro Ex-zelador do Condomínio Solares, em Guarujá.

Políticos que usaram dinheiro de caixa dois não deveriam escapar impunes da Lava-Jato. Caixa dois é crime. Ou infração eleitoral.

Uma coisa ou outra merece ser castigada. Mas não é justo que se puna quem se valeu de caixa dois apenas para se eleger como se punirá quem enriqueceu à custa dele, ou quem retribuiu o caixa dois com contratos públicos superfaturados ou não, ou quem recebeu propina.

DEVE SER VERDADE o que foi contado em delações à Lava-Jato sobre a participação de Michel Temer em esquemas de arrecadação de recursos para o PMDB, partido presidido por ele nos últimos 13 anos. Nenhum partido por aqui enfrenta eleições somente com dinheiro do Fundo Partidário. Não porque o dinheiro seja pouco, mas porque os gastos são grandes.

VIOLA-SE A LEI quando se aceita dinheiro de caixa dois. Pois bem: todos os partidos, absolutamente todos; quase todos os políticos, sempre ou em algum momento de suas vidas, receberam dinheiro de caixa dois. E omitiram da Justiça as despesas pagas com ele. A ex-ministra Marina Silva (Rede) jura que jamais aceitou um tostão de caixa dois. Definitivamente, o reino de Marina não é deste mundo.

A SEREM DENUNCIADOS e punidos como deveriam os filhos do caixa dois, não sobraria nenhum. Seria um dos maiores julgamentos coletivos da História — 513 deputados federais, 81 senadores, fora ministros, ex-ministros, governadores e ex-governadores. Sem falar dos doadores do dinheiro, na maioria empresários, mas nem todos interessados em fazer negócios desonestos.

ESTAMOS DISPOSTOS a enfrentar tamanho desafio? Que por suas apocalípticas dimensões não chegaria a bom termo em data que a vista alcança? Se estamos, adiante! E seja o que Deus quiser. Haveria outra saída? No quadro atual de dirigentes do país, não sei quem reuniria liderança e credibilidade para propor alguma. Propor e ser escutado. Todos são suspeitos.

OS GOVERNOS DO PT apostaram no “nós contra eles”. O impeachment de Dilma aumentou a polarização. A herança deixada por ela é demasiadamente pesada para ser administrada por um presidente legítimo, mas carente de apoio popular. Está, pois, nas mãos de Sérgio Moro e dos procuradores a seu serviço estabelecer ou não uma alternativa ao juízo final.

TEMER RECONHECE QUE pediu dinheiro para financiar campanhas do seu partido, mas jura que todo ele foi declarado à Justiça. Caso se prove que parte não foi, Temer será obrigado a encontrar quem responda por isso. José Yunes, seu assessor especial, pediu as contas. Os picos de pressão arterial sofridos ultimamente pelo ministro Eliseu Padilha poderão tirá-lo do governo em breve.

NADA DE GRAVE, por ora, ameaça encurtar o mandato de Temer. O diligente ministro Gilmar Mendes cuidará para que o julgamento das contas de campanha de Dilma e de Temer pela Justiça Eleitoral não leve o país a conhecer um terceiro presidente da República no curto período de um ano e, dessa vez, eleito por deputados e senadores como manda a Constituição.

A ELEIÇÃO DIRETA DE um novo presidente só seria possível com o apoio de três quintos dos votos do Congresso. À parte 63% dos brasileiros, segundo o Datafolha, e a oposição ao governo, ninguém mais quer eleição direta, já. Quem seria capaz de vencê-la prometendo fazer o que tantos esperam e desejam que Temer faça por eles? (Saio de férias por duas semanas. Saúde e paz para todos.)

Nenhum comentário: