domingo, 2 de setembro de 2018

Elio Gaspari: Gilmar Mendes expôs o tamanho do desastre

- O Globo

Sem o pode-não-pode da Justiça, dificilmente Lula lideraria as pesquisas

Poucas vezes um magistrado foi tão autocrítico e preciso como o ministro Gilmar Mendes quando disse o seguinte:

“Nós já produzimos esse desastre que aí está. Ou as pessoas não percebem que nós contribuímos com a vitimização do Lula? Estamos produzindo esse resultado que está aí”.

Sem o prende-solta de julho e pode-não-pode da Justiça Eleitoral, dificilmente Lula estaria com pelo menos 39% das preferências nas pesquisas do Datafolha. Mais que isso: pode-se garantir que aumentou a sua capacidade de transferir eleitores para Fernando Haddad, tornando-o um provável candidato no segundo turno da eleição.

Quem acha que um confronto Haddad x Bolsonaro ajuda a eleger um ou outro não quer um processo eleitoral, mas um daqueles espetáculos sanguinários que aconteciam no Coliseu de Roma.

O desastre está aí, mas Lula pode ser acusado de tudo, menos de ter sido o causador da barafunda criada pelo Judiciário. Sua vitimização entra agora na última fase, fabricando-se uma eleição presidencial influenciada por um ectoplasma político.

Em outro tempo, Juscelino Kubitschek também foi transformado em fantasma. Era um ex-presidente cujo semicandidato foi derrotado pelo doidivanas Jânio Quadros, que tinha como símbolo eleitoral uma vassoura.

Vale lembrar que o apartamento de JK ficava na avenida Vieira Souto e nele cabiam vários tríplexes do Guarujá. Algo do mito de Juscelino deriva da cena do seu embarque para o exílio com um coronel de arma na mão e de sua figura sorridente entrando num quartel para depor num inquérito policial-militar.

Isso e mais a mobilização financeira do governo para impedir sua eleição para a Academia Brasileira de Letras, onde sentava-se o general Aurélio de Lyra Tavares, o poeta Adelita e um dos três patetas da Junta Militar de 1969.

(Numa carta ele escreveu “acessoramento” e “encorage”.)

A discussão em torno da presença de Lula na propaganda gratuita é despicienda. Ele estará lá, em áudios e vídeos. Não como o chefe do PT dos escândalos, mas como vítima.

Sem comparar as sentenças que condenaram Lula com a campanha que se fez contra Getúlio Vargas, imagine-se o que seria de sua memória em duas situações:

1. Matou-se sem deixar a carta-testamento.
2. Não se matou, deixou o Catete e foi para São Borja.

Em 1973 tiraram Ulysses Guimarães do ar
A situação em que Lula está hoje nada tem a ver com aquela em que foi colocado Ulysses Guimarães em 1973, quando lançou-se como anticandidato à Presidência da República. Hoje vive-se num Estado de Direito e em 1973 vivia-se numa ditadura. Àquela época a eleição era indireta e estava perdida para o MDB. Hoje, os eleitores decidem.

Se tudo isso fosse pouco, Ulysses estava no pleno uso de sua liberdade e Lula está preso, condenado por corrupção. As duas situações, contudo, têm uma ponto em comum: deseja-se calar alguém ou, pelo menos, limitar sua fala.

Em 1973, a Justiça negou ao MDB o acesso ao Fundo Partidário e ao horário gratuito de propaganda. Argumentou-se que eleição indireta não comportava propaganda gratuita.

A anticandidatura de Ulysses serviu à oposição como um fator de mobilização, pois a aritmética garantia a vitória do general Ernesto Geisel. Garantia, mas, como seguro morreu de velho, no dia da eleição o general Orlando Geisel, ministro do Exército e irmão do candidato do governo, colocou duas companhias de prontidão para fechar o Congresso caso alguém tentasse fazer alguma surpresa.

Geisel foi eleito e tomou posse em março. Cortar o acesso de Ulysses ao horário gratuito até que foi fácil. A conta chegou na eleição parlamentar de novembro, quando o MDB elegeu 16 senadores em 22 estados e mudou o curso da política brasileira.

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