- Folha de S. Paulo
É interesse das religiões que Deus seja mantido longe das engrenagens do Estado
“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” foi o lema da campanha de Jair Bolsonaro (PSL), que ele continua utilizando em seus pronunciamentos pós-eleitorais. O “Deus acima de todos” me incomoda mais do que o “Brasil acima de tudo”, do qual já não gosto muito (nacionalismos têm se mostrado uma força mais destrutiva do que construtiva).
É evidente que, numa democracia como é o Brasil, as pessoas, incluindo o presidente eleito, têm o direito de professar a fé religiosa que preferirem, privada ou publicamente. Não me parece inteligente, porém, trazer Deus para a política. Ele até pode ser um bom cabo eleitoral, mas é do interesse das próprias religiões que seja mantido tão longe quanto possível das engrenagens do Estado.
O laicismo, afinal, embora seja do agrado de ateus e agnósticos, é um princípio que visa primordialmente a proteger as religiões. É só quando o Estado se mantém neutro em relação a todas as fés que os grupos minoritários podem estar seguros de que não sofrerão nenhum tipo de perseguição nem verão seus concorrentes sendo favorecidos pelas autoridades.
Outro problema de colocar o Criador na arena política é que fazê-lo pode estimular a radicalização. Com efeito, religiões operam amiúde com absolutos morais. Se as Escrituras dizem que o aborto e o homossexualismo são pecado, como podem simples mortais duvidar da palavra imutável de Deus? Assim, já nem haveria o que discutir num eventual projeto de lei sobre a matéria. Seguir a lógica espiritual acaba sendo a negação da política, compreendida como a construção de consensos através de negociações.
Esse aspecto mais absolutista da invocação a Deus está em linha com as declarações de cunho profano e pouco tolerante que Bolsonaro já deu sobre gays, negros, bandidos etc. É triste quando o que de melhor se espera de um presidente eleito é que suas afirmações e lemas não passem de palavras vazias.
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