- O Estado de S.Paulo
É falso o dilema entre salvar vidas e ter cuidado com as contas públicas. O cofre não está fechado para o resgate dos brasileiros que estão sem poder trabalhar devido ao isolamento recomendado por autoridades de saúde.
Quem tenta colocar carimbo de insensível naqueles que defendem o cuidado com as contas públicas em tempos de pandemia da covid-19 não está vendo ou não quer ver o problema sob uma visão mais ampla. Esse tipo de crítica só serve para lacração barata nas redes sociais. Mais uma opção pela polarização de apenas dois lados: o mau e o bom; adversários e aliados do governo Jair Bolsonaro.
Quem defende o zelo fiscal também deve e está defendendo a expansão das despesas, do endividamento público, para salvar vidas humanas, socorrer os mais vulneráveis, os informais, o emprego dos trabalhadores com carteira assinada e a sobrevivência das empresas.
Deve-se criticar a velocidade das medidas e a briga política do presidente Jair Bolsonaro com governadores e congressistas. No Brasil, essa disputa foi acirrada e chegou a níveis perigosos em tempos de crise. E já custa caro.
A inércia do governo no início da pandemia, a pressão para o afrouxamento do isolamento, os entraves burocráticos num País onde tudo é muito amarrado, a começar pela legislação retardaram o socorro. Tudo isso é verdade.
Mas a despeito de todos esses problemas, o governo federal, governadores e prefeitos estão tomando mais medidas em único mês do que em muitos anos. As regras fiscais foram e estão sendo alteradas para abrir espaço para mais gastos. O que se fez já custa o tamanho de uma reforma da Previdência, que demorou anos para ser aprovada.
O cheque para o socorro está aumentando e vai crescer mais com o resgate do Banco Central via compra de dívidas das empresas. A medida está na Proposta de Emenda à Constituição (PEC), batizada de “orçamento de guerra”, que deverá ser aprovada pelo Senado na próxima semana.
A PEC é um marco, sem dúvida. Foi construída e votada rapidamente na Câmara, com votação para lá de expressiva. Histórica. Muitos que a criticavam, no início, estão aos poucos revendo posição. A emenda constitucional retira as amarras para abrir o cofre. E, sim, busca salvar vidas com mais dinheiro para ações de combate a covid-19.
A PEC é um cheque em branco dado a Bolsonaro para os gastos? É. Mas tem seus mecanismos de controle durante e após a crise.
A ideia da PEC foi negociada e levada adiante pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Com articulação, ele reuniu apoio e colaboradores políticos para aprová-la em tempo recorde, enquanto a equipe econômica se debatia com a burocracia das regras fiscais, com temor de punições futuras pelos órgãos de controle. Ninguém vai conseguir tirar esse mérito dele. Muito menos seus adversários mais raivosos no centro do poder da capital federal.
Mas, passada uma semana da votação da PEC, a mesma Câmara presidida por Maia deu asas para construir uma proposta de socorro emergencial aos Estados e municípios com uma série de concessões aos governadores que vão muito além das necessidades diante da covid-19.
Aproveitaram a crise para tentar resolver problemas antigos e, em alguns casos, muito específicos, como o perdão de dívida passada. Não é hora para isso. Uma nova renegociação com os governos regionais está a caminho, para depois da crise. Mas é preciso fazê-la com coordenação.
A votação do projeto foi adiada para a próxima semana em meio à guerra de números entre equipe econômica, Câmara e economistas que alertaram se tratar de uma “bomba fiscal” para os próximos anos.
Nesse espaço conflagrado, os críticos correm para taxar os defensores da saúde das finanças públicas como os vilões do pedaço.
Isso não quer dizer que os Estados e prefeituras não têm que receber socorro do governo federal. Está demorando. Eles não podem emitir dívida no mercado para se financiar como o Tesouro Nacional.
O cheque em branco da PEC é para isso. Bolsonaro e o seu ministro da Economia, Paulo Guedes, terão que aumentar as transferências voluntárias para os governadores e prefeitos. Por outro lado, a Câmara tem que desarmar urgentemente a bomba que começou acionar.
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