terça-feira, 31 de agosto de 2021

Merval Pereira - Fora do tom

O Globo

A crise desencadeada pela intenção de instituições como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) de divulgar manifesto supostamente contra o governo, mas que, na prática, defende mesmo a necessidade de diálogo entre os Poderes da República, mostra bem a que ponto chegamos no debate político no país.

O documento final é neutro, e o governo, que teve vitória na pressão para mudar o teor original, ou está interpretando errado, ou quer criar mais uma confusão. O documento, ao pedir diálogo, admite que Bolsonaro queira fazê-lo. O presidente já rompeu todas as promessas de conversas que foram tentadas, até pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux.

Desde o começo da iniciativa, houve marchas e contramarchas para encontrar o tom correto do texto, a ser apresentado não apenas a representantes das entidades econômicas e financeiras, mas à sociedade civil como um todo. O que nasceu com a ideia de ser um protesto contra o rumo que estavam tomando os embates do governo federal com o STF foi sendo amainado por pressões diversas, não apenas políticas, mas econômicas também. Acabou se transformando num manifesto anódino colocando em pé de igualdade o Judiciário e o Legislativo como responsáveis, tanto quanto o Executivo, pela crise institucional que vivemos.

Míriam Leitão - Os riscos do país, segundo Persio

O Globo

O economista Persio Arida acha que o Brasil precisa agora de uma agenda de reparação e recuperação do Estado. “Nosso Estado foi destruído e mal tratado, olha o que aconteceu com o Ibama, o que está acontecendo com a Ciência e Tecnologia.” Alerta para o risco de se deixar a inflação aumentar e chama a atenção para o avanço da pobreza. “Paulo Guedes devia andar na rua e não precisa ser em bairros pobres”. Sua grande preocupação no momento é com a defesa da democracia.

Persio Arida integrou o grupo do Plano Real. É liberal, mas nunca se viu representado pela agenda de Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. Assinou um manifesto de economistas e empresários contra o governo, mas suas críticas a Bolsonaro e Paulo Guedes começaram antes das eleições. Eu o entrevistei na Globonews sobre os riscos econômicos e institucionais:

— Muitos, para evitar um suposto mal maior, ou seja, a volta do PT, votaram em Bolsonaro. Agora há um movimento de rejeição às ameaças de golpe, de ruptura da ordem democrática, rejeição a este processo de intimidação e erosão das instituições democráticas.

O economista acha que entre os que votaram em Bolsonaro, na elite empresarial e financeira brasileira, há arrependimento e decepção. Sobre a frustrada agenda liberal, ele também sempre alertou que era um engodo:

— Havia quem acreditasse que Bolsonaro encontrou Paulo Guedes na estrada de Damasco e se converteu. Foi um engano extraordinário. Bolsonaro votou contra o Plano Real, defendeu a tortura, disse que Fernando Henrique tinha que ser fuzilado porque privatizou a Vale, por que de repente acreditaram que ele defenderia o liberalismo? Paulo Guedes tem uma parte nisso. Ele criou uma narrativa e acreditou nela, a de que todos os problemas anteriores derivavam de ele não estar no governo. Foram dois erros: as pessoas não se perguntaram quem era Bolsonaro, nem quem era Paulo Guedes. Quiseram acreditar numa miragem. Uma miragem perigosa.

Luiz Carlos Azedo - O bicentenário

Correio Braziliense

O Brasil vive um cenário de incertezas, tendo como falso deadline o próximo 7 de Setembro, no qual o presidente Jair Bolsonaro promete armar um grande barraco político

Ao resenhar a obra do historiador José Honório Rodrigues, Conciliação e reforma no Brasil (Senac), de 1965, o embaixador Alberto Costa e Silva destacou que a chave para entender a história do Brasil é a conciliação: “Entre os que se foram tornando o povo brasileiro — os índios convertidos e os selvagens; os negros escravos, libertos, africanos e crioulos; os brancos reinóis e os mazombos; os mamelucos; os mulatos e os cafuzos; tão diversos entre si, tantas vezes conflitantes e, na aparência, irredutíveis —, venceram os conciliadores sobre a violência dos intransigentes”.

Pelourinhos, quilombos, motins, revoltas, repressões sangrentas, fuzilamentos, enforcamentos, esquartejamentos, guerras e mais guerras, desde a Independência, foram 200 anos sangrentos, mas prevaleceu a unidade nacional e a conciliação no seio do povo, à qual devemos “o fato de ter o Brasil, desde cedo, deixado de ser uma caricatura de Portugal nos trópicos” e possuir um substrato novo, “apesar do europeísmo e lusitanismo vitorioso e dominante na aparência das formas sociais”, como destacou Honório Rodrigues.

Não haveria futuro com recusa ao diálogo, desrespeito aos opositores, intolerância mútua e intransigência. Muito mais do que às elites, ao povo se deve a integridade territorial; a unidade linguística; a mestiçagem; a tolerância racial, cultural e religiosa; e as acomodações que acentuaram e dissolveram muitos dos antagonismos grupais e fizeram dos brasileiros um só povo que, como se reconhece e autoestima, delas também recebeu as melhores lições de rebeldia contra uma ordem social injusta e estagnada, avalia.

Ricardo Noblat - Mistério em torno do que Bolsonaro dirá em Brasília e em São Paulo

Blog do Noblat / Metrópoles

Ganha um fim de semana com tudo pago em Cabul quem for capaz de antecipar suas falas no dia 7 de setembro

Nem dona Michelle que divide a cama com ele, nem o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria do Governo, capaz de literalmente ajoelhar-se aos seus pés com as mãos atrás da nuca, fazem a menor ideia do que o presidente Jair Bolsonaro dirá nas manifestações de 7 de setembro em Brasília e em São Paulo.

Por conhecerem bem a peça, poderão supor que o discurso em Brasília pela manhã será mais ameno do que o discurso que Bolsonaro fará à tarde na Avenida Paulista, mas é só. Alguns auxiliares do presidente o aconselham a não se deixar contaminar pelo ardor das multidões e os dizeres dos cartazes e faixas.

Bolsonaro ouve, mas nada responde. Decidirá na hora e levará em conta as circunstâncias. Põe fé no seu faro. Não quer decepcionar seus devotos. Não pode dar-se ao luxo de perder votos porque a moderação não combina com seu perfil. Cuidará apenas de não falar o que possa acarretar-lhe novos processos.

Nos últimos dois dias, afirmou três vezes que seu destino poderá ser a prisão depois que deixar a presidência da República. Soa a medo? Medo pode ser de fato. Mas é uma forma de se martirizar e de clamar por mais apoio dos que o idolatram. Seu maior temor é que um dos seus filhos seja preso. Aí ele perderá a cabeça.

Eliane Cantanhêde - Vergonha alheia!

O Estado de S. Paulo

Por que o ‘PIB nacional’ desistiu de pedir serenidade, diálogo, paz e estabilidade? Por covardia?

Não foi preciso nem um cabo e um soldado para cancelar um manifesto cheio de obviedades, articulado pela poderosa Febraban, encampado pela igualmente poderosa Fiesp e com mais de 200 assinaturas. Realmente, o Brasil não é para amadores. E está se tornando ridículo diante dos brasileiros e do mundo com um presidente da República que ameaça a democracia por palavras e atos e com um “PIB nacional” covarde.

O que há de tão grave e assustador em cinco parágrafos defendendo a “aproximação e a coordenação” entre Executivo, Legislativo e Judiciário? Pedindo “serenidade, diálogo, pacificação política, estabilidade institucional”? Só num país conflagrado, nervoso, apavorado com a ideia de golpes e guerras, isso pode mobilizar tantos e desaguar no adiamento do manifesto.

Isso, aliás, é parte do ridículo. A publicação oficial, que seria paga pela Fiesp, foi adiada “para depois do 7 de Setembro”. Mas a publicação extraoficial, de graça, foi feita ontem mesmo, com um dia de antecedência, por toda a mídia. Logo, o texto foi suspenso, mas não foi, todo mundo leu.

Felipe Salto - Solução para os precatórios

O Estado de S. Paulo

Todas as alternativas consideradas têm riscos não desprezíveis. A solução difícil, cortar gastos, ninguém quer

O episódio dos precatórios revela a preferência por contornar o teto de gastos. O risco de não pagar despesas obrigatórias já foi elucidado no meu último artigo. Dólar, inflação, juros e dívida para cima. Proponho uma solução para preservar o teto, ampliar o Bolsa Família e quitar todos os precatórios em 2022.

O governo informou, recentemente, que haverá R$ 89,1 bilhões de sentenças judiciais e precatórios a pagar no ano que vem. Não deveria surpreender-se, já que a Advocacia-geral da União faz o mapeamento sistemático dos riscos. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Balanço-geral da União constam as informações agregadas. Supõe-se ser a soma dos dados pormenorizados de cada ação judicial. Antes, previa-se algo como R$ 57 bilhões.

A diferença, de R$ 32,1 bilhões (89,1 menos 57), precisará caber no teto e no Orçamento. O Projeto de Lei Orçamentária Anual será apresentado hoje e, até o momento em que este artigo foi escrito, não havia solução anunciada. A PEC dos Precatórios é um erro com potencial de prejudicar a economia via aumento do risco. Retirar o gasto do teto ou fixar um limite máximo anual de pagamento seriam saídas igualmente problemáticas.

Hélio Schwartsman - Resistência jurídica

Folha de S. Paulo

Essas decisões do STF, apesar de controversas, podem ser descritas como reações legítimas ao vandalismo institucional de Bolsonaro e seus apoiadores

Roberto Jefferson poderia ter sido preso? Inquéritos abertos pelo STF para investigar apoiadores de Jair Bolsonaro são teratomas jurídicos? O deputado Daniel Silveira pode ser considerado um preso político? Os ministros do Supremo estão extrapolando? Essas perguntas comportam dois níveis de respostas.

Se estivéssemos numa espécie de playground kelseniano, onde as normas jurídicas são aplicadas de forma totalmente abstrata, eu faria restrições a várias das decisões da corte ou, pelo menos, cobraria fundamentações mais detalhadas. Não há dúvida de que Jefferson ameaçou ministros, mas estamos lidando com ameaças críveis ou com um caso psiquiátrico? Será que o STF não alargou demais o dispositivo do regimento interno (RI) que autoriza a abertura de inquéritos “ex officio”? O artigo 43 do RI, afinal, limita essa capacidade a infrações cometidas “na sede ou dependências do tribunal”.

O ponto é que não estamos num universo de puras abstrações. No mundo em que vivemos, essas decisões do Supremo, apesar de controversas, podem ser descritas como reações legítimas ao vandalismo institucional de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, que não serão contidos pelo respeito abstrato à lei.

Joel Pinheiro da Fonseca - Quem é o intolerante?

Folha de S. Paulo

Sociedade não pode permitir a incitação ao golpe de Estado e à quartelada

A tolerância, embora um valor central do mundo democrático e respeitador dos direitos individuais, precisa de uma dose de intolerância para não sucumbir. A formulação canônica do “paradoxo da tolerância” foi feita pelo filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994) em uma nota de rodapé de seu clássico “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”.

Diz o filósofo: “A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada até aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e com eles a tolerância”.

Cristina Serra - Violência contra os indígenas

Folha de S. Paulo

O marco temporal é uma desonra para quem acredita que o Brasil pode ser um país decente

O Supremo Tribunal Federal retoma nesta semana, finalmente (!), o julgamento de controvérsia que precisa ser pacificada para que os povos indígenas tenham segurança jurídica sobre a posse de seus territórios.

O cerne da discussão é o chamado marco temporal, conceito que reconhece apenas o direito às terras ocupadas pelos indígenas até a data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. O marco temporal distorce o texto constitucional e ignora histórico secular de agressões contra os povos originários, banidos de suas terras, caçados e mortos como animais.

Andrea Jubé - O “idiota” russo e o brasileiro “idiota”

Valor Econômico

Campos Neto é “candidato dos sonhos” do Centrão

Era 1867 e o escritor Fiódor Dostoiévski (1821-1881), embalado pelo sucesso de “Crime e castigo”, havia recebido uma grande soma de dinheiro de seus editores como adiantamento pelo novo romance, ainda em gestação.

Para despistar os credores, o autor embarcou com sua segunda esposa, Anna Grigórievna, para uma temporada de quatro anos no exterior, revezando endereços na Alemanha, Áustria, Suíça e Itália.

Em cartas enviadas aos editores, o autor revelou que em meio a esse autoexílio, pretendia finalmente dedicar-se à concepção de seu maior personagem, aquele que encarnasse a perfeição humana, com potencial para fascinar leitores contemporâneos e os futuros apreciadores da obra.

Segundo Paulo Bezerra - um dos raros tradutores das obras de Dostoiévski que transpôs o original russo direto para o português -, o escritor confidenciou, em carta de 1868, que a ideia central daquele novo romance seria “representar um homem positivamente belo”.

Fabio Graner - O peso do festival de ruídos do governo

Valor Econômico

Mercado deve ter miniciclos de piora e melhora daqui até as eleições, prevê Nelson Barbosa

Nos últimos dois meses, os juros dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional subiram tanto que voltaram aos níveis praticados no fim do ano eleitoral de 2018. Mesmo com alguma melhora na semana passada, as taxas dos títulos de longo prazo oscilaram próximo dos níveis do período em que o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, estavam prestes a tomar posse. Era um cenário cheio de dúvidas sobre como se sairia o novo governo.

No último dia 26, o papel de dez anos foi vendido pelo Tesouro com taxa de 10,3% ao ano, e o com vencimento em 2035 atrelado à inflação, a 4,8%. Em dezembro de 2018, foram comprados por investidores a taxas de 9,2% e 4,9%, respectivamente.

Mercado deve ter miniciclos de piora e melhora, diz Barbosa

Para ter mais clareza do tamanho da piora, no fim de 2020, com os efeitos da pandemia e o maior gasto da história, esses títulos saíam a 6,9% (dez anos) e 3,8% (2035) ao ano.

Na vida real das pessoas, isso pode se traduzir em crédito mais escasso e caro e ajuda a explicar por que boa parte dos analistas vê um cenário pior para o crescimento do país. Se a mediana para 2022 já caiu para 2% de alta no PIB, há economistas enxergando uma expansão ainda menor. A disparada nos juros tem importância para as perspectivas de atividade econômica em um país com um volume tão grande de desempregados e que também sofre com a alta do dólar e seu efeito deletério nos preços.

Carlos Andreazza - Tiozão do Zap

O Globo

‘Temos de enfrentar. Não adianta ficar sentado chorando’ — uma fala que, no escuro, atribuiríamos a Bolsonaro. Fala de Paulo Guedes, homem de poupança em que sentar. Referia-se à taxa extra na conta de luz sobre o lombo do que vende o almoço para jantar — o que, afinal, enfrenta.

Não surpreende. Não terá sido a primeira demonstração do Guedes mais bolsonarista que o mito. Caso em que aquele que deveria — conforme o estelionato eleitoral — trazer razão ao enfrentamento do problema vai capturado pela linguagem depredadora do bolsonarismo. Isso na hipótese generosa. Isso se Guedes não tiver encontrado na cancha bolsonarista as condições para exercer o que é. Não acredito na hipótese generosa. São muitos os daniéis-silveiras da Faria Lima; o ministro sendo apenas mais um.

É também aquele que, símbolo de um governo que diminuiria a superfície do Estado, e que venderia — por exemplo — a Granja do Torto, foi morar na Granja do Torto; onde, claro, não paga pela luz.

Guedes está em casa com os generais-ramos, com os bibo-nunes. Converteu-se num tiozão do zap. Os que o criticam são militantes. A ver o caso dos precatórios. Em busca de espaço para bancar a reeleição do chefe, o fiscalista do amanhã apresentou um combo de incompetência e chantagem que conjuga calote à dívida e criação de um fundo a ser dependurado teto solar de gastos afora. Projeto horroroso. Dura e justamente esculhambado. Entre os críticos, a Instituição Fiscal Independente (IFI), que assessora o Senado. Para Guedes, uma “ferramenta de militância”.

Edu Lyra - Favela repensada

O Globo

Qual a primeira coisa que lhe vem à cabeça, leitor, leitora, quando você pensa em favela? Pobreza, responderão uns, apontando para as responsabilidades do Estado ausente. Violência, dirão outros, lembrando-se da criminalidade impulsionada pelo tráfico de drogas.

São associações incontornáveis, sim. Eu, no entanto, que venho da favela, tenho o privilégio de poder olhar para ela por outros ângulos. Para mim, a favela, para além das carências que oprimem seus moradores, é também a mais bem-sucedida startup do Brasil.

Exagero? Acho que não. Anitta é favela. Seu sucesso internacional projeta o subúrbio carioca em que nasceu. KondZilla é favela. Sua bem-sucedida produtora musical deu visibilidade ao melhor do funk. O samba do Rio de Janeiro desceu para a cidade depois de ter nascido nos morros. A feijoada preparada nos barracos com teto de zinco preserva a autenticidade do prato original dos tempos das senzalas. Favela é ainda moda, design, esporte — quantas medalhas olímpicas não trazem a marca de suor das favelas? Até a Faria Lima, em São Paulo, é favela, que deixou sua impressão digital nos imponentes edifícios envidraçados que abrigam boa parte do PIB brasileiro.

O Brasil precisa aprender a valorizar as coisas que tem — e uma delas é a favela. Saudar a favela não é compactuar com a desigualdade social que a gerou. Ao contrário, é enaltecer a resiliência de seus habitantes. A sensação de orgulho tem a ver com o potencial que não se dobra às adversidades. Visitar a favela Marte, projeto-piloto da Gerando Falcões, é conhecer um centro de tecnologias de sobrevivência, um polo de resistência ao Brasil institucional, o Brasil que abandonou os pobres.

Aylê-Salassié F. Quintão* - A moça da limpeza e o jogo das farsas

Ao ser empossada no cargo de Presidente da República, a gerentona teve incorporada iconicamente à sua imagem uma enorme vassoura. Iria limpar tudo. Afinal, tinha compromissos ideológicos programáticos fora do partido que a apoiava. Como ex-guerrilheira, tornara-se uma valentona. Entendeu, de imediato, que precisava fazer uma varredura nas estruturas do Poder, que caíra no seu colo. Mas, moralidade tinha mais a ver com heranças fascistas do que com as teses da esquerda revolucionária.  

Intempestiva, ela anunciou publicamente a limpeza no Estado. A ação repercutiu na Procuradoria Geral da República como uma indicação para o aprofundamento das investigações da Operação Lava Jato. A vassoura parecia de palha mais fina. Acompanhando os rastros dos ratos, foi-se levantando o tapete, gerando prisões de deputados, senadores, governadores e até de antecessores.

Quem viera imediatamente antes da gerontona fizera uma serie de trapalhadas, associando-se a grandes empresas privadas, procurando confundir a população com um discurso fácil, ligeiro e rasteiro para misturar o interesse público com o privado. Ficou a dúvida se se tratava de um despreparo para gerir a máquina pública, ou se eram mesmo ações e intenções de imaginárias conivências. 

Com um mandato presidencial já nas costas e a experiência de ex-chefe da Casa Civil, a moça da limpeza parecia já saber de tudo, embora, ideologicamente, desse a impressão de discordar. Fazia vistas grossas. Emergiu mesmo a dúvida se não era partícipe daquilo. Talvez tenha concluído que era apenas uma peça do xadrez jogado pelas costas.   Terminou varrida, quase como Celso Daniel, e deixou o Poder banida, chorando. Lançou-se o bordão: “Foi golpe!”. E tudo se arrumou.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Setor produtivo deve firmar compromisso com a democracia

O Globo

Teria sido oportuno o manifesto do setor produtivo em defesa da Constituição e do equilíbrio entre os Poderes da República. O documento vinha sendo escrito nos últimos dias como tentativa de transmitir um recado claro de compromisso do empresariado com a democracia diante dos acenos golpistas do presidente Jair Bolsonaro. Foi adiado depois da conversa entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. No começo de agosto, economistas, banqueiros e empresários assinaram um documento defendendo as instituições. O manifesto avançava ao somar à assinatura de cidadãos a de entidades. O peso é outro.

Intitulada “A Praça é dos Três Poderes”, a versão do texto a que o GLOBO teve acesso não tem nenhum caráter partidário. Não faz menção à absurda campanha de desinformação contra o voto eletrônico nem às sucessivas ameaças de Bolsonaro a integrantes do Supremo. Reitera apenas que o princípio da harmonia entre os Poderes “está presente de forma clara na Constituição Federal, pilar do ordenamento jurídico do país”. “Diante disso”, prossegue o texto, “é primordial que todos os ocupantes de cargos relevantes da República sigam o que a Constituição nos impõe”. Em seguida, o documento lembra que “o momento exige de todos serenidade, diálogo, pacificação política, estabilidade institucional e, sobretudo, foco em ações e medidas urgentes e necessárias para que o Brasil supere a pandemia, volte a crescer, a gerar empregos e assim possa reduzir as carências sociais que atingem amplos segmentos da população”. E conclui: “Que cada um atue com responsabilidade nos limites de sua competência, obedecidos os preceitos estabelecidos em nossa Carta Magna. Este é o anseio da Nação brasileira”. Nada além de bom senso e serenidade.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade – Mundo grande

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos - voltarão?

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
- Ó vida futura! Nós te criaremos.

Música | Moacyr Luz & Samba do Trabalhador - Meu canto é pra valer

 

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Ricardo Noblat - Bolsonaro é um fio desencapado que tem chances de se reeleger

Blog do Noblat / Metrópoles

Ainda faltam 14 tumultuados meses para a eleição de 2022, e tudo pode acontecer, inclusive nada

É um coquetel mortífero. Misture insônia crônica com remédios para males próprios da idade, medo de morrer ou de ser morto, receio que um ou mais dos seus filhos seja preso de repente, perfeita inadequação ao cargo e que ninguém que o conhece há muito tempo imaginou que fosse capaz de ocupar um dia.

Adicione a memória dos erros cometidos ao longo de uma epidemia que matou mais de 579 mil pessoas, inflação em disparada, desemprego em alta, apagão de energia devido à falta de chuva, e o fantasma de uma possível derrota eleitoral próxima. Resultado: um presidente da República em surto.

Jair Bolsonaro é um fio desencapado que ocasiona curtos circuitos e faíscas e pode produzir pequenos ou grandes incêndios. Na maioria das vezes, os produz deliberadamente, como esse marcado por ele para o dia 7 de setembro com o propósito de agravar a crise institucional que o país atravessa por sua inteira culpa.

Quando a palavra impeachment não era tão popular como é hoje, a teoria política ensinava que o governante tinha três alternativas: conciliar, renunciar ou ser deposto. Tradução literal: ou acaba derrubado, ou cai fora espontaneamente, ou enfia o rabo entre as pernas e vai tocando da melhor maneira que pode.

Marcus André Melo* - Dilemas do STF

Folha de S. Paulo

A resposta hiperbólica da Corte aos ataques tem custos institucionais, mas se tornou inevitável

Escrevi, logo após a posse de Bolsonaro, que o STF não atuaria como “onze ilhas” mas “um continente”. A conjetura mostrou-se acertada. A sintonia na corte tem sido expressiva: “O que nos une é a defesa da democracia”, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, em painel recente, no que foi secundado por Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.

Sim, tem sido notável o deslocamento do ativismo processual no controle da corrupção para a contenção do Executivo. A intensa disputa interna no STF era o foco de analistas de sua atuação como corte criminal. O suposto hiperprotagonismo era sobretudo reação ao mensalão e à Lava Jato. A agenda deslocou-se, sob Bolsonaro, da responsabilização criminal para a defesa das instituições.

Minha conjetura, em fevereiro de 2019, era que a pauta iliberal do governo encontraria uma virtual unanimidade antagônica no STF: “A era das dissensões parecerá a um observador do futuro ter ficado no passado: a corte atuará coesa pelo menos até a nomeação dos substitutos de Celso de Mello e Marco Aurélio”.

A arbitragem constitucional atual é inédita. Em 1958, Afonso Arinos observava: “Nunca o Supremo Tribunal Federal pôde exercer a sua missão específica de árbitro da legalidade, contendo os excessos do Executivo”. Seu juízo era implacável: “A instituição, em seu conjunto, naufragou historicamente, na fraqueza, na omissão e no conformismo”.

Celso Rocha de Barros - Todos amam Augusto Aras

Folha de S. Paulo

Recondução do PGR foi aprovada pela direita, pelo centro e pela esquerda

Na semana passada, o Senado aprovou a recondução de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República. A recondução de Aras foi aprovada pela direita, pelo centro e pela esquerda. Não teve terceira via, não teve nem segunda: foi uma consagração.

Para quem não se lembra, o PGR é o sujeito que poderia ter processado Bolsonaro pelo assassinato de centenas de milhares de brasileiros, mas não o fez; poderia ter processado Bolsonaro por suas ameaças reiteradas à democracia, mas não o fez. A competição é dura, mas a PGR foi, com certa vantagem, a instituição que menos funcionou no Brasil de Bolsonaro.

CPI da Covid existe porque Augusto Aras não denunciou Bolsonaro enquanto havia tempo de salvar vidas. O número de brasileiros mortos durante a pandemia não seria, em hipótese alguma, 570 mil sem a contribuição de Augusto Aras. Alguns milhares destes cadáveres são seus, Augusto, é com você que alguns milhares de viúvas e órfãos têm que reclamar. Você só tem menos brasileiros mortos nas costas do que Jair Bolsonaro e Osmar Terra.

Ana Cristina Rosa - Terra também tem cor

Folha de S. Paulo

O nexo entre a estrutura fundiária e a perpetuação da injustiça social não é novidade no país

Dados demográficos sobre o Brasil colonial apontam que pelos idos de 1798 a população era estimada em 3,25 milhões de pessoas. Quase metade (48,7%) era de escravizados e outros 12,5%, de negros e mulatos libertos. Os indígenas "pacificados" somavam 7,7%. Brancos, só 31,1%.

Os percentuais fazem lembrar do Atlas do Espaço Rural Brasileiro, publicação do IBGE do final de 2020, que identificou pela primeira vez a cor ou raça dos produtores dirigentes dos estabelecimentos rurais do país e cruzou esses dados com outras variáveis. O resultado é a exposição em números de uma realidade conhecida há séculos: no Brasil, a terra também tem cor.

A metodologia evidenciou que produtores rurais pretos, pardos e indígenas estão concentrados em pequenos estabelecimentos. À medida que aumenta a área de terras, cresce também o número de proprietários brancos, deixando clara a relação entre etnia e concentração fundiária.

Catarina Rochamonte - Conluio pela impunidade

Folha de S. Paulo

Não basta anular os processos de políticos corruptos tornando-os elegíveis

A rede de proteção que Bolsonaro armou em torno de si é formada por deputados cooptados com cargos e verbas (inclusive aquelas do “orçamento secreto”) e pelo condescendente titular da Procuradoria-Geral da República.

O PGR teve sua recondução aprovada no Senado por ampla maioria, em votação secreta, com contestações do senador Fabiano Contarato, para quem o PGR “deixou correr solta a delinquência bolsonarista” e do senador Alessandro Vieira que, em voto contrário em separado, apresentou relatório circunstanciado e rigoroso no qual expôs a complacência de Aras com os crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da República.

Augusto Aras foi reconduzido à PGR especialmente por causa do seu perfil “garantista” e contrário à Operação Lava Jato. Na sabatina, afirmou que não iria “criminalizar a política”: expressão que é um código para defesa da impunidade. Também não esqueceu de falar mal da imprensa, o que muito agrada a bolsonaristas e lulistas.

Denis Lerrer Rosenfield* - O arbítrio e as liberdades

O Estado de S. Paulo

Com suas milícias de rua e digitais, Bolsonaro tenta instaurar um regime autoritário

O presidente Jair Bolsonaro pauta suas ações pelo confronto incessante, pela produção permanente do enfrentamento. Não há nenhum apaziguamento possível, percebido por ele e por seus familiares e subordinados como um sinal de enfraquecimento. O diálogo, o reconhecimento do outro não fazem parte de seu mundo, que se constitui num mundo à parte ao da democracia e das liberdades.

Sua concepção, conforme já assinalamos nesta página, reside na ideia schmittiana do político concebida sob a forma da oposição amigo/inimigo. Não importa que o inimigo seja real ou imaginário, contanto que exista em sua percepção e constitua o seu campo de ataque. Assim se recorta para ele a realidade.

O conflito estabelecido com o Supremo Tribunal Federal (STF) é exemplar. O que faz o STF? Reage e se defende dos ataques incessantes que sofre, em defesa dos princípios democráticos do Estado. Cabe ao Supremo, em última instância, dizer não ao arbítrio, à ameaça e à violência. Os ataques aos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes fazem parte da estratégia bolsonarista de minar as instituições democráticas, no caso, a mais Alta Corte do País.

Não são eles a causa dos conflitos, mas propriamente o efeito da política bolsonarista. E enganou-se quem pensou que, uma vez o Supremo recuando, Bolsonaro cessaria os seus ataques. Ele não o faria pela simples razão de que deles vive. Alguém já viu peixe respirando fora da água?

O seu enfrentamento não é com o indivíduo A ou B, mas com as instituições que representam. Seu alvo consiste em destruir a democracia, pretendendo, assim, estabelecer o seu regime autoritário. E não mede meios para isso. Ele o faz metodicamente, a exemplo de Adolf Hitler, na ascensão do nazismo, e Hugo Chávez, na Venezuela.

Direita e esquerda são aqui termos irrelevantes, por compartilharem a mesma concepção da política. No início, ambos os ditadores se utilizaram das instituições existentes para miná-las por dentro, dizendo – pasmem! –, seguir a Constituição. Citavam artigos constitucionais e eram supostamente contra suas distorções. Capturaram a opinião pública em eleições para, depois, virem a destruí-las. Restaram a morte e a violência.

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira* - Não há liberdade sob medida

O Estado de S. Paulo

Esse é um bem comum. Não se pode querê-la apenas para alguns e negá-la para outros

Todos a querem para si, mas poucos a reconhecem também como um direito do outro. Querem-na na exata medida de sua vontade, de suas pretensões, pouco se importando com a liberdade alheia. Poucos a entendem e uma mínima parcela a exerce com sabedoria e espírito coletivo.

Talvez nunca na História do Brasil se tenha falado tanto em liberdade como agora. Aliás, o que é grave, fala-se dela sem pudor e sem escrúpulos para pregar o seu extermínio. Reivindicam a liberdade para operar a sua extinção. E os seguidores do discurso oficial disseminador do ódio e da destruição das instituições não escondem a sua intenção. Agora mesmo se fala da necessidade de “se tomar a liberdade, pois ela não se ganha, se toma”. Pergunta-se: tomar de onde? Tomar de quem? Tomar para quem e para o quê?

Aí o sentido do verbo tomar é o de arrancar, subjugar, apoderar, capturar, dominar, por um ato de força. Essas condutas são exatamente a antítese da própria liberdade.

É de fácil percepção que não são defensores da liberdade aqueles que acham que ela deve ser “tomada”, pois não aceitam que o outro a tenha. Dizem ainda que ela não se “ganha”, se “toma”. Liberdade se ganha, sim. Ela é conquistada, e jamais de forma truculenta.

Há uma única situação em que ela deve ser obtida de qualquer forma: no caso em que ela tenha sido abolida à força. Nessa hipótese, são legítimos todos os meios aptos a recuperá-la, retirando-a de quem a usurpou: o déspota, o ditador, o governante autoritário, aqueles que só reconhecem um tipo de liberdade: a de governar sem os limites impostos pela lei, pelos direitos individuais e pela própria vontade popular.

Bruno Carazza* - Reforma tributária não dá voto

Valor Econômico

Ciência política deveria iluminar estratégia do governo

Na sua longa caminhada rumo à vitória em 2018, não foram poucas as vezes em que o então deputado Jair Bolsonaro vilipendiou o Bolsa Família, acusando-o de ser eleitoreiro e de desincentivar o trabalho. Houve ocasião em que o chamou pejorativamente de “Bolsa Farelo”, e em outra insinuou, contra todas as evidências empíricas, que o programa estimulava mulheres pobres a terem mais filhos. Uma vez no poder, Bolsonaro não apenas manteve o benefício, como busca ampliá-lo, rebatizando-o de Auxílio Brasil.

Na sua longa caminhada rumo à vitória em 2002, Lula era um árduo defensor da instituição do imposto sobre grandes fortunas. Durante os oito anos em que ocupou o Palácio do Planalto, porém, Lula nunca se esforçou verdadeiramente por cumprir sua promessa. E mais do que isso: atual líder nas pesquisas de intenção de voto, o petista recentemente declarou que é contra taxar a riqueza acumulada pelos multimilionários.

Alex Ribeiro - Os ruídos fiscais na comunicação do BC

Valor Econômico

Documentos do Copom alertam que os riscos são grandes, mas Roberto Campos Neto vem expressado um tom esperançoso e sugerindo que uma boa explicação vai eliminar dúvidas

O Banco Central está com uma comunicação dúbia sobre a política fiscal nas últimas semanas. De um lado, todos os documentos oficiais do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC alertam que os riscos são grandes. De outro, o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, vem expressado um tom esperançoso e sugerindo que uma boa explicação vai eliminar as dúvidas. “Cadê a grande deterioração fiscal? Os números não mostram”, disse, em um evento na sexta-feira.

Afinal, quem está certo? A resposta é relevante para determinar os próximos passos no ciclo de alta de juros. Desde junho de 2020 o Copom diz que o forte risco fiscal torna o balanço de riscos para a inflação assimétrico, levando agora a cortes de juros maiores do que os recomendados pelo cenário básico do colegiado.

Na sua reunião de agosto, o Banco Central apresentou projeções econômicas que mostram que, com uma taxa de juros de 7% ao ano, seria possível levar a inflação à meta, de 3,5%, em 2022. Mas, devido a todos os perigos fiscais, há um risco relevante de o índice de preços superar o alvo. Por isso, o BC sinaliza mais juros, e os analistas do mercado já falam em percentuais para a Selic de cerca de 8% ao ano mais.

A comunicação oficial do Banco Central é forte o suficiente para mostrar que a autoridade monetária está preocupada com os riscos fiscais e que, hoje, já está reagindo a eles, fazendo o que for necessário para levar a inflação para a meta. Os pronunciamentos recentes de Campos Neto, que ultimamente têm destacado mais a esperança de um bom desfecho nas discussões no orçamento e na reforma tributária para pagar um Bolsa Família turbinado, turvam um pouco a mensagem do Copom. Um presidente do BC menos preocupado com o fiscal levanta dúvidas se, nas reuniões do comitê, será dado menos peso aos cenários alternativos de projeção de inflação que consideram uma trajetória fiscal de pior qualidade. Como desdobramento disso, o aperto monetário tenderia a ser menor. O risco é o mercado achar que o BC está subestimando os riscos fiscais e, assim, ocorrer uma deterioração adicional nas expectativas de inflação.

Fernando Gabeira - Os super-homens tropicais

O Globo

Todos tememos um pouco as pessoas a quem perguntamos se está tudo bem e que respondem com longas reclamações, recheadas de detalhes.

Eu arrisco ser uma dessas pessoas, quando volto de algumas viagens pelo interior do Brasil. Não está tudo bem. O inverno foi duro, e as geadas em algumas regiões destruíram cafezais, milharais e até bananeiras.

Nem sei se vi tudo bem, porque me desloquei no meio de nuvens de poeira que a seca trouxe para as estradas secundárias do Sudeste. As cachoeiras, em grande número, tornaram-se discretos filetes de água, como é o caso da Rasga Canga, no Parque Nacional da Serra da Canastra.

A seca me pareceu uma realidade tão nítida, e a crise hídrica tão evidente, que não posso me calar sobre ela, embora saiba que nem sempre esses problemas interessem.

Acontece que, além da escassez de água, caminhamos para a falta de energia. Na verdade, a escassez de água não é apenas um dado conjuntural: perdemos 15,8% de nossa água doce nas últimas três décadas.

Por que menciono algo tão áspero como seca, nuvens de poeira, cachoeiras minguantes? Porque é preciso fazer campanhas de uso racional de água e energia e, se dependermos do governo, isso não sairá. Assim como não saiu a vacinação antes que fizéssemos uma tremenda gritaria.

Miguel de Almeida - Pastores e meganhas no 7 de Setembro

O Globo

Como o Bozo não terá tempo de escrever sua fala para saudar os golpistas no 7 de Setembro, contribuo a seguir com um esboço.

Seria assim:

“Meus pastores, meus meganhas, meus motoqueiros!

Já dei provas de que não sou homem de me despentear. Nem sou frouxo. Sabem todos que só fraquejei uma única vez. Para corrigir, vou mandar a menina agora para a Escola Militar.

Vocês já me conhecem, sabem do que sou capaz. Não minto, só reminto, porque quem mente é um fraco; macho é quem mente várias vezes — tá certo, Malafaia?

Só tenho amores héteros, mas adoro mudar o Ramos de lugar e não dou pelota para o Magno Malta.

Vocês pensam ser fácil o meu cargo? Não estou aqui porque eu quero, foi um acidente: o Moro prendeu o Lula, e o Adélio foi uma aparição. Gostava mesmo é de ser deputado, de meu apartamento funcional para fazer bagunça. Estou cheio de convites para motociatas. Isso cansa. Até o Ciro quer me levar para aglomerar em Teresina. Já disse que não sou homem que se deixa aglomerar, nem tenho roupa para isso.

Irapuã Santana - A antirreforma eleitoral

O Globo

Está em discussão no Congresso uma reforma das regras eleitorais brasileiras — levada a toque de caixa para poder valer já em 2022. Noutra oportunidade, falei sobre a falta de representatividade; hoje, gostaria de falar sob o ponto de vista de combate à corrupção.

Como premissa, devemos lembrar que não adianta achar que fazer uma nova lei resolverá o problema enquanto sua aplicação não for aprimorada. Isso passa pela PEC do fim do foro privilegiado e da prisão após a segunda instância.

No caso específico da reforma eleitoral, até as poucas melhorias legislativas que estão presentes nas PECs e no projeto de lei são enfraquecidas pelos próprios mecanismos criados, fazendo com que o sistema permaneça bom para a impunidade dos maus políticos.

Como exemplo, temos o crime de caixa dois. Há muito tempo sabemos da necessidade de tipificá-lo, tendo em vista que atualmente é usado o artigo 350 do Código Eleitoral para enquadrá-lo como falsidade ideológica. É importante atentar que o caixa dois para financiamento eleitoral não declarado segue como uma das maiores fontes de corrupção do Brasil, visto que os desvios são feitos para financiar campanhas milionárias, o que deve ser rechaçado de maneira contundente.

Mirtes Cordeiro* - Necessário é comprar feijão… e outros alimentos

Falou e Disse

O Brasil continua sendo o nono país mais desigual do mundo, segundo o Banco Mundial.

O presidente defendeu a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, na sexta-feira 27, que todos tenham um fuzil. “Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado”, disse…  e ainda ironizou quem se opõe à disseminação das armas. “Eu sei que custa caro. Daí tem um idiota que diz ‘ah, tem que comprar feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, declarou, antes de embarcar para Goiânia”. (Folha de São Paulo, 27-08-20210)

Simples assim, a forma debochada com que se expressa o dirigente maior da nação num momento de grande crise econômica e sanitária que assola o país, sobretudo quando a fome se posta à mesa de quase 100 milhões de brasileiros em condições de insegurança alimentar, sendo que, destes, mais de 13 milhões se encontram em pobreza extrema, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revela que entre a população pobre, 101.854 pessoas vivem em situação de rua, dos quais “40,1% estavam em municípios com mais de 900 mil habitantes e 77,02% habitavam municípios com mais de 100 mil pessoas. Já nos municípios menores, com até 10 mil habitantes, a porcentagem era bem menor: apenas 6,63%”. Os dados da pesquisa foram estimados com base nas indicações coletadas em 2015.

São pobres as pessoas que não conseguem garantir ao seu organismo, diariamente, os suprimentos alimentares necessários às suas necessidades básicas para manutenção de suas energias vitais, bem como outras necessidades básicas como artigos para higiene, abrigo, vestuário, educação, cuidados de saúde, etc… “têm fome aqueles cuja alimentação diária não aporta a energia requerida para a manutenção do organismo e para o exercício das atividades ordinárias do ser humano. Sofrem de desnutrição os indivíduos cujos organismos manifestam sinais clínicos provenientes da inadequação quantitativa (energia) ou qualitativa (nutrientes) da dieta ou decorrentes de doenças que determinem o mau aproveitamento biológico dos alimentos ingeridos”. (Carlos Monteiro in Segurança Alimentar)

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O Brasil está secando

O Estado de S. Paulo

Do atual governo não se pode esperar nada positivo. Políticas ambientais propositivas deveriam estar no centro dos debates para as eleições de 2022

O Brasil está secando. Segundo o projeto MapBiomas, que reúne universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia, nos últimos 35 anos o País perdeu 16% da superfície de água e as queimadas atingiram 20% do território nacional.

Dois terços do fogo ocorreram em áreas de vegetação nativa. Cerrado e Amazônia concentram 85% da área queimada ao menos uma vez.

O padrão do fogo evidencia a relação com causas humanas. Entre 1985 e 2020, 61% das áreas afetadas foram queimadas duas vezes ou mais. No caso da Amazônia, 69% das áreas afetadas queimaram mais de uma vez; 48% queimaram mais de três vezes. A Amazônia, advertiu a coordenadora do MapBiomas Fogo, Ane Alencar, “é uma floresta úmida, o fogo não faz parte do seu regime natural, mas temos visto esse avanço puxado por fatores como o avanço das áreas de pastagem”.

Desde 2004, quando o desmatamento na Amazônia atingiu o pico das duas últimas décadas, ou 27,8 mil km², o País o reduziu expressivamente – ainda que insuficientemente –, chegando ao menor índice da série histórica em 2012: 4,6 mil km². Mas nos últimos dois anos o desmate se acelerou.