quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Fernando Exman - O recado de Bolsonaro ao Supremo Tribunal

Valor Econômico

Governo quer mandato fixo para os ministros do STF

Reeleito presidente da República, Jair Bolsonaro (PL) pretende promover profundas mudanças na Constituição.

Sabe-se, no Palácio do Planalto e adjacências, que este não é um plano de fácil execução, o qual inevitavelmente será questionado e objeto de polêmica. Por isso existe, inclusive, a discussão se o ideal seria realizar uma reforma constitucional por meio de emendas à Carta ou se o melhor caminho é o de uma assembleia constituinte. O que é dado como certo, porém, é que a iniciativa poderia propiciar uma reformatação das relações entre os Poderes.

É a chave para entender o que Bolsonaro quer dizer quando declara que vai aproveitar a força política obtida nas urnas, caso vença o pleito presidencial de outubro, para empurrar o Supremo Tribunal Federal (STF) em direção ao que considera ser as “quatro linhas” definidas para o Poder Judiciário pela Constituição.

No ato promovido em Brasília no último Dia da Independência, por exemplo, Bolsonaro fez um discurso mais brando em relação ao que proferiu no mesmo dia de 2021. Disse que sempre pede coragem para tomar decisões, e completou: “Com uma reeleição, traremos para estas quatro linhas todos aqueles que ousam ficar fora delas”.

Uma semana depois, retomou o assunto durante comício em Presidente Prudente (SP). “Esperem acabar as eleições, todos vão jogar dentro das quatros linhas da Constituição”, bradou Bolsonaro para delírio de apoiadores, sem explicitar quais eram os destinatários da mensagem. “Vamos trazer esta minoria que pensa que pode muito para dentro das quatro linhas.”

Em público, mais o presidente não diz. Talvez para não criar polêmicas às vésperas das eleições.

A portas fechadas, no entanto, interlocutores do chefe do Poder Executivo têm clareza em relação ao plano que pode ser colocado em ação. Para eles, a atual Constituição reflete a visão de mundo de uma geração de juristas e representantes da sociedade que, diante de exageros cometidos durante o período autoritário, buscou ampliar as garantias do cidadão num texto que também acabou ficando desequilibrado. Mas para o outro lado.

Promulgada em 5 de outubro de 1988, a atual Carta Magna ficou conhecida como “Constituição Cidadã” justamente por ter entre seus fundamentos o objetivo de dar maior liberdade e assegurar mais direitos individuais ao cidadão, reduzidos durante a ditadura militar. Ela proveu com mais estrutura o Judiciário e criou instrumentos para os profissionais do Direito, ampliou o alcance da legislação trabalhista e tentou dar nova dinâmica às relações econômicas.

Ela resultou dos trabalhos de uma assembleia constituinte, assim como outras três das sete Constituições brasileiras. Antes, o Brasil teve as Cartas de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e a de 1967. Esta última, aliás, passou pelo Congresso por exigência do regime militar. Entre as demais, uma foi imposta na época do Império, a de 1824, e a de 1937 instituída à força por Getúlio Vargas.

Juristas apontam que as nuances entre os textos acabam por refletir a alternância entre regimes fechados e os mais democráticos da história recente do Brasil. E, no caso da Carta de 1988, uma das críticas vindas do Executivo é de que ela sobrecarregou demais o Estado.

Promover um reequilíbrio seria apenas parte de um todo. O ponto crucial seria reduzir algumas prerrogativas dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Hoje, os membros do STF podem ser escolhidos entre os cidadãos com mais de 35 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, e eles se aposentam compulsoriamente quando completam 75 anos de idade. Isso, na visão de integrantes do governo, provoca uma distorção no relacionamento entre alguém que se vê como parte permanente das estruturas da República e aqueles que têm uma passagem mais transitória pela Praça dos Três Poderes. A ideia, portanto, é estabelecer um mandato fixo para os ministros do Supremo: um prazo considerado é dez anos.

Essa é uma discussão antiga. Nesta terça-feira, em evento promovido pelo Valor e o jornal “O Globo”, o ex-presidente Michel Temer contou que debate semelhante ocorreu durante a última assembleia constituinte. “Quando fui constituinte, fui para a subcomissão de Ministério Público, da Magistratura e da Advocacia. Lá trabalhei muito nesses temas e propus até uma fórmula que seria primeiro deixar para o Supremo apenas a solução dos problemas constitucionais. Só interpretação da Constituição. Em segundo lugar, seriam três [ministros] indicados pelo Legislativo, três pelo Judiciário e três pelo Executivo. E com mandato de até 12 anos”, contou o emedebista, durante sua participação no seminário “E Agora, Brasil?”. “Mas, isso não prevaleceu naquela época. Minha emenda não prosperou e, de vez em quando, se fala nisso. Mas acho muito difícil mudar isso”, acrescentou.

Diversas propostas de emenda constitucional buscaram fazer o mesmo. Parlamentares que as apresentaram argumentam que, em outros países, os integrantes da Suprema Corte não possuem cargos vitalícios e a mudança nas regras daria mais vitalidade ao sistema de pesos e contrapesos.

Até agora, todavia, nunca tiveram sucesso numa empreitada que parece ultrapassar as barreiras partidárias e ideológicas.

Nos últimos anos, alas do PT também advogaram a convocação de uma nova assembleia constituinte. E sempre que o fizeram foram indagados sobre os reais objetivos da proposta, uma vez que até eles mesmos reconhecem que as constituintes normalmente ocorrem quando há uma ruptura institucional. Afinal, na visão de alguns aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, só dessa forma seria possível realizar as reformas política e tributária, assim como alterar o artigo 142 da Constituição Federal - trecho que trata das atribuições e da atuação das Forças Armadas. Os mesmos questionamentos devem ser direcionados, agora, para Bolsonaro e seus apoiadores.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

A reeleição de Bolsonaro,portanto,é um perigo para o regime democrático.