quarta-feira, 21 de setembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Orçamento é propaganda eleitoral contra Bolsonaro

Valor Econômico

Bolsonaro, até agora, só conseguiu afugentar de si nas pesquisas os eleitores pobres

Os defeitos do candidato Jair Bolsonaro o prejudicam mais do que as supostas virtudes de seus adversários. O presidente em busca da reeleição nada tem a prometer de diferente no futuro que já não esteja no presente e um olhar ainda que superficial aponta vulnerabilidades políticas que são difíceis de corrigir, ainda que houvesse vontade para isso. Para quem quer julgar programa de candidatos incumbentes é muito mais revelador hoje olhar a peça orçamentária de 2023, a mais acabada obra de distorções na distribuição dos gastos em muito tempo. A face orçamentária do governo resume a política antissocial que tem praticado, com agravantes.

É inacreditável que o candidato não tenha percebido que o orçamento por ele proposto é a maior peça publicitária contra si que poderia ter feito. Não se trata de engano, mas de uma definição política que mostra a miséria legislativa-orçamentária a que esse governo chegou. Há poucas verbas que crescem no projeto de lei orçamentária de 2023 e a mais emblemática são as emendas legislativas. As emendas do relator, que não têm transparência e controle, somam R$ 19,397 bilhões, às quais se acrescentarão R$ 11,7 bilhões de emendas individuais e R$ 7,7 bilhões de emendas das bancadas, em um total de R$ 38,8 bilhões.

A garantia das emendas, objetivo principal e quase único do Centrão, que tem o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, na junta orçamentária, é o eixo do orçamento, o dinheiro assegurado em torno do qual as demais rubricas têm de ser comprimidas para caber no teto de gastos (ou não). Como este talvez possa ser o último arranjo orçamentário do governo Bolsonaro, o Centrão resolveu tirar as castanhas do fogo com mão de gato. O destino do candidato Jair Bolsonaro importa menos, e talvez isso explique em parte por que um orçamento tão ruim e impopular possa ter sido apresentado com sustentação da base governista.

Os recursos destinados ao relator e legisladores somam 38,7% de todas as despesas discricionárias (não obrigatórias) da União, que encolheram a um nível que podem ameaçar seu funcionamento. No que sobrou depois de 93,7% de despesas obrigatórias estão os menores investimentos federais em décadas, R$ 22 bilhões. Não é só equívoco ou penúria apenas, embora ambos ocorram. O atual governo desdenha investimentos públicos.

As emendas parlamentares, porém, avançaram em seu papel de suporte das despesas nos ministérios mais importantes. Dos R$ 20,4 bilhões de despesas discricionárias atribuídas pelo orçamento à Saúde, R$ 10,4 bilhões virão das emendas, nas quais os parlamentares, e não o Executivo, indicam prioridades e localização. Outros R$ 3,5 bilhões deverão ir, segundo o PLOA, para o Ministério da Economia, com a função de ajudar a formar um bolo de R$ 11,85 bilhões para bancar reajuste salarial a funcionários do Executivo. No Desenvolvimento Regional, é R$ 1,5 bilhão em uma pasta que teve redução de quase 50% das verbas em relação ao orçamento de 2022.

Garantidas as verbas para as emendas, o resto é um espetáculo de cortes e má alocação. Os recursos para Educação encolheram 11%, os da Saúde, 7,5%, Transportes, 17,5%, ciência e tecnologia 24,3%, Assistência Social, 64,1%, Segurança Pública, 34,7%. Não é à toa então que o governo se alvoroce toda vez que algum curioso vá olhar o orçamento.

O dinheiro para a distribuição de remédios do Farmácia Popular encolheu 55%, o da Casa Verde Amarela subiu no telhado (-95%). O programa nacional de alimentação escolar tem os mesmos recursos, sem correção, desde 2017, com a inflação em alta. Os programas para saúde indígena foram cortados em 59%. Há menos verbas para recursos hídricos, mobilidade urbana e saneamento básico. Na agricultura foram reduzidas as despesas em extensão rural e as do Incra, responsável por distribuição de terras e assentamentos. As ações de Apoio ao Desenvolvimento da Educação Básica terão corte de R$ 635 milhões e a produção e distribuição de livros e materiais didáticos, de R$ 234 milhões. Como o orçamento segue as prioridades do governo, serão alocados, porém, R$ 52,9 bilhões para a desoneração de impostos federais da gasolina e outros combustíveis.

O governo pode ter as prioridades que desejar, e procurar se reeleger com fortes reduções em programas sociais cruciais, voltados à população de baixa renda, pode ser só um desejo de estrategistas amadores. Bolsonaro, até agora, só conseguiu afugentar de si nas pesquisas os eleitores pobres.

Bolsonaro desfiou uma sucessão de mentiras na ONU

O Globo

Brasil descrito por ele na abertura da Assembleia Geral é uma miragem que só existe na propaganda eleitoral

O presidente Jair Bolsonaro se tornou um personagem previsível. Como fizera na sacada da residência do embaixador brasileiro em Londres, decidiu encarar o púlpito em mármore de Carrara na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, como se fossem os andaimes de mais um palanque de sua campanha à reeleição. Seu discurso, voltado sobretudo ao público brasileiro, fez até referência a seu principal rival, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É improvável, contudo, que tenha mudado a opinião dos eleitores. Muito menos dos líderes estrangeiros.

No campo dos acertos, Bolsonaro destacou o Auxílio Emergencial, que protegeu a renda de milhões de famílias brasileiras no primeiro ano da pandemia. Ainda que manchado por pagamentos irregulares, o programa obteve êxito ao evitar o aumento da pobreza em momento crítico. Países de tamanho e economia similares ao Brasil, como o México, não adotaram política semelhante e se saíram pior.

Ele também citou novos marcos regulatórios, como a lei do saneamento que reforçou a participação da iniciativa privada no setor. Fez uma defesa sensata do agronegócio brasileiro, referência em produtividade que alimenta parte considerável do mundo. Falando para o público externo, ressaltou a produção brasileira de energia renovável, destacando a oportunidade para investidores. Por fim, defendeu uma saída diplomática para a guerra na Ucrânia.

A sensatez ficou por aí. A maior parte do discurso foi uma sucessão de mentiras. Ao contrário do que afirmou, Bolsonaro não acabou com a corrupção sistêmica. Também confundiu liberdade de expressão com direito a agredir autoridades e atacar instituições democráticas, um despropósito. Interveio com mão pesada no mercado para controlar o preço dos combustíveis, em contraste com as políticas que disse defender. Em relação ao meio ambiente, voltou a repetir que o Brasil mantém a maior proporção de seu território preservada, como se isso eximisse o governo da responsabilidade pelos recordes de desmatamento na Amazônia e noutros biomas — uma falácia.

Na declaração mais cínica, posou de defensor de direitos das mulheres, quando seu comportamento e seus comentários o desmentem (não é casual sua rejeição intransponível no público feminino). Na mentira mais dolorosa, disse que seu governo não poupou esforços para salvar vidas na pandemia, quando ele atrasou a compra de vacinas, fez propaganda de tratamentos ineficazes e, por inépcia do governo federal, o Brasil foi um dos piores países do planeta no combate ao coronavírus.

Num campo que lhe poderia ser mais favorável — a economia —, Bolsonaro descreveu os fatos de modo irreconhecível para a maioria dos brasileiros: plena recuperação, emprego em abundância e inflação sob controle. Foi um evidente exagero. Apesar de o desemprego ter recuado, a informalidade segue alta. A renda subiu, mas continua abaixo do patamar pré-pandemia. Quanto à inflação, está em queda, mas distante da meta e, pior, corrói o bolso em itens críticos como a alimentação.

Políticos, por razões óbvias, sempre fazem um avaliação positiva das próprias trajetórias. O problema está em produzirem narrativas descoladas da realidade, como faz Bolsonaro. O Brasil descrito por ele na ONU é uma miragem. O Brasil real na certa lhe transmitirá esse recado por meio das urnas no mês que vem.

Combate à inflação impõe desafios a bancos centrais no mundo todo

O Globo

Nos Estados Unidos e no Brasil são esperadas novas altas dos juros. Na Europa, situação é mais complexa

O Banco Central (BC) do Brasil e o Fed, seu congênere americano, anunciarão hoje o resultado das reuniões de setembro. Amanhã será a vez do Banco da Inglaterra e dos bancos centrais da Suíça e da Noruega. Em cerca de um mês, acontecerá a próxima reunião do Banco Central Europeu (BCE). Desde que a inflação global começou a subir acima das expectativas, em 2021, os encontros regulares dos comitês de política monetária não passaram mais despercebidos. Com a perspectiva de uma recessão tomando conta dos Estados Unidos e da Zona do Euro no ano que vem, a apreensão que antecede os anúncios sobre os juros só fez crescer.

Embora a alta da inflação seja global, influenciada pelo choque nas cadeias produtivas durante a pandemia e pela invasão russa à Ucrânia, ela assume características próprias em cada país. O BC brasileiro começou a escalada de juros para combatê-la no começo do ano passado. De lá para cá, a taxa básica de juros, a Selic, já galgou 11,75 pontos percentuais, chegando a 13,75%. Espera-se que suba ainda mais.

Se o governo tivesse ajudado, é provável que o país já tivesse entrado num ciclo de queda dos juros. Infelizmente, o presidente Jair Bolsonaro só atrapalhou. Incentivou a demanda ao abrir a torneira do gasto de olho na reeleição e derrubou a cotação do real com o clima de crise contínua que criou. Resultado: as importações e os produtos cotados em dólar encareceram e contribuíram para a alta dos preços. Um dos fatores que influenciarão a decisão de hoje é o mercado de trabalho. Se o Comitê de Política Monetária (Copom) achar que a retomada dos últimos meses não tem viés inflacionário, a taxa deverá ser mantida ou talvez até caia. Do contrário, haverá nova alta.

A decisão do Fed parece menos complexa, embora suas consequências sejam mais duras. Nos Estados Unidos, a inflação é geral, até preços de aluguéis e propriedades têm subido. Os salários estão em ascensão, assim como serviços e produtos. Os americanos ainda estão gastando o dinheiro que economizaram durante a pandemia. Não estranha que os preços tenham subido 8,3% nos últimos 12 meses. É esperada uma alta de 0,75 ponto percentual nos juros, elevando a taxa americana para 3,25%. E não deverá ficar por aí nos próximos meses.

A Zona do Euro é um caso mais difícil. Por lá, a inflação está concentrada nos setores de energia e alimentos. Não está restrita ao preço dos combustíveis. A Alemanha, dínamo econômico do continente, depende do gás russo, recentemente cortado. Para complicar, a economia europeia é hoje menos robusta que a americana. A resposta à crise energética têm sido subsídios e contenção de tarifas, com efeito negativo na saúde fiscal. Aumentar os juros poderá ter consequências catastróficas para o endividamento de países como a Itália. Não fazer nada pode deixar a inflação fora de controle. É um dilema gigantesco para as autoridades monetárias.

Giro em falso

Folha de S. Paulo

Bolsonaro começa com vexame em Londres e acaba com tentativa de moderação na ONU

Para os estrategistas da campanha de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição, parecia uma grande oportunidade: uma viagem internacional perto do primeiro turno serviria para o presidente lustrar suas inexistentes credenciais moderadas ante o eleitorado mais refratário a sua postura tosca e radical.

Havia muito de torcida no plano, é evidente, dado que a rejeição ora em 53% da candidatura do mandatário desautoriza grandes esperanças. Desde maio do ano passado, ela nunca caiu abaixo dos 51%, segundo atesta o Datafolha.

Como se viu, Bolsonaro seguiu sua natureza do outro lado do Atlântico. Usou sua presença em um ritual de contrição nacional, o funeral da rainha Elizabeth 2ª, para fazer proselitismo eleitoral vulgar e barato na capital britânica.

Do balcão da embaixada brasileira, proferiu discurso de campanha. Criticou seu rival à frente nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), viu apoiadores hostilizarem a imprensa e serem repreendidos por um súdito ofendido da Coroa.

Visitou um posto de gasolina tentando provar as maravilhas de sua política intervencionista que baixou preços da Petrobras, ignorando realidades incomparáveis.

Um brasileiro que recebe o salário mínimo precisa trabalhar o sêxtuplo de um britânico na mesma situação para comprar um litro daquele combustível.

Agregando insulto à injúria, sua mulher posou para fotos com o modelito escolhido para o velório, como num desfile de moda. Sobrou tempo até para o presidente renovar seus ataques ao sistema eleitoral, evidenciando o temor de uma derrota em primeiro turno.

Leite derramado, Bolsonaro tentou reverter o dano em sua fala na abertura da Assembleia-Geral da ONU. Em comparação com seus três discursos anteriores, adotou tom bem mais moderado, explorando números da economia e, talvez pela primeira vez, não expondo o Brasil ao usual constrangimento.

Ensaiou crítica direta a Lula pelo petrolão e emitiu uma ou outra besteira dita ideológica, repetindo seu lema fascistoide sobre Deus, pátria e liberdade. Mentiu, outra recorrência, acerca de desmatamento e do apoio no 7 de Setembro.

Tudo mesquinho, mas distante das pregações amalucadas prévias. Bolsonaro quis posar até de campeão da vacina, que sempre sabotou. Sua crítica ao isolamento internacional da Rússia e o pedido de cessar-fogo com a Ucrânia encontram eco na tradição do Itamaraty.

O mesmo se dá com a constatação da baixa eficácia das Nações Unidas, feita agora com sobriedade. O petista Lula talvez dissesse o mesmo. Isso de todo modo não é exatamente uma medida de sucesso da tentativa do presidente de remediar o vexame.

Direitos em choque

Folha de S. Paulo

Prisão de homem que ofendeu Lula é exemplo de reação excessiva de agentes do Estado a críticas

A Constituição, nos artigos 5º (incisos IV e IX) e 220, assegura a plena liberdade de expressão; no 5º, X, considera como invioláveis a vida privada, a intimidade, a honra e a imagem das pessoas.

Não é difícil notar que os dois dispositivos vão com alguma frequência se chocar. Se indivíduos são livres para dizer o que pensam uns dos outros, a honra e a imagem de muitos sairão chamuscadas.

Esse tipo de oposição faz parte do cotidiano do direito, que vai tomando decisões caso a caso até que surja um padrão que passará a nortear casos vindouros.

No que diz respeito ao choque entre liberdade de expressão e direito à honra e à autoimagem, uma das balizas é que a proteção às duas últimas incide de forma diferente sobre figuras públicas e cidadãos que buscam a privacidade.

O político ou o artista consagrado, que vivem da exposição pública, não podem esperar o mesmo nível de blindagem contra críticas, mesmo as hiperbólicas, que o cidadão avesso aos holofotes.

O resultado prático é que uma mesma conduta pode configurar ilícito claro quando exercida contra uma pessoa menos conhecida, mas estar no campo do direito de crítica quando o alvo é um político.

Não raro, tal distinção escapa às forças de segurança do Estado. É o que explica policiais federais que fazem a segurança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva terem prendido, em Montes Claros (MG), um homem que teria xingado o petista, que fazia campanha.

A atitude dos agentes é excessiva. Se o cidadão de fato lançou ofensas contra o candidato, trata-se de um delito menor, que jamais justificaria uma prisão cautelar. Bastaria identificar o autor das injúrias, para um eventual processo --que é muito improvável, aliás. Ao que parece, houve abuso de autoridade.

Em esferas mais altas também se atropelam os critérios. Um exemplo é o do procurador-geral da República, Augusto Aras, que pôs a Polícia Federal no encalço de brasileiros que o haviam abordado em Paris para criticá-lo. Quando retornaram ao país, alguns deles foram levados pela PF para ser ouvidos no âmbito de uma investigação aberta a pedido da Procuradoria.

Um caso à parte é o do presidente Jair Bolsonaro (PL), que agarrou pela gola um "influencer" que o chamara de "tchutchuca do centrão". Não é todo dia que os cidadãos de qualquer país têm a oportunidade de ver um chefe de Estado se envolvendo em brigas de rua.

Os petistas, ora vejam, estão cansados

O Estado de S. Paulo

Lula diz que o PT está ‘cansado de pedir desculpas’. A quem, não se sabe. Os brasileiros lesados pela corrupção e a inépcia petistas é que estão cansados de esperar pela contrição do PT

“O PT”, desabafou Lula da Silva à revista britânica The Economist, “está farto de pedir desculpas.” Talvez o tenha feito a portas fechadas, em absoluto sigilo, pois ninguém jamais viu um petista publicamente arrependido por ter participado de governos ineptos e corruptos. O PT, ao contrário, não se cansa de alardear a culpa alheia, mas os brasileiros se cansaram de esperar um mea culpa pelo mensalão, pelo petrolão ou pela recessão, que figuram com brilho entre os maiores casos de degradação moral e socioeconômica da República.

O PT jamais se desculpou por sua irresponsabilidade em relação a quase todos os principais temas políticos e econômicos do País. Por exemplo, veio de Lula da Silva, que hoje se apresenta como salvador da democracia, a ordem para que os constituintes petistas votassem contra a Constituição. Na lógica do quanto pior para o País, melhor para Lula, o PT bombardeou o Congresso com ineptos pedidos de impeachment contra Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso e sabotou do Plano Real à modernização da telefonia, passando pela criação das agências reguladoras e das regras de responsabilidade fiscal. No Planalto, perverteu o regime democrático distribuindo mesadas a deputados e capturando a estrutura do Estado para financiar sua máquina eleitoral.

Dos partidos de expressão, o PT é demonstravelmente o mais autocrático: ninguém duvida, a começar pelos petistas, que Lula manda e o partido obedece. Lula insulta a inteligência alheia ao tentar se desvencilhar da presidente Dilma Rousseff, como se a desastrosa política econômica de sua criatura já não existisse em potência no segundo mandato lulista. Três anos antes da primeira eleição de Dilma, por exemplo, Lula já preparava o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o pacote desenvolvimentista de injeção de anabolizantes na economia via bancos públicos que viria a se tornar uma das marcas do governo de sua sucessora. Comparada aos emergentes, a média do crescimento nas gestões petistas foi ainda mais medíocre que o já medíocre histórico nacional. A “aceleração do crescimento” ficou só no discurso, e o preço dessa patranha os brasileiros pagam até hoje.

Uma vez alijados do poder, os petistas correram o mundo desmoralizando o Estado de Direito brasileiro. A narrativa se mantém até hoje: Dilma Rousseff, por exemplo, foi vítima de um “golpe” do Congresso, e o Judiciário “perseguiu” Lula conspirando com as “elites”.

O PT não se desculpou pelo incentivo à cizânia política – o “nós” contra “eles” – que gestou o bolsonarismo, tampouco pelo apoio a ditaduras de esquerda latino-americanas, pela tolerância com o corporativismo e o patrimonialismo, pelas campanhas de desinformação e difamação de adversários. Lula não pediu desculpas nem sequer por ultrajes que – pelo benefício da dúvida – poderiam ser tributados à sua juventude, como quando, na flor dos seus 34 anos, expressou admiração por tiranos como Mao Tsé-tung, o aiatolá Khomeini e Hitler – que, nas palavras de Lula, “tinha aquilo que eu admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer”.

Cansado da farsa, o povo foi tomado irresistivelmente pelo sentimento antipetista, consubstanciado nas multitudinárias passeatas pelo impeachment de Dilma, em 2016, e em 2018 e elegeu o antípoda Jair Bolsonaro – cujo grande feito, em razão de sua truculência e de seu calamitoso governo, foi ter feito uma parte significativa do eleitorado sentir saudades de Lula da Silva. Mas nada mudou: como mostra a entrevista do demiurgo de Garanhuns à Economist, não há razão para acreditar que Lula da Silva tenha a intenção de demonstrar contrição pelos inúmeros erros e desvios que ele e seus companheiros cometeram. Afinal, por que aquele que não se considera um ser humano, mas uma “ideia”, que não se cansa de dizer que é a “alma mais honesta” do País, que diz ter sido o “melhor presidente da história do Brasil”, que frequentemente se compara a ninguém menos que Jesus Cristo e que se oferece como a encarnação do próprio povo se desculparia pelo que quer que seja?

A emenda que pune o eleitor rebelde

O Estado de S. Paulo

Com o orçamento secreto, deputados e senadores castigam municípios que concentram votos na oposição, reforçam desigualdades e compram indiretamente o voto do eleitor

Sob qualquer ponto de vista que se adote, as emendas de relator são um escárnio. O esquema, por meio do qual o governo cooptou parlamentares para garantir apoio político ao presidente Jair Bolsonaro, consome uma parcela cada vez maior do Orçamento, corrói investimentos e reduz o custeio de políticas públicas essenciais para favorecer o mais puro patrimonialismo. Distribuídos sem qualquer transparência, os recursos públicos ficam fora do alcance de mecanismos de controle republicano, algo evidentemente lesivo ao erário e à moralidade pública. Ao defender a existência do orçamento secreto, parlamentares costumam ignorar todas essas críticas para destacar que ele prioriza o direcionamento de verbas a locais pequenos, sem receitas próprias e que jamais recebem atenção em Brasília. A importância da mais recente série de reportagens do Estadão está na exposição clara de mais essa falácia, que tem tido efeitos especialmente perversos nas regiões mais pobres e no interior do País.

No sertão do Piauí, o Estadão mostrou que o município de João Costa, com 3 mil habitantes, conta com três postos de saúde, creche nova, praça recém-inaugurada, dezenas de ônibus escolares e ambulâncias e até um estádio de futebol. Na mesma região, com população semelhante de 3,8 mil moradores, Brejo do Piauí tem acesso precário à saúde e educação, via de acesso esburacada e apenas duas ambulâncias e três carros de passeio para conduzir quem precisa de atendimento médico a outros municípios. O que diferencia João Costa de Brejo do Piauí é o fato de o primeiro ser base eleitoral do senador Ciro Nogueira (PP), hoje ministro da Casa Civil, e de sua ex-mulher, a deputada Iracema Portella (PP), enquanto o segundo apostou suas fichas em Paes Landim (PTB), ex-deputado derrotado em 2018, e em Heráclito Fortes (União), que tampouco conseguiu se reeleger. Isso garantiu que João Costa recebesse R$ 1.710,96 por habitante apenas em emendas de relator. Já Brejo do Piauí, considerando todas as classes de emendas parlamentares, recebeu R$ 925 per capita desde 2019.

O caso é revelador, mas não é o único. Nos últimos quatro anos, 522 municípios que reúnem uma população de 13 milhões de pessoas foram literalmente punidos por terem concentrado votos na eleição de deputados federais derrotados em 2018. Sem ter padrinhos políticos para lutar por verbas das emendas de relator, eles são parte de um verdadeiro deserto de representatividade política no Congresso Nacional, um problema que se agrava quando o prefeito integra um grupo local que faz oposição aos parlamentares. Há desertos dessa natureza também no norte de Mato Grosso, no Baixo Araguaia, na região central de Goiás, no sudoeste da Bahia e no Bico do Papagaio. Para chegar a eles, o Estadão cruzou bases de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Orçamento por meio da ferramenta Siga Brasil, mantida pelo Senado.

Excluir municípios sem padrinhos políticos da partilha de verbas federais é ilegal, fere a Constituição e ignora os dispositivos das leis orçamentárias, que exigem o atendimento de critérios socioeconômicos – e não eleitorais – na distribuição dos recursos públicos. Em vez de diminuir as desigualdades regionais, essa prática defendida por parlamentares que se escondem covardemente sob o manto do municipalismo as acentua, reforça currais eleitorais, destrói a oposição, manipula o eleitor e compra seu voto de forma indireta. Afinal, ao ter de recorrer a uma unidade de saúde localizada a horas de sua casa, ele saberá em quem votar caso não queira correr o risco de que seu município perca recursos federais no futuro. O orçamento secreto nunca foi a mentira que o governo tentou desqualificar quando o esquema foi revelado pelo Estadão, tampouco uma iniciativa com a qual o presidente não tem “nada a ver”, na mais recente narrativa adotada por ele. O orçamento secreto é a própria institucionalização da degradação moral que tomou conta do País desde a posse de Bolsonaro.

O tamanho da crise na educação

O Estado de S. Paulo

Resultado do Saeb mostra deterioração da educação básica na pandemia; recuperação requer articulação nacional

A principal avaliação da educação básica no Brasil, realizada entre novembro e dezembro do ano passado, confirmou o que já se esperava: a aprendizagem dos alunos de ensino fundamental e médio, na rede pública e privada, caiu durante a pandemia de covid-19, após dois anos letivos extremamente prejudicados pelo longo período de fechamento das escolas. O desempenho dos estudantes em língua portuguesa e matemática, como informou o Estadão, piorou em todas as séries avaliadas − e o recuo foi ainda maior entre crianças em fase de alfabetização.

As provas do chamado Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), sob responsabilidade do Ministério da Educação (MEC), são aplicadas a cada dois anos em todo o País. Em 2021, por causa da pandemia, houve menor participação de alunos. O mais baixo índice de comparecimento se deu no 3.º ano do ensino médio, em que apenas 61,4% dos estudantes fizeram o teste − ante 75,6% na edição anterior, em 2019. 

Com tantos alunos ausentes, especialistas recomendam cautela na análise dos resultados. A pontuação teria sido ainda mais baixa caso um contingente maior de estudantes tivesse feito o exame. A premissa é que as crianças e os adolescentes que deixaram de comparecer são justamente aqueles mais afetados pelo fechamento das escolas, isto é, quem se afastou ou até parou de estudar no período de ensino remoto e híbrido.

Não à toa, a própria realização do Saeb de 2021 gerou controvérsia entre educadores. Secretários estaduais de Educação pediram ao MEC que realizasse um exame exclusivamente amostral, a fim de que os resultados ficassem prontos em menos tempo e pudessem orientar o planejamento do ano letivo de 2022. A sugestão foi recusada, e o MEC promoveu o teste nos mesmos moldes das edições anteriores, ignorando por completo a crise decorrente do fechamento das escolas.

O Saeb, como se sabe, serve de base para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal indicador de qualidade do ensino no País. Ocorre que o outro componente do Ideb é a taxa de aprovação de alunos ao final do ano letivo − e grande parte das redes evitou reprovar estudantes durante a pandemia. A consequência imediata, no que diz respeito ao cálculo do Ideb, é que os maiores − e artificiais − índices de aprovação acabaram compensando, em maior ou menor grau, a queda das notas em português e matemática. 

Voltando aos resultados do Saeb, o cenário é desanimador. De um lado, demonstram como foi prejudicial manter as escolas fechadas por tanto tempo. De outro, evidenciam as limitações do ensino remoto − que o digam as crianças em fase de alfabetização. O nível de aprendizagem dos alunos brasileiros, historicamente sofrível, vinha melhorando gradualmente no ensino fundamental, na última década. E esse movimento foi interrompido, o que só faz aumentar o tamanho do desafio. O próximo presidente da República e os futuros governadores, sejam quem forem, devem liderar um esforço nacional de recuperação da aprendizagem. Sem educação de qualidade, o Brasil jamais será o país que sonha ser.

 

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