quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Hélio Schwartsman - Mediocridade que vale ouro

Folha de S. Paulo

Teto de gastos impede execução de políticas anticíclicas

Nas "Odes" (2.10), o poeta romano Horácio aconselha Licínio a não arriscar muito, aventurando-se em alto mar, nem a acovardar-se, nunca se afastando da costa, mas a buscar a moderação, a "aurea mediocritas". O Brasil faz um pouco isso ao criar uma série de mecanismos, formais e informais, que, se não nos deixam avançar muito, também nos protegem de desastres maiores.

O teto de gastos, até ser arrombado pela atual legislatura, era um desses dispositivos. Trata-se sem dúvida de uma regra burra, que reduz a capacidade do bom gestor de fazer investimentos e até de executar políticas anticíclicas. Mas, enquanto durou, ele ajudou a manter os mercados tranquilos mesmo diante do grave problema fiscal do país. Contribuiu para manter baixa a taxa básica de juros, o que era uma bandeira tanto do empresariado como da esquerda.

Algo parecido vale para as vinculações orçamentárias. É outra regra burra, que engessa o bom gestor e pode até obrigá-lo a gastar em setores onde não há necessidade. Mas, como nossos governantes podem ser ainda mais burros do que a regra, ela acaba preservando a educação e a saúde de cortes inconsequentes.

Se quisermos, até nosso arranjo político segue esse modelo. O centrão cometeu um crime de lesa-pátria ao aliar-se a Bolsonaro em vez de destituí-lo pela via do impeachment. Mas, ainda assim, o grupo político frustrou algumas das propostas do presidente. O mais vistoso desses vetos foi à PEC do voto impresso, que poderia servir de trampolim para um golpe. O presidente também não conseguiu aprovar as maluquices do Escola sem Partido nem alterar a legislação sobre armas (os retrocessos vieram por decreto).

Esses mecanismos pró-mediocridade mostram sua utilidade justamente quando aparece um governante destruidor como Bolsonaro. O problema com eles é que também nos amarram a uma mediocridade não tão áurea, que vai transformando o Brasil num fracasso.

 

2 comentários:

Fernando Carvalho disse...

Fora boçal. Jair tarde!!!

ADEMAR AMANCIO disse...

Análise correta.