O Estado de S. Paulo
Não é só no Brasil ou nos EUA. Os últimos
anos têm presenciado lances expressivos na desorganização do Estado e de suas
instituições
As últimas semanas testemunharam a dissolução
de relações institucionais em ritmo alarmante. No Brasil e no mundo, as
trapalhadas têm demonstrado que profissionalismo e interesse público são
atributos cada vez raros nos governos e nas cúpulas de negócios. Felizmente, as
economias ainda têm um certo grau de resiliência para lidar com o tamanho dos
descalabros em curso.
Tomando os exemplos mais dramáticos, comecemos pelo “Império Americano”. Elon Musk foi um eleitor determinante no sucesso de Trump e do Partido Republicano na última eleição, seja pelo apoio financeiro, seja pelo canal de comunicação com setores mais dinâmicos do empresariado americano. O início de grande prestígio do magnata dos foguetes e carros elétricos transformou-o num dos mais influentes conselheiros de Trump.
A parceria foi, no entanto, ruindo nestes
poucos meses de governo (que, insolitamente, parecem uma eternidade). Musk
iniciou seus serviços ao governo americano com um desastrado processo de
enxugamento de quadros que gerou paralisia governamental e pendências
judiciais. Fracassou no que mais importava: indicar o comando da Nasa,
ingrediente essencial em seus planos de ir a Marte e, principalmente pelos
grandes contratos.
Trump não mexeu apenas com os sonhos de um
futuro estelar de Elon Musk, colocou um basta em seus interesses bem atuais.
Talvez por isso o momento da ruptura tenha sido o encaminhamento do “grande e
lindo projeto de lei”, como o denomina o presidente. Dentro do corte de US$ 163
bilhões em despesas, a proposta retira os incentivos aos carros elétricos, o
que afeta frontalmente os interesses da Tesla, da qual Musk é criador e
acionista majoritário.
Até aí, convenhamos que são as lutas por
recursos públicos e pela definição das prioridades. Mas a sequência da guerra
entre Trump e Musk é algo que nenhum país sério poderia permitir. De um lado,
Trump ameaça Musk com o rompimento de seus imensos contratos com o governo
americano e suas agências. Contratos sobre os quais Musk erigiu grande parte de
sua fortuna e poder econômico.
Cabe, no entanto, perguntar: um presidente
pode cancelar contratos só porque está num conflito pessoal com o dono de uma
empresa? Não haveria dano aos programas governamentais? Se não haveria, qual a
razão para gastar tantos bilhões com eles? A institucionalidade americana não
pode deixar essa atitude passar em branco.
Se Trump mete os pés pelas mãos, Musk não
deixa por menos. Na guerra via plataformas sociais (cada um com a sua), Musk
acusa o presidente de participação em festas, de caráter nada familiar, como no
caso Jeffrey Epstein que, inclusive, envolvia pedofilia. E ainda afirma que o
sigilo que envolve os seus arquivos tem a presença de Trump como explicação.
Ora, se Musk sabia disso, como pode financiar e fazer campanha para alguém
vinculado a esse tipo de coisas?
Causa realmente espanto que o país que
exerceu o papel de potência dominante por tantas décadas viva uma crise moral e
política deste porte.
Para olhar o governo em decomposição também
temos o nosso. Aqui, o descalabro não atinge níveis tão burlescos quanto no
caso dos EUA, mas não há como deixar de apontar a perda de credibilidade que
assola o governo atual.
Não vou me referir aqui a toda trapalhada em
torno da elevação do IOF. É ocioso falar que o IOF é um tributo regulatório e
não deveria ser utilizado com objetivos apenas arrecadatórios. Mas ele nem foi
recusado por isso. Ficou óbvio que o Congresso não resistiria aos lobbies que
defendem interesses do setor.
O desgaste, no entanto, ficou evidente, na
forma de imensa falta de comando do Executivo sobre suas finanças e sobre a sua
governabilidade.
O recado dado foi de que ainda há muito a
fazer para atingir o equilíbrio primário a que o governo se comprometeu com o
arcabouço fiscal, mas o remédio simplesmente está ainda no laboratório. E
depois virá para discussão num Congresso que tem colocado o seu controle sobre
emendas e recursos muito acima de outros temas centrais para o País.
A questão decisiva foi a Previdência Social,
mais especificamente o desvio de valores que deveriam ser pagos como
aposentadorias e pensões e acabam enchendo o caixa de associações e entidades,
em sua maioria de existência bastante duvidosa.
Para um governo que se proclama como único
defensor dos trabalhadores, o desastre midiático não poderia ser pior. Mas é
mais que isso. Administrar a coisa pública não comporta a falta de atenção com
questões dramáticas da economia popular. A fragilidade num campo tão sensível
gera um clima de descrédito que contamina todo o cenário político. E não
adianta colocar a culpa no governo anterior. Ainda que isso possa ser verdade,
o governo do Partido dos Trabalhadores nunca poderia deixar que os mais humildes
fossem assaltados e a previdência passasse por essa nova desmoralização.
Não é só no Brasil ou nos EUA. Os últimos
anos têm presenciado lances expressivos na desorganização do Estado e de suas
instituições. É um caminho para o caos.
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