Valor Econômico
O ocaso bolsonarista, evidenciado com o comportamento acuado do ex-presidente durante seu depoimento no Supremo Tribunal Federal, desnorteou sua tropa de choque, mas não contribuiu para reduzir a temperatura no debate político brasileiro
No primeiro embate da extrema-direita com o primeiro escalão do governo depois daquela sessão na Primeira Turma, o que se viu, na verdade, foi a escalada de tom. A ida do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na tarde desta quarta, à Comissão de Finanças, Tributação e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, acabou abreviada depois do bate-boca entre governistas e dois expoentes do bolsonarismo, os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e Carlos Jordy (PL-RJ). Nada mais simbólico da interdição do debate do que a suspensão da audiência no momento em que Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), um dos deputados com mais quilometragem em questões fiscais e tributárias, ia falar.
De um lado estavam dois parlamentares com
dificuldade de concatenar ideias sem os “teleprompters” das redes sociais. Do
outro, um ministro empurrado para a esquerda pela correlação interna de forças
no governo, tentava salvar o arcabouço fiscal do afogamento. Provocado pelos
dois parlamentares, que deixaram a audiência depois de discorrerem sobre o
déficit fiscal deste governo que sucedeu ao superávit do seu antecessor, Haddad
atribuiu o feito a quatro rubricas: “calote” nos Estados, tomando-lhes o ICMS
sobre combustíveis, “calote” nos precatórios, privatização da Eletrobras na
“bacia das almas” e distribuição recorde de dividendos da Petrobras: “Assim
qualquer um faz”.
Depois de acusar de “molecagem” a ausência
dos dois parlamentares que “lacraram” para as redes com as acusações ao governo
e deixaram a sala, Haddad ouviu um “moleque é você” de Jordy que, avisado,
voltou à audiência. Nikolas, que, naquela mesma tarde, foi condenado pelo STJ a
pagar R$ 30 mil por transfobia contra a deputada Duda Salabert (PDT-MG), também
pediu a palavra para outra lacração lateral em cima do vídeo do Pix.
O debate fiscal perdeu qualquer chance de
prosseguir. A folga governista adquirida na véspera teve fôlego curto. A
oposição, ainda envergonhada pelo desempenho do ex-presidente, viu uma
oportunidade de mudar a pauta e os governistas não foram capazes de reagir.
A poucos metros dali, o comando da federação
PP/União anunciava o fechamento de questão contra uma medida provisória que
ainda não existe. O Centrão reedita a fórmula vigente desde a ascensão de Jair
Bolsonaro. Encarrega a extrema-direita de promover a combustão do debate público
enquanto paralisa as tentativas de se cobrar a conta de setores hoje
favorecidos por isenções e baixa tributação.
O cobrança do Congresso por corte de gastos
do Executivo é pertinente, mas perde sua razoabilidade quando os parlamentares
se recusam a fazer sua parte. Naquela manhã, o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP) chegara à Casa enfurecido com o despacho da véspera do
ministro do STF, Flávio Dino. Em resposta a uma petição de três associações
(Contas Abertas, Transparência Brasil e Transparência Internacional), Dino
resolvera pedir informações sobre a existência de emendas de comissão paralelas
e de um novo “orçamento secreto” na saúde.
A petição pedia o bloqueio dessas emendas e a
abertura de inquérito. As evidências são eloquentes da burla das regras votadas
pelo próprio Congresso - tanto para a transparência quanto para a contenção dos
gastos - mas o ministro resolveu regular a labareda e se limitou a pedir a
manifestação do Executivo e do Congresso sobre os fatos narrados. Foi o
bastante para o caldo entornar num Congresso já sobressaltado pela existência
de uma suposta lista de parlamentares que protagonizaram o assalto aos descontos
nos benefícios do INSS. Some-se a isso a pressão pela entrada em pauta do
projeto que aumenta o número de deputados, outra ofensa ao controle de gastos.
A moderação do despacho de Dino não foi
suficiente para conter a reação do governo que, pressionado pelos
parlamentares, foi para cima. No meio da tarde, a ministra da Secretaria de
Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, informou que a Advocacia-Geral da
União se encarregaria de uma resposta, “mostrando que a solicitação da ONG
sobre o assunto não passa de um denuncismo desinformado”. Ao recorrer à AGU, o
governo reeditou a velha fórmula já usada ao longo do esticado embate entre
Dino e o Congresso sobre tema: empurrou com a barriga.
A única notícia a sinalizar alguma chance de
moderação no debate público veio, novamente, do Supremo. No fim do dia, a Corte
formou maioria para que as “big techs” possam ser responsabilizadas se não
retirarem publicações criminosas de usuários mesmo que não haja decisão
judicial nesse sentido. O julgamento ainda está longe do fim porque ainda há
divergência entre os ministros sobre o impacto da decisão sobre o Marco Civil
da Internet, mas a decisão sinaliza para uma contenção do embate político nas
redes. A Corte não apenas avançou sobre o PL das “fake news”, travado no
Congresso por pressão das empresas, como se voltou a se colocar como eixo da
mediação do embate político.
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