quinta-feira, 12 de junho de 2025

O embate que sobrevive ao ocaso bolsonarista - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

O ocaso bolsonarista, evidenciado com o comportamento acuado do ex-presidente durante seu depoimento no Supremo Tribunal Federal, desnorteou sua tropa de choque, mas não contribuiu para reduzir a temperatura no debate político brasileiro

No primeiro embate da extrema-direita com o primeiro escalão do governo depois daquela sessão na Primeira Turma, o que se viu, na verdade, foi a escalada de tom. A ida do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na tarde desta quarta, à Comissão de Finanças, Tributação e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, acabou abreviada depois do bate-boca entre governistas e dois expoentes do bolsonarismo, os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e Carlos Jordy (PL-RJ). Nada mais simbólico da interdição do debate do que a suspensão da audiência no momento em que Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), um dos deputados com mais quilometragem em questões fiscais e tributárias, ia falar.

De um lado estavam dois parlamentares com dificuldade de concatenar ideias sem os “teleprompters” das redes sociais. Do outro, um ministro empurrado para a esquerda pela correlação interna de forças no governo, tentava salvar o arcabouço fiscal do afogamento. Provocado pelos dois parlamentares, que deixaram a audiência depois de discorrerem sobre o déficit fiscal deste governo que sucedeu ao superávit do seu antecessor, Haddad atribuiu o feito a quatro rubricas: “calote” nos Estados, tomando-lhes o ICMS sobre combustíveis, “calote” nos precatórios, privatização da Eletrobras na “bacia das almas” e distribuição recorde de dividendos da Petrobras: “Assim qualquer um faz”.

Depois de acusar de “molecagem” a ausência dos dois parlamentares que “lacraram” para as redes com as acusações ao governo e deixaram a sala, Haddad ouviu um “moleque é você” de Jordy que, avisado, voltou à audiência. Nikolas, que, naquela mesma tarde, foi condenado pelo STJ a pagar R$ 30 mil por transfobia contra a deputada Duda Salabert (PDT-MG), também pediu a palavra para outra lacração lateral em cima do vídeo do Pix.

O debate fiscal perdeu qualquer chance de prosseguir. A folga governista adquirida na véspera teve fôlego curto. A oposição, ainda envergonhada pelo desempenho do ex-presidente, viu uma oportunidade de mudar a pauta e os governistas não foram capazes de reagir.

A poucos metros dali, o comando da federação PP/União anunciava o fechamento de questão contra uma medida provisória que ainda não existe. O Centrão reedita a fórmula vigente desde a ascensão de Jair Bolsonaro. Encarrega a extrema-direita de promover a combustão do debate público enquanto paralisa as tentativas de se cobrar a conta de setores hoje favorecidos por isenções e baixa tributação.

O cobrança do Congresso por corte de gastos do Executivo é pertinente, mas perde sua razoabilidade quando os parlamentares se recusam a fazer sua parte. Naquela manhã, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) chegara à Casa enfurecido com o despacho da véspera do ministro do STF, Flávio Dino. Em resposta a uma petição de três associações (Contas Abertas, Transparência Brasil e Transparência Internacional), Dino resolvera pedir informações sobre a existência de emendas de comissão paralelas e de um novo “orçamento secreto” na saúde.

A petição pedia o bloqueio dessas emendas e a abertura de inquérito. As evidências são eloquentes da burla das regras votadas pelo próprio Congresso - tanto para a transparência quanto para a contenção dos gastos - mas o ministro resolveu regular a labareda e se limitou a pedir a manifestação do Executivo e do Congresso sobre os fatos narrados. Foi o bastante para o caldo entornar num Congresso já sobressaltado pela existência de uma suposta lista de parlamentares que protagonizaram o assalto aos descontos nos benefícios do INSS. Some-se a isso a pressão pela entrada em pauta do projeto que aumenta o número de deputados, outra ofensa ao controle de gastos.

A moderação do despacho de Dino não foi suficiente para conter a reação do governo que, pressionado pelos parlamentares, foi para cima. No meio da tarde, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, informou que a Advocacia-Geral da União se encarregaria de uma resposta, “mostrando que a solicitação da ONG sobre o assunto não passa de um denuncismo desinformado”. Ao recorrer à AGU, o governo reeditou a velha fórmula já usada ao longo do esticado embate entre Dino e o Congresso sobre tema: empurrou com a barriga.

A única notícia a sinalizar alguma chance de moderação no debate público veio, novamente, do Supremo. No fim do dia, a Corte formou maioria para que as “big techs” possam ser responsabilizadas se não retirarem publicações criminosas de usuários mesmo que não haja decisão judicial nesse sentido. O julgamento ainda está longe do fim porque ainda há divergência entre os ministros sobre o impacto da decisão sobre o Marco Civil da Internet, mas a decisão sinaliza para uma contenção do embate político nas redes. A Corte não apenas avançou sobre o PL das “fake news”, travado no Congresso por pressão das empresas, como se voltou a se colocar como eixo da mediação do embate político.

 

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