O Globo
Nos depoimentos no STF sobre a tentativa de golpe, nenhum dos réus conseguiu se safar das acusações
Tentativa de golpe de Estado é crime e merece
ser punida; mesmo porque, se o golpe fosse bem-sucedido, não haveria julgamento
dos que hoje estão no banco dos réus no Supremo Tribunal Federal (STF) — ou os
lugares estariam trocados. Considerar normal que um presidente da República
reúna comandantes militares para discutir a possibilidade de decretação de
Estado de Sítio ou Estado de Emergência para tentar impedir a posse do
presidente eleito nas urnas é ser alienado — ou pensar que os outros são.
Se não havia nenhuma prova de que as urnas eletrônicas haviam sido violadas para dar vitória ao adversário, embora Bolsonaro tenha tentado de todas as maneiras encontrar indícios de adulteração do resultado, não havia justificativa para usar as medidas extremas contidas na Constituição para evitar a posse do eleito. Se não bastassem as conversas sobre a necessidade de impedir que o candidato do PT assumisse o governo, houve o 8 de Janeiro.
A depredação da Praça dos Três Poderes por
quem estava acampado em frente aos quartéis pedindo intervenção militar era
parte do golpe de Estado, derradeira tentativa de levantar as Forças Armadas
diante da revolta popular. Não há mais como fingir que nada aconteceu de
anormal, que Bolsonaro não fez nada além de “entubar” o resultado das eleições,
como ele mesmo disse. Só o uso do verbo na forma pejorativa já mostra que
Bolsonaro e os seus tiveram de aceitar o resultado das eleições por falta de
apoio militar ao golpe. Uma espécie de ato falho bolsonarista, revelando toda a
frustração diante da realidade que lhe era adversa.
Nos depoimentos no STF sobre a tentativa de
golpe, nenhum dos réus conseguiu se safar das acusações. A única coisa que
tentaram, uns com mais ênfase, outros com menos, foi fingir que tudo estava
dentro da lei. Segundo eles, o presidente achou que a eleição poderia ter sido
fraudada e começou a pensar no que fazer, dentro da Constituição, para evitar a
posse do novo presidente. Falaram de uma maneira que parece normal. Uma reunião
com comandantes militares para discutir Estado de Sítio e de Defesa, sem razão
nenhuma, é uma reunião para dar golpe de Estado.
Não é possível que generais, almirantes,
brigadeiros não tivessem noção do que estivesse em jogo ali. São adultos
formados, chegaram ao auge da carreira. Chega a ser inacreditável que tentem
justificar o injustificável. Todos se perderam nas suas defesas e se
complicaram. Foi tranquilo para o julgamento confirmar as condenações. Chega a
ser patético ver homens de alto galardão, teoricamente preparados, que
trabalharam a vida inteira em carreiras muitas vezes bem-sucedidas, cair numa
esparrela dessas e querer que todos acreditem serem eles bonzinhos e estarem
preocupados com o país.
Os militares e os civis que se meteram nessa
enrascada antidemocrática deixaram aflorar sentimentos autoritários alimentados
por um capitão frustrado e ressentido, que entrou em mais uma aventura de sua
vida política e militar com o intuito de se transformar em ditador. Fica claro
que, desde o início da aventura, a intenção era esta: levar os militares de
volta ao poder central para que retomassem o projeto que tiveram de abandonar
depois de 21 anos da ditadura que comandaram.
No banco dos réus, todos se acoelharam,
pedindo desculpas ao ministro-relator Alexandre de Moraes, especialmente o
ex-presidente Bolsonaro, que, como de costume, largou de mão seus aliados,
chamando-os de “malucos”. Já vimos isso anteriormente, com Lula chamando os
seus de “aloprados” e pedindo desculpas, alegando que fora “traído” no episódio
do mensalão. Depois veio a dizer que foi inventado pelos adversários, que nunca
existiu. O mesmo caminho trilha Bolsonaro, preparando-se para uns anos de
prisão domiciliar, contando com o fato de que, no Brasil, até o passado é
incerto.
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