O Estado de S. Paulo
Ex-presidente fez uma confusa defesa política
num julgamento que não será ‘técnico’
No exercício de sua autodefesa no julgamento
do STF, o ex-presidente Jair Bolsonaro fez jus à fama de “autêntico”. Deixou
claro que chegou à Presidência sem saber muito bem como, governou no improviso
sem saber muito bem como e agora tenta se livrar da cadeia sem saber muito bem
como.
Surge desse interrogatório como um personagem quase literário. Para usar a imagem do filme do mesmo nome, um Macunaíma parido com farda em vez de fralda. Nas entrelinhas reconhece ter sido o pior adversário de si mesmo. A ponto de se desculpar.
Espera-se que seja “técnico” o julgamento de
Bolsonaro. Esperança inútil, pois o que se julgam são atos políticos, derivados
de contexto histórico político, no qual uma crescente e relevante parcela da
sociedade enxerga o julgador como uma das instâncias políticas participantes no
embate – portanto, com “lado”.
Por óbvio Bolsonaro esboçou uma defesa
política frente a acusações de caráter criminal. Parte delas não só seus
advogados consideram carentes de provas, assim como contestam o foro (deveria
ser o plenário do STF), e o papel do ministro Alexandre de Moraes, ao mesmo
tempo vítima, investigador e juiz.
O curioso é que essa defesa “política” passou
longe de esgrimir argumentos sobre a legitimidade do processo, a consistência
das decisões enquanto presidente da República, a natureza das suas convicções
ideológicas, como os fatos se encadearam na linha do tempo. Bolsonaro nem de
longe ensaiou um discurso do tipo “a História me julgará e absolverá”, capaz de
transformar um tribunal em tribuna.
O que ele defendeu foi a causa própria e,
sobretudo, pessoal. Tudo na figura do líder populista (não importa se direita
ou esquerda) gira em torno de sua pessoa, na qual se fundem interesses de
nação, Estado, povo ou o que seja. Assim como a direita brasileira, gostem ou
não, no momento gira em torno de sua pessoa.
Bolsonaro se exibiu no interrogatório como
personagem muito mais reativo às circunstâncias da luta política do que capaz
de conduzi-las. E, quando tentou, tropeçou no próprio temperamento (“minha
retórica”), nas alterações de ânimo, na falta de convicções claras que lhe
dessem rumo, na ausência de qualquer estratégia até quando admitiu ter
procurado “alternativas” diante da vitória eleitoral do adversário.
Sua “piada” dirigida a Moraes, convidando-o
para ser vice numa chapa para concorrer novamente à Presidência, é um brilhante
momento cinematográfico. Moraes riu do que não deveria. O convite sugere que o
autêntico Bolsonaro viu no algoz qualidades que tanto admira em quem manda
segundo os próprios limites.
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