O Globo
O bate-boca entre Fernando
Haddad e os bolsonaristas Carlos Jordy (PL-RJ)
e Nikolas
Ferreira (PL-MG), que encerrou com tumulto a audiência pública em que
o ministro deveria explicar os novos aumentos de impostos, foi apenas o clímax
de um dia em que o governo apanhou mais que Judas em Sábado de Aleluia.
Enquanto Haddad e os parlamentares se acusavam aos gritos de molecagem, os presidentes da federação que une União Brasil e PP, com ao todo 109 deputados, 14 senadores e quatro ministros, anunciavam que, sem propostas de cortes de gastos, nenhum aumento de imposto seria aprovado. De manhã, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), já havia dito que as medidas de Haddad despertariam reação “muito ruim” no Congresso e no empresariado.
— Sem o governo apresentar um mínimo dever de
casa do ponto de vista do corte de gastos, isso não será bem-aceito. Não estou
à frente da presidência da Câmara para servir a projeto político de ninguém.
Quem acompanhou as declarações do mesmo Motta
no final de semana ficou sem entender nada. Na noite de domingo, depois de seis
horas de reunião com Haddad, o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União Brasil-AP) e líderes
partidários para discutir uma saída para a lambança do aumento do IOF, ele
comemorou o que chamou “noite histórica”, só possível “graças a este trabalho
que nós fizemos junto ao Ministério da Fazenda”.
— Para resolver a situação das contas
públicas em 2025, o governo apresenta uma medida provisória que traz uma
compensação financeira ao governo, mas muito menos danosa do que seria a
continuidade do decreto do IOF — declarou Motta.
Ele ainda celebrou o início do debate sobre
cortes nas isenções de impostos:
— Estamos felizes, entendemos que conseguimos
avançar nesse entendimento da Câmara com o Senado e o governo.
O que aconteceu em três dias para transformar
tanto otimismo em rebelião antes mesmo de o governo publicar a Medida
Provisória detalhando o pacote?
A reação dos setores afetados pelos aumentos
de impostos certamente fez diferença. Das bets ao agro ou à construção, todos
aqueles cujas isenções fiscais foram cortadas acionaram suas máquinas de lobby
para pressionar o Congresso, que não estava todo representado na reunião de
domingo. A oposição não foi chamada, e a ala do Centrão que também não foi
consultada logo começou a protestar por ter de assumir o ônus sem que o governo
também cortasse na carne. Motta, que no domingo calculou mal a repercussão das medidas,
se apressou em mudar de rota.
Não foi só isso. Na véspera, enquanto surgiam
os primeiros sinais de recuo no apoio ao pacote de Haddad, o ministro do
Supremo Tribunal Federal Flávio Dino,
relator do processo sobre emendas parlamentares, deu um prazo de dez dias para
o Congresso explicar a criação de um “novo Orçamento Secreto no Ministério da
Saúde”. Foi o que faltou para riscar o fósforo da revolta.
— Aqui ninguém acredita que tenha sido uma
decisão tomada só por Dino. Nesse assunto nunca houve coincidências — diz um
deputado que acompanha com lupa a execução do Orçamento.
O revide veio rápido. Motta, que já havia
decidido esperar a captura da deputada foragida Carla
Zambelli (PL-SP) para só então colocar a ordem de prisão de Alexandre
de Moraes em votação na Câmara, de modo a não criar conflito com o
Supremo, passou a dizer que submeterá a prisão ao plenário o quanto antes.
Apesar da rapidez com que ocorreu, não se
pode dizer que a guinada de Motta seja propriamente uma surpresa. Mas também
não deixa de impressionar a incapacidade do governo de se prevenir ou, depois,
de reagir às porradas que toma.
Na semana passada foi Marina Silva quem
apanhou sem refresco — também sem nenhum apoio nem dos colegas de Esplanada nem
de Lula,
que se manteve em silêncio. E assim como ela, Haddad está isolado, porque o
próprio presidente e boa parte do governo abominam a ideia de cortar gastos.
Mesmo que queira, o ministro da Fazenda não conseguirá fazer muito.
Nesse caso, Motta tem um ponto. Se o
presidente da República, no fundo do poço da popularidade, precisando do
Congresso para aprovar iniciativas que o tirem das cordas — como a isenção de
Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil —, ainda assim se esconde nas
horas mais críticas, por que ele deveria se arriscar? Na política também vale o
ditado: quem pariu Mateus que o embale. Se Lula não assume a criança, não será
o Centrão que vai assumir.
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