quinta-feira, 12 de junho de 2025

O emperramento do ajuste fiscal - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

Tudo se passa como se a questão fiscal tivesse de piorar muito para, só então, começar a melhorar – ou melhor, tivesse de piorar muito para que governo e o Congresso acabem por concluir que é preciso ir bem mais fundo do que neste momento estão dispostos a ir.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já havia avisado que o problema é estrutural. E, nisso, mostrou que avançou no diagnóstico. Até agora, o governo Lula atribuía todos os descalabros fiscais às “heranças malditas”. Se o problema é estrutural, exige soluções estruturais, e não remendos em cima de remendos.

No entanto, o ministro voltou com o remendo de sempre: o aumento da carga tributária. Até agora, não propôs nenhum corte significativo de despesas, que é o que atravanca tudo. As renúncias tributárias, pelos cálculos do governo, alcançam neste ano a bagatela de R$ 544 bilhões – 4,4% do PIB. Sobre o corte dessas renúncias, necas de pitibiriba, para ficar com uma antiga expressão erudita.

Desta vez, a ideia do ministro foi discutir previamente com os presidentes das duas casas do Congresso as decisões a serem tomadas, para garantir apoio político para as maldades inevitáveis. Mas, da reunião de cinco horas realizada no domingo, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, saiu a dizer, no dia seguinte, que não garantia a aprovação dos deputados por ele comandados.

Paira no ar uma vaga conclusão de que é preciso uma reforma administrativa radical, que se destinasse a enxugar o Estado gastador e ineficiente. Mas vá saber o que cada um entende por reforma desse porte, se é que há alguma seriedade de propósitos: é sempre a prevalência da lei da farinha pouca, meu pirão primeiro.

Diante do descalabro atuarial da Previdência Social, uma corajosa reforma do sistema parece inevitável. As contas das aposentadorias não fecham, não casam nunca com as receitas. Apenas as despesas com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), a garantia de fornecimento de um salário mínimo mensal a idosos com mais de 65 anos e pessoas de baixa renda com deficiência, tendem a subir mais de R$ 40 bilhões por ano, se prevalecerem os atuais critérios paternalistas de correção do salário mínimo.

O que todo o mundo sabe é que o BPC é um extenso canteiro de fraudes, em que benefícios são concedidos – inclusive por decisão judicial – sem qualquer identificação nem da doença nem da deficiência. Por que a Previdência Social não fiscaliza essas coisas? Ora, a Previdência fiscalizadora não conseguiu atuar nem com as fraudes dos descontos indevidos nas aposentadorias. Até mesmo para conferir as vítimas dos roubos, teve de deslocar instalações e funcionários dos Correios para acolher os beneficiários lesados...

Como reconheceu nesta segunda-feira o presidente da Câmara, o País descamba rapidamente para a ingovernabilidade. Mas seria a difusão dessa percepção suficiente para quebrar o atual paradigma?

 

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